Cisne Negro (Black Swan. 2010). Qual teria sido a pressão maior a essa me-Nina?

Indo assistir “Cisne Negro”  já estava ciente de que a personagem principal Nina (Natalie Portman) passava por um distúrbio psíquico. A profundidade dele, só vendo o filme. Por ser eu uma cadeirante, logo com certas limitações, e até mesmo adequações frente a uma nova realidade, batia em mim também uma curiosidade em ver o que ela faria, já que galgava o papel principal na nova montagem do “Lago dos Cisnes“. Claro que estou ciente de que limitações motoras não dá para se comparar com as mentais. Diante disso, fui disposta a observar os maiores detalhes que eu pudesse de Nina e todos em sua volta. E irei trazê-los para cá. Com isso o texto terá spoiler. Ficando também a sugestão de que assistam primeiro esse filme. Que o considero uma Obra Prima da performance da Natalie Portman.

Durante as primeiras cenas me veio a lembrança da Phoebe, personagem de Elle Fanning em “A Menina no País das Maravilhas“. Por ambas terem adentrado num mundo da fantasia. Um meio de escaparem das pressões do mundo real. Outro ponto em comum que também me chamou a minha atenção: foram o papel das mães. No sentido de quanto influenciavam na vida das filhas. No conflito interno que padeciam. A mãe de Phoebe retirou a filha das mãos de um Psiquiatra por achar que o problema seria por não ter tido tempo para a filha. Já a mãe de Nina, Érica (Barbara Hershey), mantinha uma dedicação quase integral. Quando não podia estar junto da filha, tinha outros olhos a lhe informar dos passos da Nina no Teatro. Falando em olhar, o da Érica sobre a filha parecia vampirizar a me-Nina. Meio assustador! Excelente atuação da atriz. E até por conta disso, nem lhe passou pela cabeça procurar ajuda por Profissionais da área Psico.

Esse também é um ponto que irei abordar: da busca por uma Terapia. O termo é mais difundido como o de fazer um hobby. Algo para desanuviar a mente ante a uma pressão, ou bloqueio… Enfim, até pode ser. Mas há de se pesar de que cada caso, é um caso. E só quem poderia avaliar com mais precisão seria alguém que estudou para isso. Sendo ele um profissional sério, saberá encaminhar para um especialista. Como leiga no assunto, me pareceu que o problema de Nina poderia ser pelo menos atenuado com medicação prescrita por um Psiquiatra.

Como eu fui com um olhar em buscar pelos sinais do distúrbio da Nina, o de se coçar até ferir, foi um deles. Sendo nas costas, seria outro já adentrando nos ensinamentos de Jung – a Sombra. Como também para quem gosta de Astrologia – a casa 12. A Phoebe também se autoflagelava como uma punição. No caso da Nina, a princípio, ela nem se dava conta disso. Era como se o seu outro “eu” que fizesse isso. Pode até ser que esse coçar… aos olhos de um Profissional já seria um sintoma. Para mim, seria um aviso de que minha filha estaria passando por um problema que a cabecinha dela não estava dando conta do recado. Um diálogo aberto levaria a outros sinais.

No caso de Nina, sua própria mãe é quem nos fornece maiores detalhes. Que para ela eram todos contornados em tratando a filha como uma criança, ainda. Volto a destacar a atuação da Hershey: foi brilhante! Cheguei a ficar com raiva dela com a solução que ela deu. Conto? Contarei sim. Mas antes, já que a mãe via aquele coçar até se ferir como Compulsão, fui pesquisar por um significado. Trouxe esse do site do Dr. Dráuzio Varella:

O comportamento compulsivo se caracteriza por uma pressão interna que, em determinadas situações, faz com que a pessoa se sinta impelida, tomada por desejo muito forte de realizar uma ação que gera prazer principalmente nos estágios iniciais, mas que depois provoca sentimentos de culpa e mal-estar.”

Para mim, não se aplica no comportamento da Nina. Mesmo se tratando de uma compulsão, não seria cortando as unhas que iria resolver. Porque poderia se coçar com objetos que iriam ferir mais. Como a mãe veio com um – “Você voltou a fazer!” -, então era hora para procurar por uma ajuda. Na cena em si cheguei a ficar com raiva dela em tratar a filha como um bebezinho. E vendo o quarto de Nina, via-se ali os sonhos ainda da infância. Ainda uma adolescente. Achei-o sufocante.

Antes de prosseguir deixo uma indagação: Por que ainda nos dias de hoje há tanta resistência em se procurar por um profissional da área psi? Hora desses profissionais retirarem esse ranço antigo: de que são só para “loucos”.

A mãe de Nina fazia tudo isso por projetar na filha aquilo que ela não conseguiu ser: uma bailarina de destaque. O fato de ficar sempre como pano-de-fundo, a levou a outros caminhos. No filme não faz referência de como se engravidou de Nina. Se foi algo do tipo: teste de palco. Também não há indícios se houve em algum momento uma figura paterna. Não que seja algo imprescindível, mas no caso de Nina essa ausência terá uma consequência. Conto mais adiante.

Essa transferência – o filho será o que não conseguiu ser -, é algo muito forte na cultura estadunindense. Por polarizar: ou se é um winner, ou se é um loser. Mas também está presente na relação – pais e filhos – de outros países. A mãe de Nina a responsabilizava de que com o seu nascimento teve que abandonar a própria carreira aos 28 anos de idade. Algo que me fez lembrar da personagem principal de “Comer Rezar Amar“, onde às vésperas de completar 30 anos, ainda não se via como mãe. Para muitas das mulheres, atualmente, e que querem ser mãe, deixam para ter filhos após os 25 anos. Até para se dedicarem mais esse novo papel em suas vidas. Por conta disso me peguei a pensar de que a gravidez de Érica fora algo indesejado.

Não sei o quanto pesa na vida de uma mulher o fato de tentar conquistar a posição de 1ª Bailarina numa Grande Companhia de Balé. Desconheço os meandros. Sendo assim parto de supor de que alguém tendo 28 anos de idade se ainda não “aconteceu”, ficará difícil alcançar esse posto. Assim, não há desculpas convincentes para as cobranças da mãe de Nina. E a filha ao soltar as primeiras amarras, diz a mãe que ela sempre faria parte do corpo de balé, nada além disso.

O Lago dos Cisne, ou melhor os dois personagens principais – o Cisne Branco e o Negro – pediam por alguém jovem. Que se tiver condições, uma única bailarina faria os dois. Havia também o fato de que a Companhia passava por uma grande crise financeira. Dai, precisando de uma carinha nova; de sangue novo. Por conta disso aposentam a até então primeira bailarina: Beth. Grande atuação de Winona Ryder.

Nina admirava Beth. Aspirava ser perfeita como ela. Buscava pela perfeição em seus ensaios. Que não passou despercebido pelos olhos da Companhia, no caso, do Coreógrafo Thomas Leroy. Uau! Vincent Cassel me surpreendeu nesse papel. Foi brilhante! Não caiu em estereótipo. Seu coreógrafo não me levou a pensar em seus outros papéis. Pode até ser que essa atuação não seja o seu divisor de água, mas está de parabéns.

Thomas fora um Mentor diferente. Ciente da capacidade de Nina, faltava ingressá-la na Sedução o qual o Cisne Negro exigia. Nina já possuía a candura necessária para o Cisne Branco. Um jeito menina de ser. Lhe faltava descobrir a mulher fatal dentro de si e trazê-la à superfície. Bem, poderia apenas aflorar o poder de seduzir, mas a pressão do momento exigia muito mais.

Thomas faz isso de um jeito encantador. Fica meio difícil acreditar que um Pai, mesmo hoje em dia, daria o mesmo conselho. Dai o vi como um Mentor. Indo além, como um cara de bom caráter que sabe esperar que a jovem também o queira para uma relação íntima. Um cavalheiro à moda antiga. Mesmo que as verdadeiras intenções de Thomas eram fazer dela – de fato e de direito – a 1ª Bailarina da nova versão do Lago dos Cisnes.

Seu conselho foi para se masturbar. O primeiro passo para sentir os prazeres do próprio corpo. E então poder exteriorizar essas sensações até para ajudar no processo de sedução. Pois o Cisne Negro teria que ser bem provocante com a plateia. De modo a surpreender a todos com as duas formas de sedução em cada um dos Cisnes. O angelical, do Cisne Branco. O de mulher fatal, do Cisne Negro.

Com isso a me-Nina cresce. Fazendo uma revolução em sua vida. Que até poderia ter vindo como uma consequência natural de vida: infância -> adolescência -> maturidade… Mas tendo a mãe lhe pressionando a não crescer, talvez para que chegasse ao estrelado ainda com o frescor da adolescência. Essa mãe também deveria fazer uma Terapia.

Por estar sempre cobrando o seu nascimento me veio a impressão que ficou no subconsciente de Nina uma aversão a uma relação hétero. Nina passa isso quando um carinha em uma boate a leva para um cantinho. Com o Thomas não foi um desejo carnal, mas em aprender rápido o que ele queria na interpretação do Cisne Negro. Como se não bastassem as pressões: uma doença em evolução, a mãe, a posição de Primeira Bailarina, o sentimento de culpa pela “aposentadoria” da Beth, o querer ser perfeita na carreira, não conseguir se enturmar, o coreógrafo lhe cobrando numa mudança para então fazer também o Cisne Negro… Enfim, se não fosse tantas pressões, o próprio Thomas lhe traz mais uma: uma bailarina para ficar como substituta. Já que “o show não pode parar“… a Companhia precisava ter alguém à altura do espetáculo.

Ela é Lilly (Mila Kunis). Se Nina pudesse raciocinar com calma veria que ali dentro não teria concorrência. Nem Lilly lhe tiraria a vaga. Já que ela não trazia o porte elegante de Nina. Lilly pendia mais para a vulgaridade. Tinha talento sim, mas para se encaixar na disciplina do Balé Clássico, Lilly precisaria de muito treinamento.

Inocentemente, Nina busca em Lilly tudo aquilo que não consegue ser por si mesma. A carência por uma amizade a leva a se entregar de corpo e alma a Lilly. Onde realidade e fantasia se misturam em sua mente. Mas essa por sua vez cerca Nina de todos os modos. Esperando os momentos certos para atacar. A maldade em Lilly lhe era tão natural que cegava a visão de Nina. Não vendo que o que Lilly pretendia mesmo era destronar Nina. Ela só descobrirá já um pouco tarde.

Nina que antes tinha a lhe assombrar o Cisne Negro… direciona a sua limitação em aprender com essa nova amizade. Sem ter consciência da sua nova realidade, no caso, de ter uma outra personalidade, a faz também um objeto de desejo. Ao se masturbar, Lilly se materializa. Onde eu não vi como sendo a descoberta de uma homossexualidade. Era o seu outro “eu” querendo ser provocativa. Me fazendo lembrar de “Uma Mente Brilhante“, onde o “colega de quarto” do personagem principal, o Nash (Russel Crowe), também era o seu contraponto. Mas esse teve alguém que lhe amava e conseguiu ver a real situação do marido. Diferente de Nina que não teve ninguém que pensasse nela como uma pessoa, e que precisava de ajuda. Só pensavam neles. Quando a então notaram… já era tarde demais.

Cisne Negro” também aborda uma outra mudança atual. Até um tempo atrás era muito comum ver menininhas em uniforme de Balé. Fazia parte do sonho infantil: ser bailarina. Até as com tendências a engordarem eram encorajadas numa tentativa em mudarem seus hábitos alimentares. Além disso, elas também ganhavam as primeiras noções dos Clássicos: Música e Dança. Eu não sei se a intenção do Diretor era em mostrar o total desconhecimento dos Clássicos pelos jovens de hoje. Muitos dos quais buscam em serem Celebridades sem o menor esforço, e com muito menos estudos. Um pouco de Cultura não faz mal a ninguém. Aronofsky leva isso nos dois jovens que Nina e Lilly conhecem na boate. Ambos sequer tinham ouvido falar do “Lago dos Cisnes”.

E qual teria sido a pressão maior a essa me-Nina?

Para mim a grande vilã dessa história foi a mãe de Nina. Que a conduziu até a borda daquele precipício. Final emocionante. Para ficar na História do Cinema.

Ao fechar as cortinas…

Bravo Natalie Portman! Sua Nina entrou para a Lista das Grandes Personagens Femininas! Aplausos também a todos! Desse excelente filme.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

O Lutador (The Wrestler)

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Esse filme mostra que o clichê ainda tem espaço nesse ringue cinematográfico.  Randy “The Ram” é um lutador peso-pesado que se vê tendo de largar o ringue por um problema cardíaco e tendo de lutar por sua sobrevivência, pelo amor de sua filha abandonada e pelo amor da mulher que ele deseja.

The Ram é um peso-pesado sensível que sente o peso da idade nas costas e  uma tremenda dificuldade em ser nocauteado pelo passar do tempo, pela “velhice”.  Qualquer vivente passa por isso, uns sentem mais, outros sentem menos. Me parece que o “acerto de contas” com a vida é reservada para aqueles que sentem-se perto de sua partida.

Esse clichê foi bem massageado nessa luta de Randy quando este decide acertar-se com sua filha abandonada. Começa até bem, abre o jogo sem rodeios, percebe seus furos, seus erros, mas… é… sempre tem um mas e isso não ficou de fora do filme.

O que mais me co-moveu para um pensamento pós-filme foi perceber que Randy não sabia lutar – um lutador que não sabe brigar! Não soube lutar por sua sobrevivência profissional, por sua família, por nada!

Claro que nessa briga diária por oxigênio somos postos frente-a-frente com escolhas nem sempre justas, nem sempre aprazíveis, mas não se pode ter tudo.

Enquanto Randy está no passado, naquele em que ele é jovem, gosta de Guns n’ Roses (banda de rock de 1980), em plena forma, a Cassidy (Stripper) que é a única que se sintoniza com ele, está com a cabeça voltada para o futuro. Quer mudanças em sua vida, quer mudar de cidade, de emprego. Um no passado, outra no futuro… o presente foi deixado pra trás por ambos, pois um não quis abandonar o passado e seguir pro futuro, e a outra não quis permanecer na mesma. Ou seja, mais dores…

Me indigna a escolha de The Ram no final, mas ao mesmo tempo penso: que outra escolha ele tinha? Nós, do lado de cá da tela, vendo a situação de fora, conseguimos perceber que ele tinha mais escolhas, mas quem está no olho do furacão cede seus olhos pro tornado…

O Lutador (The Wrestler)/2008. Direção: Darren Aronofsky. EUA – França.

Por: Deusa Circe.

O Lutador (The Wrestler. 2008). Cicatrizes que Revelam

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Alguns personagens precisam ir até o inferno para dizer quem realmente são. Podem gostar ou não, e, quase sempre, necessitam disso como parte de suas vidas, algo inevitável para o curso do drama e para provarem suas existências. Também, um sinal de autodestruição.

Quem duvidar basta assistir Touro Indomável, de Scorsese, naquela maravilhosa seqüência em que Jake La Motta pede para ser derrotado, sedento pelo sangue de seu próprio corpo, em um processo de penitência. É assim com Randy “Carneiro” Robinson, interpretado de forma esplêndida por Mickey Rourke. Sua autoprovação é sentir-se parte de seu meio, o que, sem segredos e reviravoltas, o texto de Robert D. Siegel faz com extrema competência e exatidão.

Ser um dos melhores dramas de 2008 ainda é pouco para esse filme de Darren Aronofsky – ou suficiente para alguém que sacudiu antes a indústria com o cult Réquiem para um Sonho, seu trabalho até então mais festejado. Aqui, o cineasta resgata Rourke em seu melhor momento – como fizera com Ellen Burstyn em Réquiem – para mostrar que as fissuras em sua alma ainda estão escancaradas e, ao pedir ao ator que interprete a si próprio, Aronofsky consegue fazer dessas fissuras algo insuportável, o sustento do drama.

Aos poucos, o público percebe que os problemas de Randy estão ligados à estrutura do ator e isso, mesmo que emite certa crítica devido à falta de densidade e provação, pois o ator é apenas ele mesmo, ainda desmistifica a figura do falso perdedor, escondido por detrás de seus músculos e de sua glória nutrida por um esporte que, na verdade, é uma grande mentira. Nesse meio sujo, Aronofsky consegue a saída para explicar os problemas de seu personagem; não é só ele que mudou com o tempo, mas a vontade das pessoas em festejar certas coisas e ainda sair de suas casas para ver um show de mentira.

O espetáculo, mesmo fortemente enraizado na cultura americana, precisa de novidades, fortalecer-se, e, em tempos onde a procura por realidade parece necessária, a decadência de Randy casa-se a seu emprego inglório. É essa junção de coisas, e não só o personagem isolado, que faz de O Lutador um filme sobre perdedores.

Comovente, como não poderia deixar de ser, seu equilíbrio deve-se ao talento do diretor. Ao optar por filmar Rourke ora à distância ora muito próximo, Aronofsky consegue fazer sua figura nunca parecer demasiada pesada ou falsa. Assim fez Scorsese em um dos momentos chaves de Touro Indomável, quando La Motta reencontra o irmão e, mesmo sem jeito e ciente de todas as suas besteiras, tenta abraçá-lo, mostrar qualquer sinal de vida tão necessário para um momento como aquele.

Randy, mesmo preso às cordas do ringue, é um homem bom fora delas. Freqüentemente faz algumas besteiras, outras, quase sempre; em uma cena muito difícil, é possível observá-lo aplicando anabolizante em seu glúteo esquerdo. A cada luta, mantém um clima de esperança, e é fácil observar, mesmo em sofrimento, sua satisfação em meio à incapacidade de lidar com tudo o que o circunda. Fora do ringue, a vida de Randy revela-se tão medíocre quanto dentro dele; a diferença é que dentro é possível ao mínimo ser alguém, eclipsado, claro, por um personagem à frente do homem e cuja interpretação faz dele algo importante por alguns minutos; fora daquele ringue, Randy está fadado a fazer besteiras, incontrolável, não como um carneiro, mas como um touro manso que, às vezes, tem seus momentos de loucura.

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Proibido de lutar, segundo orientações médicas e depois de um ataque cardíaco, o esportista tenta arrumar um emprego, fixar-se como o homem comum que inevitavelmente escapou de ser. À procura de sua filha, deixa vazar ainda a pouca esperança que seu público tinha por ele: quando mostra que seu lado incontrolável nada pode fazer pela garota que somente em poucos momentos aceitou ser sua filha.

O filme existe, sem dúvida, graças ao potencial e coragem de Rourke em aceitar fazê-lo, de expor sua vida. Ele concede grande força em sua interpretação ou faz sem esforços? Difícil imaginar os limites entre uma coisa e outra; quase em terceiro plano, o ringue exerce outro estado de vida, como se ali ainda fosse uma terceira pessoa – e a diferença, de novo, é que em cima dele todos sabem que ele está interpretando.

Ainda mais, o filme não teria existido sem Aronofsky, o homem que sabe aproveitar o silêncio de Rourke melhor que sua raiva, assim como deixá-lo à vontade em seu convincente estado interior, num furgão antigo e sem dinheiro para pagar o aluguel de sua moradia. Quando algumas crianças ousam perturbá-lo, ele sai raivoso, a ponto de a brincadeira mesclar-se a sua maneira selvagem de se expressar. Em outro momento, ele chama um garoto para jogar videogame; o jogo em questão é o de luta-livre, o suficiente para não empolgar o menino.

O roteiro trata dessa dualidade entre infância e amadurecimento tardio, sobre como o espetáculo pode conduzir o homem a uma maneira desagradável de ser, como se a vida não pudesse ser levada a sério ou, apenas, devesse ser vivida em seu limite, com drogas, álcool e violência. E as mulheres? Uma conseqüência inevitável, papel que cabe à Marisa Tomei, como a prostituta Cassidy.

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A relação do casal é de inaceitação, principalmente por parte dela. Ao ter início, O Lutador mostra o personagem principal ciente de sua pobreza, capaz de aceitar suas falhas; o fato é confirmado ao decidir se aposentar, depois de problemas de saúde. Já Cassidy, tão viva e jovial quanto a filha de Randy (interpretada por Evan Rachel Wood), julga necessária, no início, a distância do homem que vai ao bordel cortejá-la. Na verdade, ela sabe que é semelhante a ele, vítima da idade e, por isso mesmo, não mais atrativa aos homens como antes. Em sua primeira aparição – seqüência que faz lembrar outra, do ótimo Despedida em Las Vegas, quando a prostituta é abusada por alguns garotos em busca de emoções –, Cassidy esforça-se para ganhar alguns trocados, afunda-se numa humilhação sem fim.

Como Randy, tal humilhação cria cicatrizes piores que aquelas carregadas no corpo. E há, como já citado, o peso da idade, sem que isso seja assumido ou, ao menos, discutido. Aronofsky celebra esse silêncio para depois fazer a emoção vazar quando seus personagens decidem tomar outros rumos. Assim como o filme de Scorsese de 1980, a beleza ocupa a tela para mostrar o desespero, seja o homem em uma prisão, esmurrando as paredes, ou mesmo dentro de seu fracasso ao tentar ser outra pessoa, descontando sua raiva numa máquina para cortar frios em um supermercado. Estes lutadores, de maneiras diferentes, expressam-se pela raiva, pelo instinto.

Aronofsky saiu dos trilhos alguns anos depois de Réquiem, em A Fonte da Vida. Foi quase uma megalomania à parte tentar embutir tantas situações numa mistura que, na tela, por pouco não funcionou. O filme termina por não agradar, quase como um exercício chato de existencialismo e vida após a morte. De fato menor, O Lutador consegue, na insignificância de seu personagem, algo mais sólido, tornando-se o melhor momento da carreira desse diretor. Entrega a Rourke, igualmente, o papel de sua vida, como se fosse o inverso de Sylvester Stallone em Rocky – Um Lutador, apontado, assim como Rourke, como um “novo Marlon Brando” no início de sua carreira.

E o inverso revela-se mais tarde, no retorno do ator que começou sua escalada em uma ponta em Corpos Ardentes, tornou-se uma aberração (graças aos excessos) e que hoje parece ter dado a volta por cima. Difícil acreditar que Stallone consiga alto semelhante. “Como Teddy, um incendiário profissional, Mickey Rourke quase nos faz sentir que estamos num filme de verdade”, dizia Pauline Kael em uma crítica sobre Corpos Ardentes, de 1981. Não é por acaso que Randy, em alguns flertes a Cassidy, elogia tanto os anos 80 e despreze os 90. Fica mais bem explicado nas marcas presentes no corpo de Rourke.

Por: Rafa Amaral.  Blog:  Cinema Sem Tempo.

O Lutador (The Wrestler). 2008. EUA. Direção: Darren Aronofsky. Elenco: Mickey Rourke (Randy “Carneiro” Robinson), Marisa Tomei (Cassidy), Evan Rachel Wood (Stephanie Robinson), Mark Margolis (Lenny), Todd Barry (Wayne), Wass Stevens (Nick Volpe), Judah Friedlander (Scott Brumberg), Ernest Miller (Aiatolá), Tommy Farra (Tommy Rotten), Mike Miller (Lex Lethal), John D’Leo (Adam), Ron Killings (Ron Killings), Dylan Keith Summers. Gênero: Drama, Esporte. Duração: 115 minutos.

Réquiem para um Sonho (Requiem for a Dream. 2000)

requiem-for-a-dreamCreditar às drogas saídas para as suas frustrações. Tem quem acredite nisso.

Me senti mal após o filme. Custei mesmo a dormir. Não lembro no momento de um outro final de filme que me deixou assim tão “pesada”. (Não encontro outra palavra para traduzir essa sensação.) Para quem não conhece, ele aborda as drogas. Mas de um jeito tão real, que choca. E sem desmerecer em nenhum momento a inteligência de quem assiste. Porque não há pieguices, nem quer passar um aviso àqueles que entram nessa viagem de: “olha, é isso aí!”. Todos sabem. Confesso, que nunca entendi quem embarca nesse sonho. Poderia até por esse motivo ter ficado indiferente, mas não fiquei.

Entre os personagens principais, temos uma relação conflitante entre mãe e filho. Sara (Ellen Burstyn) parece que perdeu o bonde da história, ao ficar viúva. Não consegue impor limites ao seu filho (Jared Leto). Deixou-o ao léu. Enquanto passa a vida defronte a tv, sonhando com um dia de lá estar para mostrar a todos a sua fantasia: de que tem uma família feliz. É, de ilusão também se vive. Ou seria, de ilusão se sobrevive? Bem, se fosse apenas isso, de se projetar na tela da tv. Mas tem outros devaneios mais perigosos.

Harry, por sua vez, também sonha com o sucesso. Mas além de o querer rápido demais, o quer de maneira ilícita. Não estuda, nem trabalha e é viciado. Junto com o amigo Tyrone (Marlon Wayans) acreditam que podem ganhar muito dinheiro com as drogas? Mas como, se são grandes consumidores?

Uma quarta personagem nos faz lembrar de que de vez em quando em vez de serem notícias em colunas sociais, jovens de classe rica terminam por fazer parte das páginas policiais por se envolverem com marginais. O que será que vêem neles?

A dessa história ainda nos deixa mais incrédulos. Porque tem talento. Diferente do seu namorado que só sabe vampirizar os outros. Marion (Jenniffer Connelly) poderia ter seguido uma outra trilha. Ressentida por não receber o carinho, a atenção dos pais, procura por um outro colo, o de Harry. E por ele, conhece o inferno.

Todos parecem estar anestesiados para a vida. Vivendo fora do mundo real. E nem ao menos procuram fugir disso. Investem fundo nesse mundo ilusório. E pior, têm pressa.

A trilha musical é primorosa – dá o tom (tensão) perfeito nessa viagem. Essa tensão também é passada com os efeitos parecidos como videoclipe.

Sem esquecer que também o filme mostra as tais drogas lícitas. Com elas, o sonho de obter algo rapidamente. De se encaixar nos padrões estéticos. De acreditar e creditar nessas drogas suas angústias. As cenas com os médicos me deixaram pasma. Revoltou-me a desfaçatez com que prescrevem, como vendem uma ilusão da uma beleza estética num curto espaço de tempo.

No dicionário, requiem, latim, também significa repouso. Para quem assistir esse filme, está aí algo que não encontrará. Claro que, para quem embarca nessa viagem e no mundo real só o terá como num filme – numa ilusão; e sem limite de idade. Nota: 10.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Réquiem para um Sonho (Requiem for a Dream). 2000. EUA. Direção: Darren Aronofsky. Elenco: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans. Gênero: Crime, Drama. Duração: 102 minutos.