O Livro de Eli (The Book of Eli. 2010)

Num mundo pós-apocalipse, onde o sol é tão intenso que obriga as pessoas a cobrirem diversas partes do corpo, além de protegerem os seus olhos para não ficarem cego, Eli peregrina por entre becos e locais destruídos rumo ao Oeste, carregando consigo um livro a qual lê todos os dias. Em sua jornada, Eli se depara com inúmeras aventuras, em parte devido a um mundo habitado por homens desnudos de honra, ética e moral – em sua natureza mais selvagem, cujo objetivo de vida é apenas sobreviver ao término do dia.

No decorrer da história, sabemos que Eli carrega consigo o único exemplar do livro sagrado de Deus – a Bíblia – que sobrou após a destruição em massa de todas as outras edições, consequência de uma guerra que provavelmente deixou o mundo como nos é apresentado no filme: sem vida, acinzentado e caótico. A Bíblia, na visão de Eli, não representa somente a salvação do mundo através da propagação da fé, nem somente a ordem tão necessitada nestes dias tenebrosos, mas significa também o compromisso com a sua própria crença, afinal foi uma voz que lhe pediu para percorrer esta empreitada.

Eli, interpretado pelo excelente Denzel Washington, é um profeta de Deus. É o instrumento do divino para salvar uma vez mais a humanidade, assim como já fizeram tantos outros – segundo registros bíblicos. Eli é o grande herói de seu tempo, protegido pela alcunha do mestre dos mestres. A sua história representa o primeiro capítulo de uma espécie de novíssimo testamento, uma parte jamais escrita da Bíblia que relata as proezas divinas desta época. Até nisto o título do filme vem muito a calhar.

Através do título, muito interessante pela proposta que eu observei em particular percepção, entendo que os idealizadores trabalharam com a ideia que se trata de uma versão filmada de um livro bíblico jamais escrito, que viria logo após o apocalipse de João, que supostamente teria sido escrito há muitos anos e que retrata como Deus salvou a humanidade através de sua palavra, carregada pelo profeta Eli. O Livro de Eli, portanto, não é somente o título do filme, mas o título do que poderia ser um livro bíblico.

Imagine se a história do filme fosse escrita em papiro, com o devido estilo bíblico aplicado, e encontrado numa região remota, num local inusitado, daqui a 1000 anos. Qual seria o efeito da obra? Se tornaria um objeto de adoração global? Se tornaria um evangelho apócrifo? Não temos como saber, porém creio que, no mínimo, haveria pessoas que acreditariam na história, talvez a igreja católica – se existisse no ano 3010 – até canonizaria o Santo Eli. Talvez se tornasse uma história a ser contada nas igrejas, dos dias em que Satã habitou na Terra e como um homem tocado por Deus conseguiu expulsá-lo somente com a fé nas escrituras.

Em determinados versículos do Livro de Eli talvez houvesse sermões sobre como o conhecimento excessivo – típico da sociedade da informação – trouxe o mal ao homem, cuja ganância fez com quisesse ser Deus para controlar a humanidade, lição encontrada nas passagens sobre Carnegie. Material para que os líderes espirituais formulassem os seus sermões é o que mais encontrariam no Livro de Eli.

Mas será que o roteirista, ao escrever a história, queria passar uma mensagem religiosa, sobre a necessidade de redenção e sobre a necessidade de ter fé no Deus Uno para termos uma vida organizada e, principalmente, feliz? Será que o homem, por si só, não obteria os valores éticos e morais para organizar-se sem a necessidade de Deus dentro de si, e por isto mesmo este reencontro com o divino era totalmente necessário? Nos dias atuais cada vez mais dispensamos a fé para nos apegarmos às explicações materiais, seria o filme uma crítica a esta afirmação? Ultima questão: será que o filme realmente é uma espécie de pregação religiosa?

Eu, felizmente para alguns e infelizmente para outros, não veja desta forma. Sobre a minha ótica a mensagem pode ser ligada diretamente ao problema conhecido como a origem do mito. Da mesma maneira que o Livro de Eli foi escrito, outros livros épicos da Bíblia também, como a história de Noé, Moisés, Abraão, José, Jó e Jesus Cristo. Sabemos que o Livro de Eli não passa de ficção, portanto onde reside a credibilidade dos outros livros presentes na Bíblia? A credibilidade, obviamente, reside na fé. A mesma fé que levou Eli a crer que jamais poderia ser ferido em sua jornada – e quem assistiu ao filme sabe que ele foi gravemente ferido.

Além disto, a fé é incondicional e indiscutível, afinal se trata de um sentimento relacionado com uma certeza que não sabemos de onde vem. É ela que nos guia quando não sabemos para onde ir. Ou seja, a fé é cega e Eli é cego. Desde o início do filme temos evidências para acreditar nisto, porém somente no final temos uma revelação conclusiva. A questão é: a cegueira de Eli é uma dádiva ou uma maldição para as pessoas que estão ao seu redor? Com Eli não tem diálogo, quem cruza o seu caminho e tenta lhe impedir acaba sendo morto impiedosamente – entretanto a culpa pelo assassinato nunca foi um sentimento presente e nem mesmo empecilho nos profetas de Deus. Estamos diante de uma crítica ao fanatismo religioso?

Talvez não, talvez isto seja apenas um delírio provocado por minha mente agnóstica, porém relembremos que no passado houve uma guerra devastadora, cujo se acreditava que todas as Bíblias haviam sido queimadas. Entretanto aqui temos uma importante e insolúvel questão: as Bíblias foram queimadas antes ou depois da guerra? O teor do filme sugere que o mundo ficou caótico por que as pessoas se afastaram e perderam a fé em Deus, porém esta é apenas uma sugestão. Numa outra leitura podemos dizer que a guerra foi tão destrutiva e tão cruel com as pessoas, a maioria delas provavelmente não tinham nada a ver com o conflito, que elas mesmos perderam a fé. Neste contexto, Deus não lhes protegeu, logo eles se rebelaram ou perceberam que era tudo uma farsa. Em paralelo Eli, que é cego (sua cegueira pode ser considerada uma metáfora para o que estou dizendo) continuou a acreditar.

Além disto, quando Eli chega ao término de sua jornada, ele entrega e traduz o livro, que está em braile, para uma pessoa que conserva outros livros, em tese, conserva o conhecimento. Ao fim, esta pessoa imprime diversos exemplares, o que poderia simbolizar a renovação da esperança, porém ao pegar uma destas edições e inserir entre dois outros importantes livros para a religiosidade, a Torá e o Alcorão, o roteirista abriu novas questões: se eles já tinham a Torá e o Alcorão em mãos, por que o mundo continuava imoral, visto que estes livros também trazem consigo mensagens do mesmo Deus (vide Pentateuco)? Será que apenas a Bíblia Cristã seria distribuída entre as pessoas?

Ou a Bíblia seria apenas mais um livro na prateleira? O que garante que a distribuição da Bíblia iria tornar aquele um mundo melhor? Se você achou o final do filme uma alternativa otimista para um filme que retrata uma realidade pessimista, saiba que este sentimento veio do tema-mor da história: a fé. A fé é mágica, fascinante e também elabora opiniões. Para aqueles que possuem fé no divino, a história trará uma excelente lição de moral, e ficará satisfeito com o resultado. Para os mais céticos, como eu, o filme trará uma série de dúvidas sobre o seu propósito, e este também ficará satisfeito. Já aqueles que não possuem fé nenhuma, o filme poderá ser lido como uma excelente ironia sobre como surgem os mitos e, assim como os outros, também estará satisfeito com o resultado final.

A possibilidade de múltiplas interpretações, sem precisar exigir muito do telespectador, cria um diálogo tão interessante entre sujeito (aquele que assiste – nós) e o objeto (aquele que é assistido – o filme), que não há como não inserir esta obra na minha lista de prediletas da sétima arte. Estamos diante de uma joia rara, daqueles que permitem uma série de debates. Há pessoas mesmo que ainda discutem se a personagem principal era mesmo cega, conforme insinuado ao término do filme.

O Livro de Eli (The Book of Eli. 2010)

Mas agora, assim diz o SENHOR, que te criou, o Jacó, e que te formou, ó, Israel : Não temas, porque Eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és meu. (Isaías 43:1)

O que torna um filme especial é a mensagem formidável que ele traz, ou o que torna um filme formidável é a mensagem especial que ele traz. O primeiro do ano de 2010 que assisti e constatei isso foi o dos irmãos gêmeos Allen e Albert Hughes O LIVRO DE ELI, e ouvi boatos que este é o candidato a cult do momento, mas isso é assunto para outra conversa.

Gosto de me preparar psicologicamente lendo a sinopse para ter uma idéia do que se trata, qual o gênero, a nacionalidade, diretor, atores e por último a crítica do júri, o que para mim nada significa, não tem nenhuma importância, o interessante é saber o que cada um pensa. Os formadores de opinião de um jornal do RJ rotulados de Superjúri, em peso condenaram esta obra que considero prima. Cabe a cada um ser crítico da arte que seleciona para apreciar, e julgar conforme suas expectativas.
Mas o que o Livro trata? Aliás, o filme é sobre o quê?
Vivemos num mundo onde há excesso de informação; muitos modos e alguns instrumentos para isso; chove convite a todo momento de drogas tecnológicas viciantes, para ser um seguidor, disto ou daquilo, tanto que chega a dar náusea. Depois do advento da Internet, pode-se escolher com quem se quer falar, de onde,  quando e por qual canal se comunicar: skype, twitter, e-mail, orkut, facebook, e outras maneiras à escolha do freguês. Mundo globalizado, comunicação ao alcance de todos. Mesmo assim, sempre haverá alguém desinformado, e por tantos motivos: ou porque se seleciona o que se quer saber, que seja apenas de interesse do próprio, ou porque é impossível ao ser humano dominar e saber TUDO.
Recentemente o diretor palestino Elia Suleiman do filme ‘O que resta do Tempo’ (na minha lista de espera) talvez por contar de forma bem-humorada o conflito entre palestino e israelenses a partir de uma visão autobiográfica, por essa razão foi comparado ao comediante francês Jacques Tati, do qual, não estranhem, ele confessou nunca ter ouvido falar. Don,t worry. Ninguém é obrigado a saber tudo.
Mas o que isso tem a ver com o filme O Livro de Eli? TUDO.
Eli (Denzel Washington) é uma pessoa que vive num mundo futuro de um pequeno grupo que restou da humanidade, totalmente destruído, reduzido a cinza, poluído, sem outra espécie de vida; água é um líquido muito precioso e caro, quem possui faz escambo porque já não existe dinheiro, e o que resta da população faminta só praticando o canibalismo para não morrer de inanição. Os poucos sobreviventes mendigam… brigam entre si para continuarem vivos.
Dos sobreviventes, Eli se sobressai, e pode ser considerado um ser especial escolhido por Deus, já que teve em sonho uma revelação e recebeu a missão divina de levar o único exemplar que restou na face da Terra do Livro Sagrado para a direção oeste. Sem mapa, só mesmo seguindo a própria intuição ou guiado, talvez, por um anjo para chegar à terra prometida. Pode ser porque tenha muita fé e boa vontade, cumpre à risca e muito bem seu propósito. A jornada é longa e pelo caminho, cruza constantemente com inimigos que tentam roubá-lo ou exterminá-lo, ele, porém, sempre consegue se desvencilhar de todas as ciladas e armadilhas. No passado, o tempo era contado pela lua; no futuro pelo inverno rigoroso. “Eli perambula há 30 invernos, num cenário tristemente devastado”.
Na sua jornada, evita meter-se em encrenca; nesse mundo agora, cada um por si, manter-se vivo é um privilégio e ele então foge dos perigos e constantemente se vê desafiado por situações inóspitas.
Para abrandar a solidão, o andarilho, além do seu livro, carrega um aparelhinho de som com fones e constantemente ouvindo música, e se distraindo, até que um dia a bateria falha, ficando ele apenas com as leituras diárias do Livro Sagrado. Ele chega no que sobrou de um lugar, onde existe uma espécie de xerife, sendo o ‘dono do pedaço’ Carnegie (Gary Oldman) homem culto e letrado, e sempre lendo um livro, e dando ordens aos empregados que saiam e lhe tragam sempre mais e mais, em especial ‘um livro especial’ que ele ainda não tem e seus empregados não conseguem encontrar. O único exemplar que restou na face da terra está com Eli. É o livro mais precioso, o da sabedoria que ele quer e diz ser capaz de mudar e transformar o homem, expandir sua dominação e seu poder.
Nesse povoado Carnegie é também dono do que sobrou de um tipo saloon, típico do velho oeste americano, onde se serve bebidas e mulheres, e descobre que o livro que ele procura está com Eli, o forasteiro que acabou de chegar na ‘sua cidade’. Eli acaba entrando no local porque fica sabendo que lá tem água e ele precisa para continuar a sua jornada.
Carnegie, por interesse lhe oferece estadia e a companhia da filha da sua companheira cega a fim de roubar dele o tão sonhado livro.
Mais uma vez Eli consegue se livrar da situação e a jovem o segue por um bom tempo. Ela em alguns momentos o atrapalhou e em outros o ajudou. Quase chegando ao Oeste para cumprir o seu destino ele perde o livro para Carnegie. Mesmo assim não deixou de cumprir a tão sonhada missão. Muito mal, mas chegou. Venceu essa batalha. Talvez a contagem de tempo fosse mais do que 30 invernos pois foi suficiente para decorar a Bíblia toda que é um conjunto de 66 livros: 39 V.T. e 27 N.T., e ele a ditou ao escriba que o aguardava, Capítulo por capítulo; versículo por versículo, até o ponto final do Apocalipse.
“GÊNESIS
A Criação dos céus e da terra e de tudo que neles há
1 No princípio, criou Deus os céus e a terra.
APOCALIPSE
A benção
21 A graça do Senhor Jesus seja com todos.”
Quando Carnigie consegue abrir a Bíblia, constata que a mesma está em Braille. Para a sua sorte, conseguiu o que almejava, objetivo alcançado, e muito mais que isso. Poderia começar a se regenerar, ser mais humilde e generoso; compartilhar e reconstruir um novo mundo e um novo tempo, uma nova cidade pela palavra, pelo VERBO, com a sua companheira que domina a linguagem, a grafia Braille.
Só de ter decorado a Bíblia toda, conclui-se que Eli é um homem especial. O filme é recheado de metáforas, cabe ao espectador tentar interpretá-las.
Eli sempre de óculos escuros. Seria ele cego? O seu livro está na linguagem Braille. Coisas se aprendem por necessidade ou não. O filme não é uma receita de bolo, não tem resposta pronta. Tem os seus mistérios e é isso o torna excepcional, interessante. Eli tinha mais de uma missão: decorar a Bíblia (“Guarde AS Minhas Palavras”); perdê-La para que alguém a encontrasse e fizesse bom uso (“Ide e Pregai o evangelho a todas as criaturas”) conhecessem, ditá-Las e praticá-Las (“Pratique a Minha Palavra, Orai e vigiai”).
O Livro do conhecimento de Eli, difícil de digerir, pode ser o mesmo de Humberto Eco em O Nome da Rosa, só que em momentos e situações divergentes: um está antes da reforma religiosa (protestante), século XIV, e o outro está num século pós-apocalíptico. O primeiro é um tratado da idade média, quando a igreja católica tinha o domínio e o poder sócio-político-econômico-cultural sobre todas as coisas, e influenciava o modo de pensar e agir das pessoas, e somente Ela julgava e decidia. E o Livro Sagrado era guardado a sete chaves, inacessível a fim de monopolizar os seus dogmas e manter uma fé obediente e cega da população. E o último, todos podem tem acesso à sua leitura, só que, por se ter apenas um exemplar é quase impossível.
E voltando ao assunto do diretor palestino, ele não sabe tudo, nem você nem eu nem ninguém nunca saberá, deter todo conhecimento, mesmo com a Internet e a chuva de convite para seguirmos aqui e acolá, mesmo assim, muitos são os que não ouviram falar, por exemplo, desse Livro Sagrado, de Jesus, e que vivem na escuridão. Foi preciso um exemplar na linguagem Braille, um desafio, a fim de lhe (ao inimigo de Eli) mostrar que a Bíblia, o livro do conhecimento e da vida é a VERDADE e sem Ela o homem está perdido. Então, pesque mais mensagens nas entrelinhas deste brilhante filme.
O Livro de Eli cumpriu muito bem a sua missão. *****
Karenina Rostov
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Sinopse
Em um futuro pós-apocalíptico, um herói solitário protege um livro sagrado que pode conter o segredo para a salvação da humanidade.
Ficha Técnica
Título Original: The Book of Eli.
Origem: Estados Unidos, 2010.
Direção: Albert Hughes e Allen Hughes.
Roteiro: Gary Whitta.
Produção: Broderick Johnson, Andrew A. Kosove, Joel Silver, David Valdes e Denzel Washington.
Fotografia: Don Burgess.
Edição: Cindy Mollo.
Música: Atticus Ross.
Elenco
Denzel Washington, Gary Oldman, Mila Kunis, Ray Stevenson, Jennifer Beals, Evan Jones, Joe Pingue, Frances de la Tour, Michael Gambon, Tom Waits, Chris Browning, Richard Cetrone, Lateef Crowder, Keith Davis, Don Tai, Thom Williams, Lora Cunningham, Scott Wilder, Heidi Pascoe, Jennifer Caputo, Eddie Perez, Spencer Sano, Karin Silvestri, Mike Gunther, John Koyama, Mike McCarty, Scott Michael Morgan, Sala Baker, Arron Shiver, Justin Tade, Mike Seal, Richard A. Smith, Paul Crawford, Edward A. Duran, David Wald, Jermaine Washington, Kofi Elam, Clay Donahue Fontenot, Al Goto, Brad Martin, Tim Rigby, Luis Bordonada, Robert Powell, Angelique Midthunder, Todd Schneider, Darrin Prescott, Laurence Chavez, Brian Lucero, David Midthunder, Malcolm McDowell e Frank Powers.