As Donas da Noite (Wir sind die Nacht, 2010). Uma das Melhores Transformações em Vampiro

Depois de um bom tempo de sumiço, decidi voltar aqui e comentar um filme novo a que assisti, chama-se As Donas da Noite. Pois é, a primeira vez que vi o cartaz imaginei: mais um filme independente ruim lançado por aquelas distribuidoras humildes. Mas não se enganem, esse parece ser um longa que está passando despercebido pelos cinéfilos. É claro que é uma abordagem mais pop do mito, porém o interessante é até que ponto a história se arrisca a reaproveitar as características clássicas das criaturas num ambiente de modernidade, sem se limitar a sustos ou personagens muito estereotipados.

As diferenças começam logo a partir da nacionalidade, o longa é da Alemanha e apresenta atrizes de talento. Nina Hoss pode não estar no auge de sua beleza, mas continua com seu charme e dá mais segurança à personagem, tornando-a, antes de tudo, uma empresária.  Karoline Herfurth (que fez uma participação bastante sensorial e marcante em “Perfume: A História de Um Assassino” como a primeira vítima de Grenouille) abre mão da beleza e passa boa parte do tempo mais feia que Macabéa (personagem de A Hora da Estrela), até ocorrer sua transformação.

Lena antes e após a transformação

Quem me conhece, sabe que sou fascinado por filmes de vampiros, mas na descrição de vários livros a transformação ocorre de maneira estética muito significativa, não é simplesmente alterar a cor dos olhos ou tornar a pele mais pálida, o vampiro precisar ser muito mais atraente comparando a sua forma humana, entretanto mantendo traços que nos façam recordá-la. Até hoje, o pó-de-arroz foi a maneira mais utilizada para retratar o humano após a transição, algo que sempre considerei muito esquisito, afinal não era para o vampiro parecer um metrossexual (como acontece em alguns filmes teens crepusculares). Isso tudo é consertado nesse filme. A transformação apresentada nele propõe que o vampiro não deve ser tão diferente dos humanos, só mais belos que sua forma antes da transformação.  As cenas em que as mudanças ocorrem em Lena inicialmente são dolorosas, mas o resultado final, que ocorre numa banheira, mostra de forma bela a transformação da jovem, alterando toda sua aparência com alguns efeitos especiais sutis.

Falando em efeitos especiais, não vá esperando um show de imagens porque os efeitos são apenas suficientes para a execução das cenas, há partes em que é óbvio o baixo orçamento (como a luz do dia entrando nos cenários), porém isso não estraga a diversão, afinal o importante é o roteiro. Esse apresenta quatro personagens centrais totalmente diferentes. Louise (Nina Hoss), como já foi dito, tem uma postura de mulher independente, com “ar” de empresária. Lena (Karoline Herfurth), a protagonista, já é mais recatada, sempre demonstrando timidez, exceto quando é necessário tomar medidas drásticas. Antes da transformação, Lena era uma menina marginalizada que vivia de pequenos furtos, logo sabe reagir. Charlotte (Jennifer Ulrich) representa os vampiros mais clássicos e intelectuais, admiradores de música erudita e que sofrem pela passagem do tempo, ela é extremamente calada e cruel, mas possui um passado triste por ter abandonado o marido e a filha pequena ao ser transformada por Louise, provavelmente à força. Nora (Anna Fischer) é o alívio cômico da trama, a mais louca de todas, muito engraçada , porém sem conteúdo.

Louise e Charlotte (superior) – Lena e Nora (inferior)

Como de praxe, os vampiros possuem extrema ligação com o sexo. As Donas da Noite retorna com alguns temas feministas e uma personagem lésbica. A questão é que a homossexualidade já vem sendo explorada de maneira metafórica em alguns filmes de vampiro, portanto não é de surpreender que haja uma certa discussão nesse longa. Louise se apaixona por Lena, mas Lena não demonstra qualquer interesse. Um outro ponto é a ausência de vampiros homens, num certo diálogo as vampiras explicam que estão extintos pela falta de cuidado e confusões com humanos, enquanto outros foram assassinados por suas próprias parceiras. Se analisarmos bem, a maioria dos vampiros mostrados nos filmes acabam sendo exterminados, então é compreensível essa explicação para embates com humanos. Pelo que podemos notar, essas vampiras representam a liberdade feminina, mas o longa também serve como mensagem, pois esse tipo de sociedade exclusivamente feminina não dura muito tempo. A busca pelo prazer continua tendo importância crucial na trama, afinal vampiros sempre representaram uma promessa de uma vida regada a sexo. Num dos diálogos, Nora afirma que elas podem fazer o que quiserem porque não engordam, engravidam ou ficam viciadas. Elas são donas de uma casa noturna, por isso o título As Donas da Noite.

Após várias versões de vampiros, finalmente um filme contemporâneo que consegue mesclar as características clássicas a uma trama simples que não ofende a inteligência, sendo suficiente para uma boa diversão e, o que não podia faltar, uma ótima trilha sonora. Ressaltando que não há ausência de sangue, algo raro em novas abordagens pops das criaturas. Só nos resta torcer para que os Estados Unidos não façam uma refilmagem, isso não é necessário pelo fato de que o longa-metragem, tal qual a versão sueca de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, foi feito aos moldes de Hollywood.