Uau! Essa foi uma das exclamações proferidas durante e mais intensamente ao final do filme. Os créditos finais subindo, e eu ali em puro êxtase. Fora preciso meu sobrinho dizer um – Vamos!? -, para que eu voltasse a realidade de ter que sair do Cinema. Tinha presenciado uma Obra-prima! Pedro Almodóvar se superou! Ele assina a Direção e o Roteiro. De uma estória que veio como um presente de Thierry Jonquet, já que dera asas e um pouso perfeito para a loucura que permeiou toda a sua obra até então. “A Pele que Habito” veio como uma consagração a esse gênio. Bravo!
Depois, fui me perguntando em como contaria sobre esse filme: com ou sem spoiler. Algo que seria difícil resistir porque havia alguns pontos que eu gostaria de analisar com mais detalhes. Com isso, se você ainda não assistiu, pare por aqui. Nem é tanto pelos spoilers, mas sim porque irá perder esse mesmo contentamento que eu senti. É sensacional em ir seguindo todo o fio que brilhantemente Almodóvar deixou para nós. Esse é um filme para ver sem ter lido nem uma linha a mais do que a sinopse oficial. Também porque aquilo que irá saber durante o filme o levará a se questionar. Refletir como uma pessoa comum. Ou até como se tivesse com o poder de votar contra ou a favor em temas abordados nele. Um desses tema me levou a exteriorizar uma outra exclamação: “Boa!”. E dita pelo meu lado nada politicamente correto, mas assinado-embaixo pela totalidade mulher. Foi muito bem merecido! Fora uma ideia genial!
Por isso, e muito mais, Vá ver o filme, e depois volte para deixar a sua opinião. Porque a partir daqui terá spoiler. E para quem já viu o filme, vem comigo!
No centro do universo desse filme temos a Cirurgia Plástica. E será por ela que inicio as reflexões.
O que levaria alguém a decidir ser um Cirurgião Plástico? Sentir o poder de criar uma criatura? Independente de padrões de beleza para cada cultura, por vezes o resultado do seu trabalho traz uma nova pessoa à vida. Mesmo que sustente que o faz muito mais com o fim de regenerar uma sequela, ou até mesmo para fins estéticos, no fundo deve sentir-se como um Deus. E se temos um Criador, também se tem a Criatura. Em “A Pele que Habito” temos um período na vida em conjunto do Criador e sua obra mais que perfeita. Faltando um detalhe. Já que se esculpe um corpo por fora. E como ficaria o interior desse ser?
Antes de falar da criatura do filme, focarei no geral de quem procura por um cirurgião plástico. O faz, desde uma simples insatisfação por parte de seu próprio corpo, até um desejo meio mórbido de não ser o que se é. Vaidades em vários níveis. Sem contar nas que perderam a própria pele, literalmente, de modo acidental ou não. De qualquer maneira, uma parte consciente optou por isso. Mesmo que tenha um lado que não queira concretizar um sonho.
Antonio Banderas, numa atuação magistral, faz o cirurgião plástico Roberto Ledgard. Um homem angustiado por problemas pessoais, mas empenhado no lado profissional. Por não ter conseguido regenerar todo o corpo queimado da esposa, se dedica ainda mais em conseguir uma pele perfeita em laboratório. Achando já estar no caminho, tenta encontrar um jeito de introduzir sua pesquisa no campo acadêmico. Algo ainda legalmente proibido. Em sua mansão bem isolada, mantém uma clínica pequena, mas muito bem aparelhada, e subsidiada pelo Instituto de Biotecnologia. Ao receber um não do presidente dessa instituição, decide prosseguir às escondidas; e sem sua equipe.
Um lobo em pelo de cordeiro…
A determinação, a paciência e a capacidade que Roberto tem como médico e cientista, não é a mesma ao lidar com a própria filha. Norma (Blanca Suárez) se desestruturou com a morte da mãe. Roberto delegou à Psiquiatria todos os cuidados da filha. Essa separação o fez ficar quase um estranho para ela. Claro que cada um reage de um jeito próprio diante de uma violência sofrida. Mas talvez se ele tivesse mais carinho, tivesse mais presente na vida de Norma, ela não o teria visto como o vilão. Bem se faltou amor de pai antes, não faltou depois. Mesmo que tarde demais para ter a filha de volta, ele vai atrás do real vilão da vida da filha. Ele é Vicente (Jan Cornet), que mesmo ciente do que fez, se acha impune, acreditando que não deixara pistas. Mas à noite, nem todos os gatos são pardos…
A ciência avança, quando alguém rompe a barreira do que é ético. Mesmo tendo quem mantenha-se vigilante nessa linha divisória. O filme prima por trazer, ou melhor, por manter um tema como esse ainda em mesa de debate: clonagem de partes do corpo humano. Questionável? Sim. Necessário? Talvez. Fechar questão? Não. Até porque pesquisas concretizadas, trariam qualidade de vida a um paciente.
Dizem que a pressa é a inimiga da perfeição. E um cirurgião plástico age com muita paciência. Roberto, sem mais pressa, já que seu lado pessoal se desmoronou, cuida de uma nova interna em sua clínica: Vera (Elena Anaya). Nela, tem a chance de testar seu experimento: a tão sonhada pele. Vera é mantida reclusa. Além de Roberto, só tem contato com Marília (Marisa Paredes), a governanta da casa. Enquanto a cicatrização não some por completo, tem como proteção uma malha no corpo, e uma máscara na cabeça.
Insanidade! Teria um fator genético? Que vem à superfície como resultante de um grande trauma? Como classificar esse tipo de comportamento em alguém que tem a consciência do que está fazendo? Alguém que leva uma vida à margem da lei e dos bons costumes traz um sinal de que? E alguém que por uma obsessão recente decide dar asas a algo muito louco, mas que seria como num tiro só acertar dois alvos distintos?
Roberto sabe que está bem perto de alcançar seu intento, e então poder mostrá-lo ao mundo científico. Acontece que o passado bate a sua porta. Era Zeca (Roberto Álamo), o filho que Marília entregou ao mundo. Ele chega justamente durante uma ausência do dono da casa. Marília pressionada muito mais pela culpa – sua escolha-de-sofia fora entre essa criança e uma estabilidade financeira -, do que pela vontade de revê-lo, deixa Zeca entrar na casa. Ele viera pedir por um tipo de esconderijo, por estar sendo procurado pela polícia por roubo a um banco. Só que ele foi além desse crime: matou um vigia do tal banco. Dai, não estava para brincadeiras. Como também barbarizou na casa de Roberto.
Como puderam ver, a Maternidade também se fez presente nesse filme de Almodóvar. Uma relação conflitante entre mãe e filho. Entre um filho que trouxe ao mundo e um que o mundo lhe trouxera. Afinal, ser mãe não é só gerar um filho. Tem que criar também. A mãe de Vicente dava mais carinho a jovem que trabalhava em seu Atelier, que a ele. Meio que a protegendo de seu rebelde filho. Zeca passou a infância trabalhando para o tráfico numa favela no Brasil. Procurando a mãe mais por lhe impor uma proteção tardia do que por amor. E em ambas visitas, deixou seu comportamento animal aflorar. Essas mães já anteviram que seus ventres não geraram bons frutos? Que não valiam por um sacrifício a mais? Quando Roberto chegou, vendo o que viu, decide por um fim em um fantasma do passado.
E dai em diante seria vida que segue? Não. Enquanto tiver outros fantasmas assombrando, não se atinge uma oitava maior. Outros ciclos voltam para atormentar, com pesos maiores para outras rodadas da roda da vida.
Sem um happy end, nem poderia haver, onde minha interjeição final fora um “Putz!”, mas já eletrizada por ter visto um primor de filme, “A Pele Que Habito” veio para pontuar a carreira de Pedro Almodóvar. Que além da estória, de como foi contada, da Direção, da performance de todos os atores, quero destacar que a Trilha Sonora também foi muito bem escolhida. Há uma cena onde mais parecia um som de um bate-estaca. Na hora eu não gostei dela, mas depois já ciente de um outro detalhe, achei mais que perfeita. E então meio que tardio, proferi um “Bem feito!”.
Não deixem de ver esse primor de filme. Nota Máxima!
Por: Valéria Miguez (LELLA).
A Pele Que Habito (La Piel que Habito. 2011). Espanha. Direção e Roteiro: Pedro Almodóvar. Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Marisa Paredes, Jan Cornet, Roberto Álamo, Blanca Suárez, Eduard Fernández, José Luis Gómez, Bárbara Lennie, Susi Sánchez. Gênero: Suspense. Duração: 133 minutos. Baseado no livro de Thierry Jonquet. Trilha Sonora: Alberto Iglesias. Classificação: 16 anos.
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