A Lição de “Guerra Mundial Z” (2013): Não Ter Repulsa ao Sofrimento.

Autor: Charles Alberto Resende.

Um vírus, semelhante ao da raiva, se espalha pelo mundo inteiro. As pessoas infectadas morrem e se transformam em zumbis, sensíveis a qualquer ruído, e loucas para morder e infectar outras pessoas.

Guerra Mundial Z” impressiona em seus efeitos especiais. Vemos milhares de zumbis se amontoando para vencer obstáculos, como se fossem água jorrando. Talvez por esse motivo, o filme deixa uma impressão de como é frágil a condição humana. Talvez a humanidade nunca seja ameaçada por uma “praga zumbi”, mas a forma como o homem interfere no equilíbrio da natureza pode produzir ameaças talvez tão mortais quanto ela. Recomendo que assistam primeiro ao filme, para que não se deparem com a explanação do final deste, o que poderia ser frustrante para alguns.

Von Franz (1992), em seu livro “Reflexos da alma”, que inclusive dá uma base histórica para a projeção – fenômeno em que as pessoas transferem para outras conteúdos de seu próprio inconsciente, tratando-as de acordo com estes – explana sobre a temática dos demônios e monstros que povoam mitos e outros contos da humanidade. Certos complexos autônomos do inconsciente podem conseguir força suficiente para aplacar o ego e possuir as pessoas. O “possuído” fica incapaz de ajudar a si próprio, pois os complexos desintegram a personalidade dirigindo-a a ações e pensamentos em torno de um único tema.

Essa unilateralidade particular do complexo autônomo aparece claramente representada no folclore e nos mitos de muitos povos, visto que os demônios têm quase sempre uma forma defeituosa ou parcialmente humana: os olhos ou o rosto no lugar errado (na barriga, nos órgãos genitais) ou em quantidade “errada” (Polifemo, que só tinha um olho, ou os seres maus de um olho ou três olhos nos contos dos irmãos Grimm). (VON FRANZ, 1992, p. 115). Então, ela conta um conto a título de ilustração:

Certo dia, dois irmãos caçando na floresta dão de cara com um grupo de pessoas festejando e bebendo. O irmão mais velho se sentiu atraído a participar, enquanto o mais novo se pôs de lado com medo, pois temia, e com razão, que se tratasse de um grupo de fantasmas, de espíritos de rãs metamorfoseadas em homens. Os irmãos pernoitaram numa cabana e dormiram na rede: o irmão mais velho, já bêbado, ficou com as pernas penduradas próximas ao fogo, e quando o mais jovem o avisou, ele gritou: ‘Akka, akka!’ [como faz uma rã, nota do editor do site], encolhendo imediatamente as pernas. Depois soltou-as de novo sobre o fogo e só então notou que os seus dois pés estavam carbonizados. Aí pegou uma faca, decepou os pés, arrancou as carnes e afinou o osso da perna, deixando-o como uma lança. Deitado na rede, ele espetava então os passarinhos que passavam. Ele não tirava os olhos do irmão e este, então, escapou às escondidas; o irmão doente corre atrás dele apoiando-se nas pontas dos ossos, e no caminho espetou com suas pernas feito lanças, uma corça pensando que era o irmão. O mais jovem voltou correndo para a tribo e avisou os outros. Eles atraíram o doente para fora da rede, cercaram-no e o mataram“. (VON FRANZ, 1992, p. 115-116).

Ora, a analogia com o filme é flagrante. No conto, o irmão mais velho adota como mania o ficar espetando os animais e as pessoas com as pernas decepadas, seu defeito adquirido. Ele perdera os pés, isto é, sua capacidade de estar em contato com a realidade. No filme, as pessoas morrem, mas continuam a “viver”, embora não como humanas, nem como animais, mas de forma estranhamente sobrenatural. Também não são mais deste mundo. Tudo o que sabem é morder as outras pessoas para contaminá-las. A analogia com certas manias recentes também é flagrante: o “curtir” do Facebook, as modas ultrarrápidas do consumo, as trocas por tecnologias mais atuais, enfim, o consumo pelo consumo. Simbolicamente, é pela boca que explícita e figuradamente mais “consumimos”, sejam alimentos, sejam outras pessoas, através da difamação, reduzindo os outros.

Porém, estranhamente, os zumbis não contaminam pessoas que já estão predispostas à morte, pessoas que estão contaminadas por qualquer doença que as predisponha à morte prematura. Em “História da arrogância”, Zoja (2000) explica como o homem contemporâneo é ansioso por conforto, e o quanto ele procura negar a morte, a doença, a feiura, usando, para isso, principalmente de métodos farmacêuticos. O homem procura afastar de si tudo o que lembra o aspecto do sofrimento relativa à existência humana. Ultimamente, sobressaem-se notícias de que certos cientistas estejam trabalhando à procura de uma panaceia, que contribuiria para a consecução da “vida eterna”. Entretanto, apesar disso, surgem novas doenças, novas guerras, novos tipos de comportamentos inconscientes destrutivos, entre eles, a drogadição. É como se a morte se impusesse de uma forma ou de outra, apesar de qualquer esforço em contrário. De volta à trama dos zumbis, a cura final se dá com a infecção das pessoas com uma espécie de soro que as contamina com algum tipo de doença, o que as faz aparentemente imperceptíveis aos “mortos-vivos”. Ironia: quando o ser humano abraça a morte e a doença, então os zumbis param de ataca-lo.

Não quero aqui fazer apologia à morte ou à doença, mas a mensagem do filme é clara ao afirmar que o remédio para o consumismo atual, seja na forma de dependência química, do consumismo desenfreado ou da insatisfação sem sentido, não é a repulsa ao sofrimento. Este deve ser aceito como condição natural do ser humano, e talvez mais necessário à vida e ao desenvolvimento do lado sentimental. Sem este, o homem não aprende a conviver com o outro, nem a viver consigo mesmo. Tal como já vivenciei várias vezes na prática psicoterápica, a fuga geralmente não é saudável, exceto enquanto o ego ainda não se encontra em condições de encarar de forma mais realista sua condição interna.

E isso talvez seja ainda mais uma pista para a situação do homem contemporâneo: seu desenvolvimento psíquico não está indo de encontro ao fortalecimento do ego, à sua maturidade, daí sua suscetibilidade, sua carência de sentido. Ele não é forte o suficiente para encarar a realidade da vida, sua dureza, sua crueza. Por outro lado, ele também está tendendo a abandonar, cada vez mais, o aspecto espiritual da vida, com a ajuda do qual podia lidar com as agruras do dia a dia. O médico está se transformando no sacerdote da alma, entendida aqui como uma espécie de fisiologia do corpo. E o filme denuncia isso através da vacina. Os personagens não atentam para a condição sobrenatural que os mortos-vivos personificam. Ela aponta para o lado espiritual. Os zumbis podem não mais atacar, mas continuam presentes no final. Procuram apenas incinerá-los, pois não há mais o que fazer, já que as pessoas foram reduzidas a mortos horríveis e animados. Qual será o próximo passo? Espero que não deixem de responder também a isso.

REFERÊNCIAS
Von Franz, Marie-Louise. Reflexos da alma. 1. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1992.
ZOJA, Luigi. História da arrogância. São Paulo: Axis Mundi, 2000.

O Caçador de Pipas (The Kite Runner. 2007)

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Quem somos nós nesse mundo complicado?” Frase do filme, mas que para mim traz um significado implícito, o de: “Não complica, a vida é curta!

Como eu li antes o livro, após ver o filme deixo uma sugestão a aqueles que ainda não o leram: que o façam depois. Vejam então o filme primeiro. E por que? Porque eu diria que o filme trouxe uma versão mais leve do livro. Pode ser que para atrair um público mais jovem. O que é válido! Não apenas pelo encantamento de pipas ao céu, até em mostrar um pouco de História real. Lembrando ainda que Marc Forster também dirigiu outra história emocionante: “Em Busca da Terra do Nunca“, de 2004.

Entrando no filme… Quatro personagens distintos se sobressaem nele. Quatro destinos ligados também por amizade. Em que parte dessa história dois deles ainda são crianças. E com os dois adultos além da amizade, o respeito os unia.

Quem nos conta a história é Amir Jam, e que faz um remember após um telefonema de um grande amigo de seu pai. Alguém que lhe dera o carinho que não recebera de seu pai. Ele lhe faz um pedido. Não tendo como recusar Amir parte para o Afeganistão governado por talibãs. Nm retorno ao passado que para ele já estava enterrado. E nessa viagem real uma outra em paralelo: a do seu pior pesadelo.

O que você fez de errado, não esqueça que era um menino, e que você era excessivamente duro consigo mesmo e continua sendo. Mas pense nisso: um homem que não tem consciência, que não tem bondade, não sofre.

Essas outras falas mostram um pouco da personalidade de cada um desses quatro personagens:

– Rahim Khan, o amigo do Pai; um segundo pai para Amir: “Crianças não são livros de colorir. Não pode preenchê-las com as suas cores favoritas. Ele não é como você. Nunca será como você.” (Falando com o pai de Amir.)

– O Pai (Homayoun Ershadi, de “Gosto da Cereja“): “Um garoto que não se levanta sozinho, torna-se um homem que não se levanta para nada.” Ou: “Quando se mente, está roubando de alguém o direito de saber a verdade.

– Amir: “Ele (o pai) me odeia porque a matei. Minha mãe.

– Hassan: “Confie em mim! Já menti para você? Prefiro comer sujeira. Mas me pediria para fazer uma coisa dessas?” Agora com essa fala – “Sim, mas por que não podia simplesmente cheirar uma cebola?” Pronto! A partir daí o pequeno Hassan nos conquista de vez.

Enfim mesmo sendo quase uma outra história, “O Caçador de Pipas” merece ser visto. Atuações brilhante! E uma lágrima teimou em cair no final quando Amir diz: “Por você eu faria isso mil vezes!

Nota: 09.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

O Caçador de Pipas (The Kite Runner). 2007. EUA. Direção: Marc Forster. Elenco: Saïd Taghmaoui, Shaun Toub, Atossa Leon, Khalid Abdalla, Navid Negahban, Homayon Ershadi, Kelcie Stranahan, Brian Vowell. Gênero: Drama, Aventura. Duração: 122 minutos. Classificação: 14 anos.