A Excêntrica Família de Antonia (1995). Renegados ou os que Celebram a Vida?

a-excentrica-familia-de-antonia_1995Por: Lucas S. Cavalcanti.
Conheci este filme através de estudos ideológicos na faculdade, um professor de filosofia apresentou como projeto aos alunos e adorei.

a-excentrica-familia-de-antonia_1995_01Lançado em 1995, A Excêntrica Família de Antonia, é uma comédia dramática dirigida pela holandesa Marleen Gorris. Conta a história da protagonista 40 anos após a Segunda Guerra Mundial, quando ela retorna pra vila onde morou mais jovem, junto com sua filha Danielle e sem marido. Com a morte de sua mãe, Antonia fica com a casa e a partir disto temos o desenrolar da história. Você pode até pensar “Nossa, que bosta!” mas conforme a trama vai passando, fica mais interessante.

Como diz o próprio título, a matriarca acolhe no decorrer várias pessoas renegadas da vila, com características excêntricas, peculiares. Um exemplo é o caso do padre que estava cansado da vida religiosa e decide largar o cargo, e assim é recolhido para morar em sua casa. Outros personagens são incluídos no desenrolar, e Danielle tem sua filha Thérèse de modo não muito convencional até por ser homossexual, e assim vai crescendo a família.

Acredito que o mais interessante do filme seja mostrar um grupo familiar não necessariamente formado por laços sanguíneos, mas sim por compaixão, caridade, amor e talvez por identificação. Uma crítica aos dias atuais, onde muitos acreditam na formula perfeita de família sendo: PAI+MÃE+FILHO. Errado! Sou gay, e futuramente pretendo criar a minha juntamente com meu namorado e adotar uma criança. #AceitaPorQueDóiMenos.

a-excentrica-familia-de-antonia_1995_02Outra característica presente é o fato das mulheres não necessitarem de homem para praticamente nada, eles estão ali somente para sexo, reprodução e são retratados como figuras feias, fúteis e caricatos. Talvez promova um discurso contra aos homens, fazendo com que feminismo seja sinônimo de ódio à figura masculina, não que seja.

Mas se você ver o filme verá que não trata somente disso, possui uma ótima história com altas criticas e tabus, com seus toques de humor que te fazem pensar, coisa rara no atual mundo cinematográfico. Caso queira ver, está disponível no YouTube legendado, a imagem não é muito boa mas é curtinho então dá pra ver sem sofrer.

A Excêntrica Família de Antonia (1995).
Ficha Técnica: na página no IMDb.

Trem Noturno para Lisboa (Night Train to Lisbon. 2013)

trem-noturno-para-lisboa_2013trem-noturno-para-lisboa_2013_04Pensamento e ação unos. Assim eram os antigos romanos…

Sou apenas uma admiradora do legado de Jung. Com isso, é muito mais uma visão leiga do pensamento junguiano. Digo isso porque creio que esse filme é um belo exemplo de um de seus estudos. Já que ele traz uma sucessão de eventos cujo final trouxera significado para alguém. Eventos esses que de repente levou um certo professor a sair de sua rotina… Que levaria o nome de sincronicidade. Parece até que o primeiro sinal viera com a caixa de chá vazia. Um simples esquecimento bem casual a muitos, fez com que ele buscasse por uma solução bem fora do comum. O alerta mesmo que diminuto, já deixara o cérebro processando…

trem-noturno-para-lisboa_2013_01O verdadeiro cenógrafo da vida é o acaso, um cenógrafo repleto de crueldade, de compaixão, de fascinante encanto“.

Mas teria sido o acaso que levou aquele professor a passar naquela ponte justo a tempo de salvar aquela jovem de tentar se jogar lá do alto? Mais! Teria sido levado apenas por um impulso que o levou a fazer tudo mais a partir desse episódio? Fora de fato um sinal do destino? Essas são só algumas das reflexões que deixa desde o início e até mesmo pela conclusão de “Trem Noturno para Lisboa“.

As horas decisivas da vida, quando a direção dela muda para sempre, nem sempre são marcados por dramatismos ruidosos. Aliás, os momentos dramáticos das experiências que a alteram são frequentemente muitíssimo discretos. Quando exibem os seus efeitos revolucionários e se certificam que a vida é mostrada a uma nova luz, e fazem silenciosamente. E é nesse maravilhoso silêncio que está sua especial nobreza“.

trem-noturno-para-lisboa_2013_06Uma chuva… um pequeno atraso… eis que avista a jovem já de pé na amurada… corre… a pasta se abre espalhando os trabalhos de seus alunos… o guarda-chuva sai voando até o rio… mas ele então consegue salvá-la a tempo! A jovem em choque, talvez nem acreditando que tomara tal decisão, encontra nele um amparo imediato. Uma segurança para que pudesse concatenar seus próprios pensamentos. Daí segue-o até a sala de aula. Lá, até causa espanto aos alunos vê-lo com a jovem. Tentando não perder o foco, ele dá início a aula.

Deixamos algo de nós para trás ao deixar um lugar. Permanecemos lá, apesar de termos partido. E há coisas em nós que só reencontraremos ao voltar. Viajamos ao nosso encontro quando vamos a um lugar onde vivemos parte de nossa vida por mais breve que tenha sido.”

trem-noturno-para-lisboa_2013_03Passado um tempo, talvez já refeita do susto, ou nem tanto assim já que ao ir embora, a jovem esquece o casaco. Ele ainda tenta alcançá-la, mas ela se foi. Então, vasculhando os bolsos do mesmo, encontra um livro com o carimbo de uma livraria conhecida. Segue para lá, deixando seus alunos sozinhos. Causando espanto até no Diretor do Colégio… Bem, se aquele dia já o fizera sair de sua rotina… Era então seguir pela noite adentro. Que foi o que fez! Pois encontrando uma passagem de trem para Lisboa, e na tentativa de encontrar a tal jovem na estação… ela não estando lá… ele então embarca… E de Berna, Suíça, até Lisboa ele aproveita para ler o tal livro, cujo titulo era “Um Ourives das Palavras“. Apontamentos num diário de um jovem médico em constante ebulição com tudo que o cercava.

trem-noturno-para-lisboa_2013_07Quando a ditadura é um fato, a revolução é um dever“.

Para alguém já acostumado a dormir pouco, passar uma noite lendo seria tranquilo. Talvez até pegasse o trem de volta… Mas a história do livro lhe tocou tão profundamente que resolveu ficar em Lisboa e tentar conhecer os personagens daquele livro de memórias. Pelo menos parte deles que pelo contexto vivenciaram uma parte importante da história daquele país e culminando com a Revolução dos Cravos…

Se descer sobre nós a certeza de que essa plenitude nunca será concretizada, subitamente deixamos de saber viver o tempo que já não pode fazer parte da nossa vida“.

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Embarquemos junto com Jeremy Irons nessa comovente viagem com o seu Professor Raimund Gregorius. Que quase vira um menino levado até pela curiosidade, mas muito mais com o coração aberto que acaba descobrindo também mais de si próprio. Nem precisa dizer que ele está esplêndido! Aliás, o filme também conta com um time de primeira: Mélanie Laurent, Bruno Ganz, Lena Olin, Christopher Lee, Charlotte Rampling… Mesmo tendo como pano de fundo uma História real de Portugal – Ditadura de Salazar -, o Diretor Bille August deixa tudo fluir com um timing preciso entre passado e presente. Como nos versos do tal livro. Deixando até a vontade de ler o livro de Pascal Mercier o qual o filme foi inspirado. Filme para ver e rever! Cujo único senão foi que também deveria ter falas em português. Mesmo assim… Nota 10!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Trem Noturno para Lisboa (Night Train to Lisbon. 2013).
Ficha Técnica: na página no IMDb.

A Vida de David Gale (The Life of David Gale. 2003)

kevin-spacey_a-vida-de-david-galeQuanto vale lutar por um ideal? Dinheiro? Felicidade? Relações? Vida? Vale por a vida em jogo por um ideal? Fico tentada a dizer que não, pois uma verdade não vale uma fogueira, mas quando esse ideal é sinônimo de uma vida inteira, querendo ou não, não tem preço.

Gale (Kevin Spacey), professor de Filosofia e nessa imagem acima – uma das primeiras cenas – ele ministra sobre O objeto pequeno a Lacaniano, maravilhoso. O objeto pequeno a lacaniano é o Objeto Causa de Desejo que faz parte da fórmula da Fantasia. Assunto extenso e complexo, mas acho brilhante o filme ter seu início pautado no Desejo… Ideal está para e desde sempre na ordem do Ideal…

A luta idealística e idealizada de Gale e sua amiga Constance (Laura Linney) é a abolição da Pena de Morte.

Eu não sei se sou contra ou a favor dessa pena, pois cada caso é um caso e não se pode generalizar. Vejo que o Judiciário ficaria mais moroso ainda se as leis fossem individuais, o que definitivamente não procede. Ao mesmo tempo, existem casos de patologia psíquica que não há cura, como por exemplo, os Psicopatas.

Manter Psicopatas na prisão é um custo sem retorno para o Estado. Mas isso significa que eles não merecem viver? Hoje estou boazinha rsrsrs, e acho que até mesmo os mais perversos assassinos merecem a vida, nem que seja punitiva, mas merecem viver. Mas por esse pensamento, não ponho minha vida em jogo. David e Constance colocaram…

Por: Deusa Circe.

A Vida de David Gale – The Life of David Gale

Direção: Alan Parker

Gênero: Drama, Suspense

EUA – 2003

As Horas (2002). Uma Leitura Através da Filosofia de Martin Heiddeger

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As Horas” é um romance escrito em 1998 por Michael Cunningham e que lhe rendeu, no ano seguinte, o prêmio Pullitzer para a categoria ficção. Em 2002, sob direção de Stephen Daldry e atuações de Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep nosapéis principais e outros grandes nomes como John C. Reilly e Ed Harris como coadjuvantes, “As Horas” se tornou um dos grandes clássicos do cinema e traz consigo uma profunda reflexão em torno da angústia heideggeriana. Diferente do que acontece com frequência na transposição do livro para o cinema, “As Horas” é uma película formidável, que merece todos os tipos de elogios de seus telespectadores, contando com atuações espetaculares dos atores e atrizes que compõe o time, que traz a essência do livro com toda a perfeição e fidelidade necessária para a realização de uma grande obra cinematográfica.

O livro conta um dia de três mulheres em períodos distintos, entrelaçadas por um elo em comum: o romance “Mrs. Dalloway”. Durante o decorrer deste dia, iremos observar os contrastes e as imensas semelhanças na vida destas três mulheres, que compartilham o principal objeto de estudo para a realização deste texto: a angústia. A primeira cena do filme, que funciona como prelúdio, é uma descrição dos últimos momentos da vida da escritora britânica Virginia Woolf (25/01/1882 – 28/03/1941 – interpretada por Nicole Kidman), e reconta a história de seu suícidio, o que de fato aconteceu, derivado das constantes crises depressivas e acontecimentos que agravam o seu estado existencial, como a destruição de sua residência em Londres , durante o bombardeio realizado pela Força Aérea alemã durante a 2º Guerra Mundial.

Na manhã de 28 de Março de 1941, Virginia Woolf escreve dois bilhetes de despedida, um para sua irmã e outro para seu marido, Leonard Woolf, esclarecendo os motivos que lhe levaram a se suicidar. Escrita-se que estas sejam as ultimas palavras de Virginia para seu marido:
“Querido, Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que depositei em você toda minha felicidade. Você sempre foi paciente comigo e realmente bom. Eu queria dizer isto – todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos. V.”

A cena é retratada de forma magistral e exibe a nobre Virginia Wolf, escrevendo os bilhetes, abotoando os botões de seu roupão, fechando a porta de sua casa, caminhando por um bosque, colhendo pedras e colocando-as em seus bolsos e, finalmente, entrando num rio próximo a sua casa, paralelamente o seu marido entra em sua casa, encontra os dois bilhetes e os lê. Enquanto toda a cena se desenvolve, ouvimos a voz de Nicole Kidman dizendo os trechos do bilhete publicado acima. A cena é triste, porém muita bela e triunfante.

E é assim que se inicia “As Horas”, um filme sombrio e que nos leva de volta a nós mesmos, e nos faz refletir acerca de nossa existência.

Em 1923, observamos o dia de Virginia Woolf enquanto ela começa a escrever o romance “Mrs. Dalloway”, e planeja contar toda a história de uma mulher em um único dia. Paralelamente temos uma constante e sofrível luta de Virginia contra a sua própria loucura.

Em 1951 temos Laura Brown (interpretada por Julianne Moore), uma mulher que leva uma vida praticamente perfeita mas que sofre de um vazio sem explicação. O seu dia gira em torno dos preparativos para comemorar o aniversário do marido Dan Brown (interpretado por John C. Reilly), na leitura do livro “Mrs. Dalloway”, da autoria de Virginia Woolf, além de ficar evidente a sensação de se sentir estranha dentro de seu própria habitat. Laura está grávida e tem um filho de três anos de idade.

Em 2001, Clarissa Vaughan (interpretada por Meryl Streep) organiza uma festa para comemorar o prêmio literário que seu grande amigo Richard (interpretado por Ed Harris) – ex-namorado, homossexual, aidético e prestes a morrer – ganha por reconhecimento a um livro de sua autoria. A vida de Clarissa só tem sentido ao vivenciar a vida de Richard – que trata a amiga sempre por “Mrs. Dalloway” – a qual observamos a sua enorme angústia ao se deparar com o estado terminal de seu amigo, assim como as constantes tentativas de lhe proporcionar ânimo e alegria, até como forma de combater a sua própria angústia.

É notável o movimento a qual se desenrola toda a trama, sendo a ligação e os paralelos entre as três protagonistas que fazem de “As Horas” umas das grandes películas de nosso tempo. De tal forma, o livro não deve ser diferente. Apresentada a trama, vamos aproximar “As Horas” com algumas partes da filosofia heideggeriana. Primeiro é preciso retomar que, sendo a filosofia de Martin Heidegger uma filosofia muita abstrata, fica difícil entrar em consenso quanto a alguns significados, sendo a intuição o principal método utilizado para a compreensão da obra de Heidegger. Uma vez que possamos dizer que a angústia ôntica é aquela que tem origem no intra-mundano e que a angústia ontológica não tem origem e é causa de si mesma, representado apenas a dor e aflição de um nada sem explicação, estamos aptos a iniciar a reflexão.

A escritora britânica Virginia Woolf é vítima de fortes crises depressivas, têm consecutivos quadros de histeria e, consciente de seu estado mental, enfrenta diversas batalhas com a sua própria loucura até o momento que se sente incapaz de vencer sua doença e acaba cometendo suicidio. É evidente a angústia de Virginia, que está sempre a esperar que algo aconteça, e a ansiedade presente em cada hora de seu dia, onde é difícil conciliar os pensamentos com a realidade. Embora tenha o constante apoio de seus familiares, Virginia sente que seu quadro é irreversível e para aliviar as dores de seus sentimentos, procura fugir o máximo possível de si e do mundo, como que para procurar algo sem saber exatamente o que.

Podemos nos basear analisando duas cenas onde a tentativa de fuga e a oscilação do pensamento: uma é quando Virginia decide ir à estação de trem de sua cidade e, após se encontrada por seu marido, pede para sair da região a qual habitam em troca de uma cidade mais movimentada. É a tentativa de Virginia para acreditar que o seu problema se encontra na vida a qual ela vive, e que a mesma não representa a sua própria vontade. Assim como Virginia, existe uma gama de pessoas que procurar exteriorizar os seus problemas e acaba procurando uma solução fora de si. São inúmeros os casos de pessoas que vivem angustiada e para acabar com este sentimento escolhem mudar de cidade, de carro, trocar o guarda-roupa, reformar uma casa, etc. No princípio, existe uma disposição para que as coisas melhorem, visto que a novidade faz que a nossa mente se distraia de forma mais acentuada, porém, conforme o passar do tempo, a novidade deixa de existir e você passa a se encontrar consigo mesmo, se reencontrando com a angústia e tendo a necessidade de se distrair novamente.

A outra cena é quando Virginia escreve, num estado profundo, o seu livro “Mrs. Dalloway” e observamos que a protagonista da história é um retrato vivo da própria Virginia sendo ela por si mesma, ou seja, sem influência alguma do mundo exterior ou da sua própria doença. É durante a escrita que Virginia vive a angústia ontológica, que permite que se encontre com o seu Dasein – que está sempre aberto para o ser – e ela pode “vir a ser o que se é”, sendo que ela passar a existir até o momento em que ela para de escrever e se reencontra com sua vida. Heidegger diria que esta é uma vida inautêntica, pois sua angústia, que ele classificaria como ôntica, tem origem no intra-mundana, ou seja, tem causa no mundo exterior.

Neste caso, a origem é patológica, proveniente de uma doença como a depressão. Além disto Virginia está sempre a fugir de si mesma, tanto é que opta pelo suicídio para acabar com o seu sofrimento e o sofrimento de seus próximos, numa atitude de não aceitação. Esta não aceitação é que faz com que Virginia, mesmo atingindo a angústia ontológica em diversos momentos, procure uma explicação – até como princípio de distração – para sua própria angústia e acabe migrando para o estado de angústia ôntica, que é onde podemos nos arriscar a contextualizar os suicidas, que utilizam da morte como distração para por fim à angústia.

Laura Brown acorda sozinha em sua cama. Seu olhar é absorto. Fica claro que ela se sente uma estranha. A única coisa que parece lhe interessar é o romance “Mrs. Dalloway” que está em seu criado-mudo. Ao levantar observa que o seu marido já está de pé e que prepara o café-da-manhã para eles. Ele diz que não quer incomoda-la, afinal ela está grávida. Ele está alegre, alias é o seu aniversário. Laura finge para ele e para o seu pequeno filho uma sensação de felicidade que não existe. Ele se despede e vai trabalhar. Laura Brown acredita que ela deve fazer algo para comemorar o aniversário do bondoso marido e decide forçosamente a fazer um bolo. Mas é difícil. Laura não se sente à vontade, não se sente bem com a sua vida. Ela está angustiada e sua angústia não tem origem em nenhum acontecimento interior ou exterior. Esta á a angústia ontológica. Laura Brown passa a existir para Heidegger. Algo pede para ela se entregar a esta angústia, contudo ela hesita, não sabe o por que, da mesma forma que ela também não sabe porque se sente assim. Todos seus movimentos são incertos. Laura recebe a visita de uma antiga amiga e num momento acaba lhe beijando a boca, o que deixa o ambiente difícil e pesado, e faz com que sua amiga vá embora.

Nesta ultima cena podemos dizer que a amiga que Laura Brown procurava atender a necessidade de dar vida a esse apelo da vida causada por sua angústia ontológica, que pede insistentemente para fazer algo mas sem dizer o que é este algo, não obstante também podemos dizer que Laura Brown fez algo que sempre quis fazer, e estava no processo de humanização quando decidiu trocar sua vida inautêntica por uma vida autêntica, onde ela pudesse realmente fazer aquilo que seu ser sempre reclamou.

Posteriormente Laura Brown pega o bolo que estava preparando para o seu marido e o destrói. O fato dela preparar o bolo era algo que estava presente em uma vida que não era sua e neste processo de humanização não fazia sentido algum continuar com aquilo.

Ao continuar a leitura de “Mrs. Dalloway”, Laura Brown planeja o seu próprio fim, visto que ela não enxerga uma saída para se livrar de seu estado de sofrimento. Ela pega o seu filho Richie, leva para uma vizinha cuidar e se dirige à um hotel, onde retoma a leitura de seu livro. Durante todo o decorrer do dia de Laura Brown também é interessante analisar um personagem que também é vítima de uma angústia, embora seja ôntica, e sofre tanto quanto os demais personagens: é o pequeno Richie, que percebe o quanto a sua mãe sofre e sente a inutilidade em não poder fazer nada para alterar este quadro. Ele acompanha cada momento do dia de sua mãe e percebe o quanto ela é infeliz. Ele percebe inclusive o momento em que ela deseja se matar, o que é retratado com o seu desespero ao ser deixado na casa da vizinha enquanto a sua mãe se dirige ao hotel. Contudo a sua angústia tem origem no sofrimento de sua mãe. Richie vive uma vida inautêntica por isto.

Após terminar a leitura de “Mrs. Dalloway”, Laura Brown decide não mais se matar. Ela retorna a casa da vizinha para pegar Richie, prepara o bolo do marido e depois observamos a comemoração do aniversário em família. Porém o olhar de seu filho deixa claro que Laura Brown ainda continua num estado que o preocupa. É claro que, até então, podemos concluir que a leitura de “Mrs. Dalloway” no hotel teve um efeito decisivo na vida de Laura, embora só no final do filme iremos descobrir o porque, mas o que podemos dizer já é que o livro proporcionou que Laura se encontrasse com o seu Dasein e permanecesse a viver não mais em estado de dúvida, porém existisse em estado consciente e controlado. A partir daquela experiência ela tomou parte de sua vida e passou a controlar todos os acontecimentos posteriores. Ela passou a se conhecer. Clarissa Vaughan está animada. Seu melhor amigo, Richard, acaba de ganhar um prêmio em relação a um romance que escreveu. Ela organiza a festa que fará em homenagem à ele.

Alias, Clarissa é especialista em dar festas. Homossexual, observamos que Clarissa também se como simular a alegria e a felicidade, sempre na tentativa de quebrar a solidão, tanto a sua como a dos outros. Porém fica claro que ela também não se sente confortável com sua própria vida. Ao se encontrar com o deprimente Richard, em estado sofrível e prestes a morrer, Clarissa tenta animar o Richard com a sua própria festa, porém ele não vê motivos para euforia. Não é a festa que vai deixá-lo bem, não é a festa que irá amenizar a sua angústia ôntica, que tem origem na sua expectativa de morte e no percurso de sua má sucedida vida. Richard ironiza Clarissa dizendo algo como “Mrs. Dalloway dando festas para quebrar o silêncio”. Esta é uma tentativa de Richard de dizer para deixar o que está como está, que não vale a pena mascarar a verdade, para ela parar de ficar simulando a vida e ficar fugindo de si mesma. Richard sabe que irá morrer. Ele não gosta de si e não gosta das pessoas, com exceção de Clarissa.

Clarissa sofre ao ver o amigo sofrer, a sua angústia é ôntica e tem origem no sacarmo e na antivida de Richard. Ela afirma que só é feliz na presença do amigo. Clarissa vive uma vida inautêntica, vive uma vida que não é sua. Para Heidegger, ela não existe. Ela não atende o chamado de seu Dasein. Ela prefere espantar tudo com flores e festas. Ela prefere tapar os ouvidos ao invés de escutar o seu ser. Naquela tarde, numa das visitas de Clarissa para definir detalhes da festa, Richard resolve se suicidar ao se atirar pela janela de seu apartamento. Clarissa observa tudo e se sente inútil, pois ela sempre teve a certeza de que poderia fazer algo que deixasse o seu amigo feliz. Ela se sentia assim justamente porque não vivia a sua vida. Então surge a apoteose da obra: durante o funeral, todos os participantes ficam chocados ao saber da visita da mãe de Richard. Clarissa sabe que a mãe de Richard abandonou ele e a sua irmã, assim que ela nasceu, e nunca mais deu notícias. Esta era a maior mágoa de Richard.

Sua mãe não é nada mais nada menos do que Laura Brown e descobrimos que Richard é o pequeno Richie que viu de perto toda a angústia de sua mãe. Laura explica que havia algo dentro de si que lhe dizia que aquele não era o seu lugar e que lhe clamava por vida. Ela havia decidido se matar numa tarde em que ela se hospedou num hotel. Porém ela havia decidido que não faria isto naquele momento e planejou todo o seu futuro: assim que ela tivesse o bebê, iria abandonar toda aquela vida ilusória (inautêntica) e passaria a viver (existir) da forma que realmente gostaria. Ela prometeu a si mesma que não iria se arrepender e que não iria olhar para trás. Ela disse á todos que havia escolhido viver. Ela diz isto serena, confiante, e com o olhar mais leve do que a Laura que observamos antes.

Heidegger diz que a felicidade não é possível como um sentimento simulado quando você decide viver uma vida autêntica, aquela felicidade proveniente de um sentimento de distração e de apego, mas diz que surge um sentimento de libertação, de conhecimento e um certo orgulho que nos faça crescer de tal maneira que poderemos dizer qual é o mundo que não queremos viver. E é este sentimento que encontramos na fala de Laura Brown ao relatar a sua experiência. Ninguém está mais apto a lhe julgar, e sentimos uma certa comoção geral.

A lição que fica desta cena é que não há vida ao se agradar somente os outros. Laura poderia viver uma vida dedicada aos filhos e ao seu marido, mas não é o que ela queria, então por que deveria ser assim? Por qual motivo ela deveria deixar de fazer aquilo que o seu ser ansiava? Quando passamos a viver uma vida que não é nossa apenas para agradar os outros, quando é que alguém passará a viver a sua própria vida de forma autêntica? Quando é que a vida passará a existir? Quando é que viveremos? Ao término do filme, observamos novamente a cena em que Virginia Woolf caminha adentro ao rio e comete o suícidio que entrou para a história como o fim da escritora. O dia termina. É o fim de “As Horas”. É por todos os argumentos citados neste texto que vale destacar “As Horas” como uma oportunidade de releitura da obra de Martin Heidegger, justamente por encontrarmos ingredientes que fazem parte da filosofia do último grande filósofo de nosso tempo. E que esta obra nos sirva para refletirmos durante todos os momentos de nossa vida.

Por: Evandro Venancio. Blog: EvAnDrO vEnAnCiO.

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0274558/
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=he8cR7skklA

As Horas (The Hours). 2002. EUA. Direção: Stephen Daldry. Roteiro: David Hare. Nicole Kidman, Juliane Moore, Meryil Streep, Stephen Dillane, Miranda Richardson, George Loftus, Charley Ramm, Sophie Wyburd, Lyndsey Marshal, Linda Bassett, Christian Coulson, Michael Culkin, John C. Reilly, Jack Rovello, Toni Collette, Ed Harris. Baseado no livro de Michael Cunningham.

Quando Nietzsche Chorou (When Nietzsche Wept)

Baseado no romance de estréia de Irvin Yalom, o filme com mesmo título, conta a história de um encontro fictício entre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche e o Médico Josef Breuer, professor de Sigmund Freud.

Esse encontro se dá graças à insistência perssuasiva de Lou Salomé (Katheryn Winnick) que foi a grande paixão e obsessão de Nietzsche (Armand Assante). Ela pede que o Dr. Breuer (Ben Cross) o trate com a controversa técnica da “terapia através da fala”.

Quando o Médico se vê diante do filósofo, percebe a inteligência e brilhantismo de seu suposto paciente, e impressionado resolve então propor um tratamento de duas vias. Ele trata Nietzsche enquanto este trata dele mesmo, pois o próprio médico também está sofrendo pela paixão por sua paciente chamada Anna O. (O Caso de Histeria). O Dr. Breuer tem ainda o auxílio do seu pupilo Dr. Freud (Jamie Elman).

O resultado é um filme maravilhoso, que mistura filosofia e psicologia, obsessões, medos, e sonhos. De quebra ainda temos a trilha sonora com muita música clássica, com Wagner, Tchaikovsky, Bizet.

A cena inesquecível é quando Nietzsche rege, já delirante, uma Orquestra que toca As Valquírias, de seu não mais amigo, Richard Wagner.

Não li o livro mas os comentários dizem ser um romance excelente. Taí uma boa pedida: o filme, o livro ou ambos. A única opção ruim seria não mergulhar nesse romance inteligente.

Por: Thaís Gischkow.

Quando Nietzsche Chorou (When Nietzsche Wept). 2006. EUA. Direção e Roteiro: Pinchas Perry. Elenco: Armand Assante, Katheryn Winnick, Ben Cross, Jamie Elman, Andreas Beckett (Zarathustra), Ayana Haviv (Singer – ‘Hymnus an den leben’), Rachel O’Meara (Frau Becker), Joanna Pacula (Mathilda), Michal Yannai (Bertha). Gênero: Drama, Romance. Duração: 105 minutos.

Antes de Partir (The Bucket List. 2007)

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Assisti o filme motivada por esses dois atores: Jack Nicholson e Morgan Freeman. E eles não me decepcionaram. Mais até! Parece que pediram por uma história qualquer porque o que queriam mesmo era bater uma bolinha juntos. Bateram um bolão! Com o jeito irreverente do Jack e a elegância do Morgan – ganhamos nós com essa dupla.

História do filme? Ih! Vejamos… Como diria Hitchcock: “É melhor partir de um clichê do que acabar nele.” Temos aqui uma história… divertida: Jack faz um bilionário – Edward. Dono de uma rede de hospitais; e que por uma de suas imposições… fica internado junto com o personagem do Morgan – Carter. Um mecânico; alguém que batalhou muito para dar aos filhos algo que não pode dar para si: um diploma universitário. E que mesmo dividindo o mesmo quarto no hospital recebem tratamentos diferenciado.

Você gostaria de saber o dia da sua morte? E estando ciente, o que faria?

No passado, numa aula de filosofia, Carter fizera uma lista de coisas que faria antes de “bater com as botas“- daí o título original: The Bucket List. Então ao ficar ciente que tem poucos meses de vida lembra dessa lista e a refaz. Ao vê-la, Edward pergunta o que significa. Depois diz que falta emoção naqueles últimos desejos. E a reescreve. A princípio Carter reluta achando que seriam tidos como tolos. Mas Edward o convence. Afinal, ambos tinham pouco tempo de vida.

Com o dinheiro do Edward embarcam numa viagem pelo mundo. Aproveitando os prazeres que o dinheiro pode oferecer. Entre conversas e discussões, a amizade entre eles cresce mesmo tendo temperamentos diferentes. Um ajuda o outro nesses últimos meses. Até em se descobrirem por inteiro.

Como na música, “É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte.” Embarcamos com eles nessa despedida. Enfim, peguem a pipoca, esqueçam o clichezão do roteiro e curtam esses dois grandes atores. Eu ri muito com eles. Adorei! Nota: 09.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Antes de Partir (The Bucket List) .2007. EUA. Direção: Rob Reiner. Com: Jack Nicholson, Morgan Freeman, Sean Hayes, Beverly Todd. Gênero: Comédia dramática. Duração: 97 minutos. Produção: Alan Greisman.