Meia-Noite em Paris – E o mais encantador divã de Woody Allen

Meia-noite soa como o mais profundo mergulho dentro de si mesmo. Ficar cara a cara com os próprios fantasmas. Vê, rever tudo aquilo que à luz do dia nos cega. Que deixamos escapar. Por vezes, por conta das atribulações do dia-a-dia. Noutras, por se acomodar mesmo com a vida que está levando. Como na máxima: empurrando com a barriga. Então, conscientemente ou não, eis que chega uma ocasião. Claro que há situações, onde se faz necessário ajuda de alguém da área psico. Mas noutras, não. E o que fazer nessas outras? Basta uma simples parada, para então reavaliar com tempo, o empasse. Tentar descobrir aquilo que está amarrando a situação. E esse tête-à-tête consigo mesmo varia ao sabor, ou saber de cada um.

Em “Meia-Noite em Paris” Woody Allen nos brinda com o mais surpreendente dos seus Divã. É! O filme traz essa sua marca. Que para nós, seus fãs, a cada filme, vem como saborear um excelente vinho. Sendo que neste filme em especial, teremos à mão uma taça de champanhe, para acompanhá-lo nessa estória. Onde parece que ele resolve também passar a limpo um antigo desejo. Algo como, em algum momento, mesmo num breve instante, do presente nos questionamos por não termos seguido o que nossa intuição sinalizava. Muito embora, ficar nesse “Se eu tivesse feito assim…” não nos levará longe. Já está feito! Mas se a intuição volta a sinalizar, que esse déjà vu venha como um novo sabor.

Gil, seu protagonista da vez, – Ou seria um jovem Woody Allen? -, ao voltar a Paris, se vê as voltas com um antigo desejo: morar em Paris levando a vida como escritor de livros. Mas há dois grandes impasses a lhe pressionar. O que corrobora a visão dele ser um alter ego bem mais jovem do Diretor. E é onde a escolha do ator me fez ficar em dúvida: se Owen Wilson daria conta do recado. O que para meu espanto, ele incorporou, e bem, e literalmente, Woody Allen. Postura. Tiques. Expressões. Inseguranças… Conseguindo até o que o próprio Diretor faz quando atua: numa simbiose perfeita, dividir o palco com os demais. Evitando um Solo. Onde é a cena por um todo que rouba a cena. Meio louco, mas é assim que ele age. O que o leva a ser um Diretor único. Assim, não sei ao certo se o mérito da atuação de Owen Wilson vai para Woody Allen. Mas deixo aqui meus Parabéns também ao Owen!

Gil embarca com a noiva, Inez (Rachel McAdams), para Paris, acompanhando os pais dela: John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy). John vai concretizar um rentável negócio com um Grupo francês, mas é só por isso que está ali: dinheiro. Não gosta dos franceses, nem da comida, nem dos hábitos… O que leva a aumentar ainda mais a desaprovação pelo noivo da filha. Já que Gil é apaixonado por tudo isso. Quer dizer, nem tudo. Porque não admira aquilo que Inez e a mãe vêem de Paris: como um imenso e luxuoso shopping para compras e mais compras. Para aumentar ainda mais o choque entre eles, entra em cena um casal amigo de Inez: Paul (Michael Sheen) e Carol (Nina Arianda). Gil vê Paul como um pseudo intelectual. O que leva Inez a reparar mais nele, para contrariar o noivo. Para Paul, Inez seria um passaporte perfeito para viver com luxo. O que o leva a jogar todas as fichas nesses poucos dias junto com os noivos, e com maior ênfase na noiva.

Gil, dando um tempo a si, até para digerir todo aquele glamour que inebria aos demais, resolve caminhar pelas ruas de uma Paris noturna. Mas que iluminada por uma atmosfera de nostalgia. O cartaz do filme já nos antecede a essa magia ao incorporar a tela Noite Estrelada, de Vincent Van Gogh. E sua carruagem não o faz voltar a realidade à meia-noite, ela o leva a essa hora numa Paris do Passado.

Nesses giros, Woody Allen leva Cole Porter a frente da Trilha Sonora. Gil frente a frente com suas músicas preferidas. E no embalo da música, ele encontra com autores, escritores, pintores, artistas e até anônimos que fizeram o que para ele foi a Era de Ouro cultural: Ernest Heminghay, Zelda e Scott Ftizgerald, Pablo Picasso, Gertrude Stein, Henri Matisse, Luis Buñel, Salvador Dalí… Gil aproveita para mostrar o copião do que pode vir a ser seu primeiro romance. Seu primeiro livro.

Como Roteirista de Filmes, Gil lhe tem aberta todas as portas de Hollywood. O que encanta Inez. O que lhe traz desconfiança se é por isso que uniu ela a ele. Meio que não confiante na sua capacidade de escrever mais do que roteiros de filmes caça-níqueis, o faz hesitar em jogar tudo para o alto, e concretizar o seu sonho dourado. Quem irá fazer esse contraponto, serão duas personagens femininas: uma da noite, Adriana (Marion Cotillard); e outra do dia, Gabrielle (Léa Seydoux). E assim, Gil passará seu presente em xeque.

Um excelente filme! De querer rever!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris. 2011). EUA / Espanha. Direção e Roteiro: Woody Allen. +Elenco. Gênero: Comédia, Fantasia, Romance. Duração: 94 minutos.

Como Arrasar um Coração (L’arnacoeur / Heartbreaker). 2010

Ao término do filme fiquei me perguntando porque esse filme não me agradou. Teria sido porque ficou Hollywood demais? Por terem alongado muito para mostrarem mais Mônaco? Tudo lá é muito lindo, mas todo esse cenário acabou deixando o filme cansativo. Como também o que poderia não ter feito a estória decolar fora a falta de química entre os dois protagonistas? Sendo que uma francesinha do início, Florence, é que poderia ter ficado com o papel principal. Enfim, a soma de tudo me leva a dizer que não vale o ingresso.

Uma pena! Porque dois motivos me fizeram ver o filme: Cinema Francês e o ator Romain Duris. O seu Alex até que esteve muito bem. Mas não conseguiu levar o filme sozinho. Seu personagem deu mais química com o cunhado, Marc (François Damiens), do que com Juliette (Vanessa Paradis). Muito sem graça, essa atriz. Ou o Diretor não soube mostrar que ela tem talento.

A temática principal não é original. Pois podemos lembrar da Dama e o Vagabundo, da Princesa e o Plebeu. Nem por ser previsível o final não seria um motivo para não ter me encantado. Da maneira como a estória foi contada, ela se perdeu  nas ruas de Mônaco. Falha da Direção? Do Roteiro? O mote viria com um ar de renovação a essa comédia romântica: uma agência de matrimônio às avessas.

Alex, sua irmã Mélanie (Julie Ferrier), e Marc, são contratados para desmanchar um relacionamento amoroso. Na totalidade, são parentes chegados a mulher, que os contratam. Além de só aceitarem que o trabalho seja para atuarem com a mulher, Alex impõe que se ela realmente esteja infeliz na relação. Acontece que com uma grande dívida pendendo sobre a sua cabeça, ele acaba aceitando o serviço de separar Juliette de seu noivo, Jonathan (Andrew Lincoln). Mesmo ciente que ela está super feliz com o futuro casamento. Com poucos dias para o enlace, Alex tem pouco tempo.

Então é isso! Um filme mediano. Com prós e contras. É pesar, e ver se quer ir ver “Como Arrasar um Coração“. Onde o Roteiro tem furos. O Turismo por Mônaco não teve muita razão de ser. A Trilha Sonora é linda! Romain Duris ainda continua me motivando a vê-lo atuando. Ainda mais com a cena onde dança como a final do filme “Dirty Dance”, com a música: Time of my life.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Como Arrasar um Coração (L’arnacoeur / Heartbreaker). 2010. França / Mônaco. Direção: Pascal Chaumeil. Elenco: Romain Duris (Alex Lippi), Vanessa Paradis (Juliette Van Der Becq), Julie Ferrier (Mélanie), François Damiens (Marc), Héléna Noguerra (Sophie), Andrew Lincoln (Jonathan Alcott), Jacques Frantz (Van Der Becq), Amandine Dewasmes (Florence). Gênero: Comédia / Romance. Duração: 105 minutos.

Crueldade e Hipocrisia: Uma Visão Analítica Sobre “DOGVILLE”

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Aviso: O texto a seguir contém spoilers. Se ainda não viu esse filme, e queira não perder as surpresas, já que se trata de um thriller, seria melhor deixar para ler após assistir.

Por: Eduardo S. de Carvalho.
Dogville” é mais do que uma fábula anti-americana. Ao criticar a hipocrisia típica do povo norte-americano, o diretor dinamarquês Lars von Trier desmascara a crueldade existente em todo e qualquer ser humano. Se em “Dançando no Escuro”, seu filme anterior, von Trier se vale dos conceitos freudianos de princípio de prazer e princípio de realidade para mostrar uma vida real insuportável para sua protagonista – e que é engolida por esta realidade –, “Dogville” é ainda mais massacrante. Seus únicos elementos que remetem à fantasia são os ruídos de portas inexistentes se abrindo, um cão que late mas que não está lá.  A secura minimalista do cenário é ainda maior do que em muitas montagens teatrais, o que nos aproxima ainda mais de uma estranha impressão: isto não é entretenimento. Parece muito uma sessão de terapia em grupo – sinto que o cinema se presta muito bem a isto, cada vez mais –, onde vemos nossas próprias mazelas estampadas na tela.

dogville-mapaA protagonista, Grace, surge como vítima, assim como a Selma de “Dançando no Escuro”. O nome da personagem, “Graça”, pode soar com um tom católico, mas não tenho a menor noção das convicções religiosas do diretor. O fato é que, depois de todo o tipo de humilhação a que é submetida ao longo da fita, Grace torna-se tão cruel quanto seus algozes. Não poupa nenhum ser humano, nem mesmo uma criança, uma vez que é uma criança que deflagra toda a crueldade dos habitantes. Violência gera violência; isto é e sempre será natural no ser humano. Isto é que torna Grace mais humana e retira a cruz  (= coleira ?) de mártir religiosa que carregou durante toda a projeção do filme.

Enquanto hipócrita, o maior personagem da fita parece ser Tom. Sua psicologia remete ao sujeito que utiliza a intelectualidade para fugir de suas emoções, desconhecendo a si mesmo (vocês conhecem alguém assim?). Sutilmente, ele vai manipulando as reações dos habitantes da cidadezinha a seu bel prazer, sempre com a máscara da ética e da virtude. Quando Grace faz Tom enxergar a si mesmo, ele decide quebrar o espelho. Não quer ver desmoronar a persona que construiu para si, e revolta-se contra Grace. Esta última ação acende o pavio da cólera da protagonista, que decide destruir Tom pessoalmente.

Ao final, é singular a idéia de Grace em poupar a vida do cão. O animal é o único ser que não renega seus instintos, e torna-se ameaçador apenas quando ameaçado. “Ele rosnou para mim quando quis roubar seu osso”, ela diz. A violência animal difere completamente da violência humana; ele torna-se agressivo quando tem sua sobrevivência ameaçada, e nós, muitas vezes, por fraqueza, vaidade e capricho descabidos.

Fica em mim uma impressão: por vezes, a civilização é civilizada demais.

DOGVILLE. 2003. Dinamarca. Direção e Roteiro: Lars Von Trier. Elenco: Nicole Kidman, Harriet Andersson, Lauren Bacall, Jean-Marc Barr, Paul Bettany, Blair Brown, James Caan, Patricia Clarkson, Ben Gazzara, Phillip Baker Hall, John Hurt (Narrador – voz). Gênero: Drama, Thriller. Duração: 177 minutos.

Do Outro Lado (Auf der Anderen Seite. 2007)

Tão longe, e tão perto…

Nossa! O filme começa de mansinho e de repente… Chega a dar um arrepio com o que o destino aprontou. Chega até a ser cruel, eu diria. O filme vai seguindo até que num determinado ponto ele meio que volta a fita. Mas não em mostrar que algo nos escapou, e sim para mostrar por outro lado. E nesse, é de tirar o fôlego. É, até porque na vida real não tem essa de voltar a fita.

Ele traz o destino de 6 pessoas que num determinado momento da vida se cruzam de um jeito. O diferencial aqui é que sabemos quem irá morrer; vem como um título de um capítulo. Logo é algo que não dá mesmo para voltar atrás. Aconteceu! E por conta de que? Da pressão de um país onde até a religião cerceia as aspirações principalmente das mulheres? Da estupidez em mostrar que se é dono de alguém? De que por causa de uma mentira, mesmo com a melhor das intenções, de que sem ela o destino de todos, teria sido outro?

Deixo um convite a pais e filhos não mais crianças de assistirem. Pois aqui é bem mais que conflitos de gerações. São fatos irreversíveis. Que reforçariam a ideia de que diálogo, respeito por ideais, carinho, e sobretudo sinceridade deveriam fazer parte do dia-a-dia desse tipo de relacionamento. Por vezes alguns percalços poderiam ter sido evitados se o caminho trilhado não fosse uma via de mão única.

O que temos no filme? Um jovem professor universitário, Nejat, não muito motivado. Sua vidinha beira a sonolência. Num belo dia ao chegar em casa se depara com uma bela mulher. Seu pai, um viúvo, a trouxe para ser sua mulher. Quando a sós, ela, Yeter, lhe conta que seu pai a conhecera num bordel. Nasce uma afinidade entre eles, mas num tipo fraternal. Os três vivem na Alemanha, mas nasceram na Turquia. Tudo ia bem, até que seu pai, após passar um tempo internado, se deixa dominar pelo ciúme. Fica violento.

Nejat brigado com o pai resolve partir para Istambul. A princípio motivado em encontrar e ajudar a filha de Yeter, a jovem Ayten. Mas ela é uma ativista política. O que dificulta encontrá-la. Compra uma Livraria. E por lá fica. Em seu caminho, surge Lotte. Ele loca um quarto para ela. Ela é alemã. Ele não fica sabendo o que ela está fazendo ali.

À Yeter o peso da religião a fez sair da sua terra para tentar dar estudo a sua filha. Sem coragem de contar a filha o que fazia, dissera que trabalhava numa sapataria. Sem poderem se encontrar, uma não conhecia a realidade da outra. E por conta da mentira, quando mais Ayten precisou da proteção, do colo da mãe…

Há uma quarta mulher, Susanne, mãe de Lotte. Enfim, são quatro mulheres fortes, determinadas, a quem o destino pregou uma peça. E qual a lição a tirar? O que elas representaram na vida de Nejat?

O filme é belíssimo! Amei inaugurar com ele o Cinema da Turquia.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Do Outro Lado (Auf der anderen Seite / The Edge of Heaven). 2007. Turquia. Direção e Roteiro: Fatih Akin. Elenco: Nurgül Yesilçay, Baki Davrak, Tuncel Kurtiz, Hanna Schygulla, Patrycia Ziolkowska, Nursel Köse. Gênero: Drama. Duração: 122 minutos.

Curiosidade: Há uma cena onde Nejat dá ao pai um livro. O título do livro é “Demircinin Kizi”: “A Filha do Ferreiro”.