Jogo do Dinheiro (2016). Um “Clube da Luta” Tentando se Vingar do Sistema?

Jogo-do-Dinheiro-2016_cartazPor: Valéria Miguez (LELLA).
Bom demais quando filmes trazem à baila o mercado de ações! Em 2011 “Margie Call” nos levou a olhar perto a fome voraz e destruidora desse mercado… Depois em 2015 foi a vez de “A Grande Aposta” deixar mais claro o quanto esse mundo não tem o menor escrúpulo em arruinar pessoas, empresas ou até nações… Sem pretensões de fazer com que os norte-americanos desistissem, até porque investir em ações já é algo cultural nos Estados Unidos. Um mundo onde podem concretizar o american dream mais rapidamente… Mesmo que seja tentar a sorte onde poucos lucram com a desgraça de muitos… Porque é o lucrar muito o que todos esperam… Esse tentar tirar a “sorte grande” vai desde o pequeno comprador aos que operam com grandes fortunas… Lembrando ou não do que ambos filmes mostraram… “Jogo do Dinheiro” traz como diferencial a manipulação que há de fato, muito embora não chega ao grande público. A manipulação seja em qual esfera for, seja em quais meios forem, desde que se conquiste o lucro pretendido. E como um pano de fundo: tentar uma sorte numa jogada de azar.

Metaforicamente, “Jogo do Dinheiro” coloca frente a frente o jogador que perdeu todo o seu dinheiro e o crupiê que o incentivou a jogar, mas onde esse “azarado” exige é a presença do dono da banca. Tudo porque grande parte da ação do filme acontece dentro de um programa de televisão que além de ter como layout um cassino o apresentador ao passar as dicas ao seu público em qual ação deve investir seu dinheiro passa a ideia de um “quebrar a banca”.

Assim, de um lado temos Lee Gates, o apresentador do tal programa de tevê. Personagem de George Clooney que está ótimo em cena, por sinal! Onde até então, Gates se mostrara um grande mago acertando com as dicas. Mas até pelo desgaste dos anos do programa, ou não… Um jovem entra nos estúdios sem o menor problema…

jogo-do-dinheiro_2016_jack-o-connell

E esse intruso é Kyle Budwell (Personagem de Jack O’Connell; que não fez feio frente ao Clooney), que armado exige que Gates vista um certo colete, além de exigir a presença do dono da Ibis Limpar Capital onde ele perdera uma grande soma de dinheiro por dica de Gates… Aliás, todos do programa também esperavam essa presença para que explicasse a queda das ações num prejuízo US$ 800 milhões aos acionistas… Mas em seu lugar, e por vídeo, fora Diane Lester (Caitriona Balfe) que tentou explicar, mas diante da situação sai em busca de respostas… Kyle mais parece ser um dos anônimos do filme “Clube da Luta” indo numa nova missão… Onde o “sistema” agora a ser atingido é outro… Aliás, de tabela tem um outro alvo a ser atingido, algo também arraigado na cultura americana… Assim, numa de ver o circo pegar fogo… E no que vier será “lucro”… Kyle não tem mais nada a perder…

Entre eles, mesmo ficando nos bastidores, há a diretora do tal programa, o “Money Monster” (Que é o título original do filme), Patty Fenn. Personagem da Julia Roberts. Apagada no início, cansada do estrelismo de Gates, esse talvez seria o seu último trabalho ali… Ela cresce bastante ao colocar até a sua intuição a serviço de seu cérebro para ir levando a situação já que Kyle demonstra ter vindo disposto a tudo… Ótima performance de Julia Roberts!

Diretora Jodie Foster fez bem em levar o filme como em tempo real do programa! Pois prende a atenção até com o jogo dos personagens: onde olhares, conversação, silêncio… tudo soma num crescente em se chegar a verdade por trás de tudo. Além do que paralelo a isso os próprios personagens passam suas vidas em xeque… Onde no fundo o peso maior é no binômino sócio-econômico por lá, o loser x winner. Do que realizaram até então… Se estariam indo como o “sistema” queria… Se queriam mesmo uma mudança radical… Se haveria um jeito de conciliar… Por aí… Porque parar de todo o sistema seria algo impossível… Quem sabe apenas “dar um troco” a ele…

Então é isso! Temos em “Jogo do Dinheiro” uma ótima crítica social num thriller inteligente e com uma boa dose de divertimento! Nota 09.

Jogo do Dinheiro (Money Monster. 2016)
Ficha Técnica: na página no IMDb.

Boa Noite, Mamãe (2014). Um único defeito… nesse primor do Terror!

Boa-Noite-Mamae_2014_posterPor: Carlos Henry.
Logo que começa esta pérola austríaca, é inevitável não lembrar de outra joia do terror psicológico dos anos 70: “A Inocente Face do Terror” (The Other), de Robert Mulligan. Até no curioso fato de os atores principais, também terem emprestado seus nomes verdadeiros aos personagens principais: Um misterioso par de meninos Gêmeos. Embora a trama seja diferente, os diretores de “Boa Noite, MamãeVeronika Franz e Severin Fiala certamente se inspiraram naquele trabalho notável de 1972 para criarem este suspense de 2015, onde os irmãos Lukas e Elias Schwarz vivem uma difícil relação de desconfiança e agressividade com a mãe numa mansão isolada.

Boa-Noite-Mamae_2014Se em “The Other”, os meninos Chris e Martin Udvarnoky mantinham uma discreta bizarrice em sua dual relação com a família, no filme deste século os garotos descambam em dado momento para o mais explícito gore sangrento, o que quebra o clima tenso e enigmático do delicado conjunto artístico, sendo talvez o único defeito grave da obra. Apesar de arranhada pela relativa gratuidade da violência exagerada e desagradável que rompe abruptamente o ritmo lento e preciso da história, o filme é primoroso no que tange a seu invólucro, executado em gloriosos 35mm como é alardeado nos créditos finais. Ainda assim, um filme muito bom de assistir para os apreciadores deste gênero raro.

Boa Noite, Mamãe (Ich Seh, Ich See – Eu Entendo, Eu Entendo. 2014)
Ficha Técnica: na página do IMDb.

Série: The Family (2016 – ). Estilhaçaram novamente aquelas vidraças… E agora?

the-family_serie_00Por: Valéria Miguez (LELLA).

Estariam todos eles em busca de uma identidade própria?

A Série “The Family ao nos levar para dentro de um drama familiar o faz com pitadas de um thriler! Até porque mais do que revelar os acontecimentos, somos conduzidos a refletir quem são cada um deles individualmente! Tanto no núcleo da família protagonista, como também com alguns de fora, mas diretamente envolvidos na trama, voluntariamente ou não, personagens do passado dessa família como também aderidos as circunstâncias atuais. É que o foco principal se dá com a volta de um dos filhos do casal dado como morto há dez anos atrás. Onde até houve uma pessoa que foi condenada por tal crime.

Assim, temos segredos entre si e para além daquelas vidraças novamente estilhaçada!

Do núcleo familiar temos: conflitos entre o casal central; um dos filhos sentido o peso de ser o ‘loser‘; carreiras profissionais que os afastam até afetivamente do lar, inclusive num jogo perverso quando a ambição fala mais alto… Por ai segue! A saber, temos: a matriarca é Claire Warren, personagem de Joan Allen (de “A Outra Face da Raiva“). Que se com a comoção com a perda ela foi eleita para Prefeitura local, agora com o retorno do filho aproveita para voos mais longe, ser a Governadora. Ajuda não apenas pela atenção midíatica, mas também pela própria filha do casal, a jovem Willa Warren, personagem de Alison Pill (de “Scott Pilgrim Contra o Mundo“). Dela, Claire recebe “ajudas” que nem faz ideia. Com a volta do filho, o pai que se encontrava em viagens, volta então para casa. Ele é John Warren, personagem de Rupert Graves (de “V de Vingança”). John sem querer ficar à sombra da esposa tornara-se um notório escritor e palestrante sobre com o tema “Luto em Família”. Embora feliz com a volta do filho caçula, perde um pouco seu chão profissional, além de ter também a volta de um antigo affair. Ele também fica dividido se o jovem é ou não o seu filho, mas não tanto como o outro filho, Danny, personagem de Zach Gilford. Outrora um adolescente alegre e desportista, encontra-se perdido no álcool. O que pode lhe deixar desacreditado se o irmão é ou não um impostor. Até porque o então Adam (Liam James, de “2012“) deixa dúvidas em quem assiste, se ele é o não o verdadeiro Adam.

the-family_serie_01Com a volta de Adam…

Temos Hank Asher, personagem de Andrew McCarthy (de “O Primeiro Ano do Resto das Nossas Vidas“). Vizinho dos Warren e já tendo sobre si um caso de pedofilia, fora coagido a confessar o assassinato de Adão: o que lhe rendeu dez anos atrás das grades. Inocentado, e até recebendo uma alta quantia pelos danos morais, tenta voltar com a vida. Só que agora parece que terá uma mais isolada: todos na localidade o reconhecem e se distanciam. Além de ter que conviver com o ódio dos Warren. Que em vez de um pedido de desculpas, recebe a fúria de John por culpá-lo das privações que o filho passara nesses dez anos. É que com a confissão, o caso fora encerrado pela Justiça, não havendo mais buscas.

Também volta à cena a então Sargento de Polícia Nina Meyer (Margot Bingham). Nina fora a detetive encarregada de resolver o caso do sumiço do pequeno Adam. No afã até de se promover, baseando-se mais em disse-me-disse do que provas, ela então forçara Hank a se confessar culpado. Agora, não lhe resta outra alternativa em ir em busca do verdadeiro culpado e com o que colheu agora do Adam. Além de se ver novamente envolvida amorosamente com John.

Além de também entrar em cena dessa vez uma repórter local, Bridey Cruz (Floriana Lima). Talvez em busca de voos mais longe, Bridey que até então tem uma coluna/blog sobre o estilo de vida de uma homossexual, agarra a notícia da volta de Adam como o seu passaporte. Para isso até fará um jogo de sedução com Danny, que até estava junto com ele no dia em que ele desaparecera.

E com eles e mais outros personagens a trama segue pulando entre o passado e presente, mas com cortes precisos onde vai mostrando a história além de manter o suspense do que ainda está por vir. E todos estão bem ambientados com o contexto. O que é muito bom! As performances estão de fato ótima! Assim como o desenvolvimento da trama!

Ponto para a criadora, Jenna Bans, que em “The Family” dá o seu voo solo, após ser co-roteirista em “Scandal” e “Grey’s Anatomy“, entre outras séries. O que lhe dá bastante base para emplacar nessa sua primeira obra. Tomara que agrade também os fãs em solo americano já que é audiência nos Estados Unidos que conta ponto para ir ganhando mais temporadas. Estando ainda com poucos episódios nessa sua primeira temporada exibida pela canal Sony. Eu estou gostando!the-family_serie_2016

Um Panorama do Festival do Rio 2015 – parte II

os-irmaos-lobo_2015Por: Carlos Henry.
OS IRMÃOS LOBO” (The Wolfpack) de Crystal Moselle é um documentário que narra a bizarra saga de sete crianças que crescem presas num apartamento imundo e decadente em Manhattan. O único contato com o exterior permitido pelo pai seria os filmes na TV. Portanto as criaturas se desenvolvem cercadas de criatividade cinematográfica, encenando diálogos de filmes que viram ao longo da prisão domiciliar. O que soa estranho na narrativa é que não há maiores conflitos quando os meninos de longos cabelos se rebelam quando chega a puberdade e alcançam o mundo exterior sem grande estardalhaço. Um deles exclama: “Parece 3D!” A praia de Coney Island é um dos primeiros locais que visitam numa sequência relativamente tocante. No fim, percebe-se que o que eles querem mesmo é fazer cinema, o que dilui o objeto principal do documentário que deveria ser tenso e emocionante.

H_2014_de-Rania-Attieh_posterH“. de Rania Attieh é uma obra estranhíssima e bizarra. A começar pelo título que se refere ao nome de Helena. Há duas delas na história. Elas vivem em Troia, Nova Iorque, numa clara alusão à clássica tragédia grega. Uma tem cerca de 70 anos, vive uma rotina cotidiana com o marido e cuida de uma boneca hiper-realista como se fosse uma criança de verdade. A outra é jovem e faz uma dupla de sucesso com o parceiro no mundo das artes enquanto prepara-se para ter um bebê. Um meteorito atinge a região e deflagra uma série de acontecimentos muito estranhos mudando o destino de todos. O filme pouco explica. Prefere sugerir muito em sequências belas e misteriosas, entre sons ininteligíveis criando um clima de crescente agonia, bem na linha do excelente “Sob a Pele”. A enigmática figura equina que surge ao longo dos capítulos entra em mutação no final numa cena realmente perturbadora. Para ver muitas vezes, interpretar, concluir e discordar como num filme de David Lynch. Uma delícia.

The-Nightmare_2015_posterOutro filme muito perturbador foi certamente o horripilante documentário “O PESADELO – PARALISIA DO SONO” (The Nightmare) de Rodney Ascher que já havia provado o seu talento tentando decifrar o que havia de oculto no clássico filme “O Iluminado” de Kubrick em “Quarto 237” que também causou aflição no outro Festival. Neste novo trabalho, Rodney entrevista várias pessoas que têm os mesmos sintomas. São acometidas por brutal paralisia quando entram em certo estágio do sono e se tornam impotentes diante das presenças que começam a surgir na escuridão. Um ataque de extraterrestres ou obsessão espiritual? A conclusão é do espectador que deve evitar assisti-lo quando a noite cair.

a-floresta-que-se-move_2015Ana Paula Arósio ressurgiu após longo hiato das telas, linda como nunca na exibição de “A FLORESTA QUE SE MOVE” de Vinicius Cimbra no cinema Odeon. O veterano Nelson Xavier também estava presente, contente com o fato de ter sido finalmente convidado para um papel de rico. E o fez brilhantemente. O filme que pode ser considerado um noir que flerta com os gêneros terror gore, suspense e policial é uma excelente adaptação de Macbeth de Shakespeare para os dias atuais. Uma bordadeira vidente (Juliana Carneiro da Cunha) prevê o poder meteórico para Elias, um alto executivo de banco. Incentivado pela mulher ambiciosa, os dois decidem eliminar pessoas para que se cumpra a profecia. O primeiro alvo é Heitor (Nelson Xavier), o presidente do banco, um homem bondoso e sensível que adora as Bachianas de Villa-Lobos. A partir daí, o rastro de sangue derramado espalhará a loucura, o remorso e os fantasmas no caminho dos dois. Neste trabalho extraordinário, destacam-se o mosaico de locações (Brasil, Uruguai, Escócia, Berlim) que confere uma atmosfera mágica e indeterminada à obra, bem como o elenco perfeito com destaque até nas pequenas participações como a de Emiliano Queiroz como um porteiro hilário, irônico e articulado. Imperdível.

as-fabulas-negras_posterAS FÁBULAS NEGRAS” é um terror nacional B gore que não deve ser levado tão a sério. Une o talento do veterano José Mojica Marins (Zé do Caixão) com outros novos diretores do gênero. O resultado por vezes amador e tosco diverte e evidencia um esforço constante em acertar. A decisão de inserir um grupo de crianças fantasiadas na mata como elo de ligação entre os contos ajuda muito no clima soturno pretendido. O episódio da loira no banheiro é decerto o melhor elaborado e bem montado com segurança na direção A velha que faz a diretora do pensionato de garotas está impagável. Mojica também se destaca como um exorcista de araque e aproveita para lançar a sua sempre esperada e “temida” praga no final.

[Continuação daqui.] [Continua aqui.]

Série: Gotham (2014-). Uma Nova Ótica Lançada Sobre um Conteúdo Aparentemente Inesgotável

Gotham_seriePor: Cristian Oliveira Bruno.
Batman_KaneQuando adapta-se uma cosmologia tão rica e tão famosa quanto a do Batman, icônico personagem de Bob Kane, se faz necessário manter uma cautela toda especial no que diz respeito às alterações que serão feitas tanto na cronologia quanto na concepção dos personagens. No caso do super-herói em questão, tudo é mais complicado ainda, pois quase não há o que já não tenha sido feito. O tom mais cartunesco já fora ditado e orquestrado com maestria por Tim Burton em seus Batman (1989) e Batman – O Retorno (1992). A atmosfera mais sombria e pesada a qual parece ter sido a versão definitiva dada ao personagem nos anos 80, com O Cavaleiro das Trevas, do Deus dos quadrinhos Frank Miller – a melhor série já feita sobre o Homem-Morcego – foi recente elevada a um outro estágio com a consagrada trilogia de Christopher Nolan (Batman Begins [2005], The Dark Knight [2008] e The Dark Night Rises [2012]). Mesmo a inocência e a fantasia dos primeiros exemplares dos quadrinhos teve sua vez entre 1966 e 1968, com uma série de TV contendo 60 episódios da dupla dinâmica. Assim sendo, o que de novo e diferente o produtor Bruno Heller (The Mentalist [2008-2015]) e o diretor e produtor executivo Danny Cannon (O Juiz [1995]; Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado [1998]) poderiam apresentar em mais uma adaptação para a TV? A resposta veio com o título da série: Gotham.

Gotham_01Voltando pelo menos 15 anos no tempo, a proposta desta vez é apresentar uma nova ótica e lançar o olhar sobre a cidade, ao invés de seu mais ilustre residente, e mostrar como uma cidade tão corrupta e dominada pelo crime chegou ao ponto de precisar de um justiceiro mascarado para manter a ordem. E isso é o mais interessante em Gotham. Mais do que acompanhar os primeiros passos e a origem de vários personagens do universo dos quadrinhos (alguns famosos, outros nem tanto), a série se baseia no fato de que ainda não há um justiceiro mascarado para defender Gotham. E com a polícia, a justiça e o próprio prefeito Aubrey James (Richard Kind) e o comissário Loeb (Peter Scolari) nas mãos dos dois chefões das famílias mafiosas que controlam todo o crime da cidade, Carmine Falcone (John Doman) e Salvatore Maroni (David Zayas), cabe ao ainda jovem detetive James Gordon (Ben McKenzie) assumir o papel de paladino solitário da justiça. E quando eu digo solitário, não é força de expressão. Embora com o passar do tempo Gordon vá adquirindo aliados em sua inspiradora jornada de combate ao crime mais do que organizado, até um certo ponto dela ele se vê abandonado por seus companheiros, chefe e seu parceiro Harvey Bullock (Donal Logue).

gotham_02O plot da série é o assassinato de Thomas e Martha Wayne e a promessa feita por Gordon ao pequeno Bruce Wayne (David Mazouz) – retratado aqui aos 12 anos – de encontrar o responsável. A partir desse momento, Gordon adentra de vez no submundo e começa a entender como a cidade funciona. Não é que todos os seus habitantes sejam corruptos, mas todos têm família e jamais arriscariam oporem-se a Falcone ou Maroni. Essa faceta de uma Gotham dominada por figuras poderosas, mas sem super-poderes acaba por tornar-se, naturalmente, o segmento mais interessante da série. Não que a relação tutor/serviçal/pai entre Alfred Pennyworth (Sean Portwee) e seu determinado protegido não seja deveras comovente, ou que a luta da ambígua e maliciosa Selina Kyle (Carmen Bicondova) para sobreviver nas ruas não tenha seus momentos – embora seja a ramificação mais trôpega do programa -, mas é no núcleo criminoso que encontram-se os melhores personagens, situações e conflitos mais tensos e interessantes.

gotham_03Com um elenco bastante regular e em sua maioria experiente, os personagens acabam ganhando uma roupagem diferenciada e uma cara própria, embora não abandonem os aspectos e traços mais fortes pelos quais ficaram mundialmente conhecidos. Ben McKenzie (do seriado OC e de 88 Minutos) compõe um Jim Gordon intenso e forte, com uma segurança e uma presença em cena muito boas, mostrando o quanto evoluiu com o passar dos anos. Sua parceira inicial, Erin Richards – que interpreta Barbara Keen, primeiro par romântico de seu personagem na trama – não está tão mau, mas carece de uma química maior com o protagonista. Falha esta corrigida absurdamente com a inserção da personagem da Dra. Leslie “Lee” Thompson, interpretada pela brasileira Morena Baccarin (do seriado V – Invasores), cônjuge do ator, tornando a interação entre ambos algo natural, e isso reflete-se na tela. Também destaca-se neste quesito, sem a menor sombra de dúvidas, Oswald Cobblepot, o Pinguim, de Robin Taylor Lord, tão afetado e tresloucado quanto ameaçador e doentio. Taylor Lord vive a dolorosa saga de ascensão daquele que será o futuro Rei do crime da cidade. Donal Logue recebe uma tarefa ao mesmo tempo motivadora e arriscada ao viver o Det. Bullock como um dos protagonistas, já que o personagem não havia ganhado tanto destaque até aqui fora dos quadrinhos – olhe lá uma rápida aparição no primeiro filme de Tim Burton – e sempre fora retratado como policial corrupto e desonesto, com o perdão da redundância. Aqui, Bullock ganha um novo ponto de vista e é retratado não apenas como um mau policial, como alguém que viveu a vida inteira em Gotham e conhece aquela cidade e como ela funciona, sabendo jogar de acordo com suas regras. O choque de personalidades com Gordon faz com que Bullock passe de um obstáculo para ser o primeiro aliado de Gordon – e um importante aliado, pois Bullock conhece o crime da cidade.

gotham_os-viloesCriada especialmente para a série, Fish Mooney (interpretada com muita ferocidade e ímpeto por Jada Pinkett Smith) não só possui um papel importantíssimo na trama, tanto no andamento desta quanto na formação de background de demais personagens, e com certeza agradou (ou agradará) grande parte dos fãs – embora o desfecho dado a ela não seja dos mais agradáveis, ou mesmo bem pensados, provavelmente sua relação com seu fiel capanga Butch Gilzean (Drew Powell) promete arrebanhar muitos fãs para a dupla. Vários outros personagens tradicionais nas páginas das revistas da DC Comics dão as caras por aqui, sendo que alguns são bastante conhecidos do público, como Harvey Dent (Nicholas D’Agosto) – o Duas-Caras -, Edward Nygma (Cory Michael Smith) – O Charada -, Victor Szasz (ANthony Carrigan), Dr. Francis Dulmacher (Colm Feore) – o Mestre dos Bonecos -, Dr. Gerald Crane (Julian Sands) – criador do gás alucinógeno usado por seu filho Jonatan, o futuro Espantalho – e outros mais conhecidos apenas pelos mais familiarizados com o universo Batman, como Jack Buchinski (Christopher Heyendahl) – o Eletrocutador -, a policial Renee Montoya (Carmen Cartagena), Richard Sionis (Todd Stashwick) – o Máscara Negra -, Aaron Helzinger (Kevin McCormick) – o Amígdala, vilão muito semelhante e freqüentemente confundido com Bane – e Larissa Diaz (Lesley-Ann Brandt) – a Cobra venenosa.

gotham_04Mas dois vilões destacam-se neste paraíso dos “Batmanáticos“, cada um a sua maneira. O primeiro deles é Jerome Valeska (Cammeron Monaghan) que, mesmo sem ser oficialmente apresentado como tal, trata-se da versão do seriado para o maior inimigo do Homem-Morcego: o Coringa. O episódio onde o vilão aparece não é um dos melhores da temporada, mas Monaghan destaca-se no diálogo final quando a referência ao coringa é feita, em uma atuação muito boa. O outro é apresentado apenas no episódio 19 (e mantém-se ate o episódio 21, penúltimo da temporada – tendo sido especulado também na segunda temporada, embora fique claro e óbvio que isso não ocorrerá). Jason Solinski, o “Ogro” (Milo Ventimiglia), surge como o principal vilão da série até então, oferecendo sensação de risco real para os mocinhos. O Ogro é aquele com quem todo policial da cidade tem medo de mexer. Gordon também, mas isso não o faz recuar. Esse ponto da trama é um dos pontos altos da série e poderia ser, inclusive, o desfecho (não que o episódio 22 não seja satisfatório, mas o 21 é ainda melhor.

gotham_06Mas a própria Gotham City é a principal personagem da série. Todo personagem da cosmologia criada por Bob Kane, de Bruce Wayne à Mr. Freeze, é composto com base em traumas, seja a perda de um ente querido ou a sensação de impotência perante as situações enfrentadas diariamente. E Gotham está repleta de traumas os todos os cantos. Traumas e mitos. Em Gotham qualquer um pode ser o que quiser. Heróis e vilões usam máscaras visíveis, enquanto a alta sociedade usa máscaras políticas e diplomáticas. Por isso o Bandido do Capuz Vermelho representa mais do que um simples elemento daquela sociedade, mas também um sentimento. Gotham resume o sonho americano de ser a terra das oportunidades. Qualquer um pode ser rei em Gotham, basta tomar o que é seu por direito. Mesmo que não seja seu de direito. E a maneira como Heller e Cannon retratam esteticamente a atemporalidade da mística cidade é curioso. Há celulares e computadores, o que nos põe imediatamente nos dias de hoje. Os carros são das décadas de 60, 70 e 80 e os prédios e as ruas remetem aos anos 30 e 40. Sabemos que Gordon lutou recentemente em uma guerra, mas não sabemos qual foi. Nada é dito sobre o que ocorre além das fronteiras da cidade. Quem é o presidente, de onde vêm as pessoas de fora e tudo mais que não envolva Gotham permanece um mistério. Gotham é uma cidade que existe apenas no imaginário e está sempre em constante formação e Cannon e Heller nos permitem preencher estas lacunas, cada um a nosso modo.

gotham_05A primeira temporada, apesar do caráter experimental, foi melhor do que o esperado. Sofre alguma irregularidade com relação ao ritmo e a consistência – coisa mais do que comum em séries sem um diretor fixo -, mas no fim das contas Heller e Cannon seguram bem as pontas e trilharam um belíssimo caminho para ser expandido nas próximas temporadas já anunciadas. Foi muito bom ver que ainda há o que explorar – com dignidade – de um universo já tão esmiuçado no decorrer dos anos. Este que vos escreve é fã do herói em questão e confessa sem vergonha que estava desesperançoso com esta série, mas fiquei bastante satisfeito com o resultado final desta primeira temporada e a recomendo sem medo para os fãs de Batman e até mesmo para os não fãs, dada a boa distribuição dos núcleos.

Avaliação Geral da Primeira Temporada: 7,5.

Série: Gotham (2014 – )
Ficha Técnica: na página no IMDb.

RoboCop (2014). Uma Análise Retrô

robocop-2014_cartazRobocopsPor Ivan Anderson.
Lançado em 2014 para se tornar um grande blockbuster do cinema, RoboCop 2014 se tornou um filme controverso e gerou grandes discussões a respeito das comparações com o filme cult de 1987. Com direção do brasileiro José Padilha, a releitura do policial do futuro, apesar de ser um bom filme, decepcionou os maiores fãs da série principalmente pela leveza com a qual o policial biônico Alex Murphy passou a encarar os criminosos no século 21.

RoboCop em sua versão original era uma verdadeira máquina de aniquilar vagabundos, segundo a linguagem oitentista: aquele tira que atira primeiro e faz as perguntas depois, o que tornava muito divertidas e únicas cada uma das suas empreitadas contra o crime. O bandido não pensava duas vezes em tentar ceifar a vida do policial, então o robô atuava conforme a demanda, se posso assim dizer.

robocop-2014_02Em sua versão moderna, além de ser mais polido e atender a atual visão global de que o bandido (mesmo com toda a crueldade) é ser humano também, o novo policial do futuro começou torcendo o nariz dos fãs quando sua principal arma, antes uma beretta modificada, tornou-se um teaser para eletrocutar os foras da lei. O que também assustou os fãs foi o novo design de seu corpo, agora negro, o que gerou muitas comparações com Batman e até com o vilão McGaren, do seriado japonês Jaspion. (A blindagem prata também utilizada no filme ficou fantástica.)

robocop-2014_03Mas o longa tem também seus pontos positivos: a inovação tecnológica pela qual o protagonista passa, e explanações sobre a forma como a parte humana é alimentada, e fundida à máquina deixam um ar de satisfação grande aos expectadores mais curiosos e também aos mais críticos. A forma como a armadura é trocada, fazendo de Murphy uma espécie refil, ficou muito interessante e obviamente atuações como as de Michael keaton, Abbie Cornish, Gary Oldman e Samuel L. Jackson sempre brilham muito. Não deixando de lado, é claro, Joel Kinnaman, que encarnou muito bem o papel do primeiro ciborgue do mundo.

No fim das contas e apesar dos percalços RoboCop 2014 ainda vale o ingresso, principalmente por abordar de forma mais intensa o drama de um homem preso dentro de uma máquina, e pelas já citadas impecáveis atuações do glorioso elenco.

RoboCop (2014)
Ficha Técnica: na página no IMDb.