Por: Eunice Bernal.
Em “Kumiko, a Caçadora de Tesouros” o argumento, a principio, é bem básico e fácil de entender, mas para que a história tome forma e faça sentido ao espectador, é recomendável antes de tudo, ter conhecimento do longa “Fargo” dos Irmãos Coen, saber qual é a ideia central, e inteirar-se dos fatos que ocorrem ali porque todo o desenrolar do conto de fadas com a protagonista japonesa tem a ver com esse clássico estadunidense com toques de humor negro. Portanto, para continuar sabendo dessa história, é bom relembrar, ao menos, o que se passa em “Fargo“. Evidentemente que se entenderia de qualquer forma a história da personagem-título “Kumiko, a Caçadora de Tesouros“, mesmo não tendo assistido ao aclamado dos Irmãos Joel e Ethan ou de ter, ao menos, lido a sinopse. É mais para que se possa situar no enredo.
Kumiko e Fargo: duas obras interessantes de diretores de mesma nacionalidade; talvez o diretor David Zellner seja admirador dos criadores de Fargo, e como forma de homenageá-los, usou como ponte, uma cena interessante para traçar o paralelo entre as duas histórias, e nessa bela roupagem metalinguística o gancho ao tesouro é uma mala recheada de dólares, enterrado na neve em Dakota do Norte, seria o predicado para a garimpagem de um outro tesouro invisível na sétima arte: o próprio filme Fargo, ou uma cópia em VHS sendo desenterrado, eis a questão. Só mesmo alguém com um pouquinho de perspicácia para ter uma imaginação fértil e ter bolado essa cena.
Então relembrando aqui a sinopse de Fargo (1996): Em 1987 em Fargo, no Dakota do Norte, o gerente (William H. Macy) de uma revendedora de automóveis, ao se ver em uma delicada situação financeira, elabora o sequestro da própria esposa (Kristin Rudrud) e faz um acordo com dois marginais, que ganhariam um carro novo e metade dos 80 mil dólares que seriam pagos pelo seu sogro, um homem muito rico. Mas uma série de acontecimentos não previstos cria logo de início um triplo assassinato e uma chefe de polícia grávida (Frances McDormand) tenta elucidar o caso, que continua provocando mais mortes. Apesar de o filme ser declarado como “baseado em fatos reais”, a história passada em Fargo foi na verdade elaborada pelos próprios Irmãos Joel e Ethan Coen, roteiristas do filme, ou seja, uma inverdade.
Quanto a sinopse de “Kumiko, a Caçadora de Tesouros” (2014): Uma solitária japonesa convence-se de que uma sacola de dinheiro enterrada em um filme de ficção é, de fato, real. Abandonando sua vida estruturada em Tóquio para ir viver na região congelada e selvagem Minnesota, ela embarca em uma busca impulsiva para procurar sua mítica fortuna perdida.
Em Kumiko também o roteirista optou em declarar em letras garrafais nos créditos iniciais tratar-se de obra baseada em acontecimentos verídicos, só que até o momento, pelas minhas pesquisas, isso não foi confirmado e nem negado. Chego à conclusão que o autor do argumento por ser apóstolo dos Coen optou por brincar com a situação repetindo a dose nesse parque de diversões.
O fato é que Kumiko, a balzaquiana, acredita piamente que o tesouro (a mala recheada de dólares) continuava lá, em Fargo, Dakota do Norte enterrada próximo àquela cerca com um objeto vermelho fincado no solo marcando o local exato (talvez ela tenha pensado que mesmo sendo um filme, aquele dinheiro era de verdade e depois das gravações esqueceram de pegar de volta; talvez ela não soubesse que uma boa parte do filme tivesse sido rodado no Canadá, por ser o frio lá mais rigoroso do que nos EUA, e na época das gravações na terra do Tio Sam era primavera.
Kumiko existe? Pessoas como ela sim, claro, que existem aos montes por aí, que vivem no mundo de Matrix, não sabendo distinguir a linha tênue que separa a realidade da ficção.
Inverossímeis ou não, duas obras capazes de nos causar sensações de desconforto, de nos tirar do sério e nos deixar participar dessa viagem ao mundo da magia e encanto que o cinema proporciona; às vezes é primordial sair da zona de conforto, enfrentar trânsito para ver um especial como este num telão!
Kumiko não é só ingênua; dentro dessa jovem mora um pouco de maldade e de malícia. Desgostosa com o mundo real, não ligando sequer para a própria aparência, tampouco para a mãe, para trabalho e nem para os conhecidos e uma amiga que encontra na rua ou olhar uma criança deixada aos seus cuidados; destrata seu chefe, jogando suas roupas numa lixeira, cuspindo em sua bebida e roubando seu cartão de crédito para comprar sua passagem para viajar em busca de um suposto tesouro no outro lado do mundo, digno de uma criatura exótica…
Considero o filme Kumiko, do diretor e roteirista David Zellner com colaboração de Nathan Zellner no roteiro – na história do cinema moderno pra lá de formidável, uma joia rara, um tesouro que a sétima arte deve guardar a sete chaves com carinho no museu do cinema e para os cinéfilos sempre que quiser poder ver e rever. Achei formidável a própria história que aconteceu no filme referência Fargo como a que aconteceu com a jovem no Japão ter entrado de cabeça nesse mundo da imaginação e mesclado a sua própria realidade, não sabendo onde começa um e termina o outro. Parece que novamente realidade e fantasia se confundem tornando uma coisa só. Já testemunhamos tanto trabalho original e criativo no mundo do Cinema e parece que de vez em quando somos surpreendidos como agora nessa história de KUMIKO de roteiro incrível.
No prólogo, a protagonista é apresentada caminhando pela praia segurando um mapa e ela parece que estava predestinada a encontrar um tesouro perdido numa gruta naquela proximidade e acaba encontrando um filme em VHS enterrado lá, e essa fita ela viu muitas vezes e que dizia ser baseado em fatos reais. Talvez ela tenha acreditado que realmente fosse fatos reais e alguém enterrou ao lado de uma cerca uma mala contendo muito dinheiro como se isso fosse um fato real e não encenação.
Sim, Fargo é um tesouro! E Kumiko – a cinéfila que com seus mapas vive por ai garimpando ótimos filmes – é mais um filme com roteiro inteligente e que certamente vai para a minha galeria dos instigantes. Curti!
Eunice Bernal
Kumiko, a Caçadora de Tesouros (Kumiko, the Treasure Hunter. 2014)
Ficha Técnica: na página no IMDb.