Por: Valéria Miguez (LELLA).
Em “Os Terraços” o Diretor Merzak Allouache, que também assina o Roteiro, retrata de um jeito bem cru a vida de alguns dos moradores da capital argelina. Que mesmo sendo Argel uma cidade construída sobre colinas, daí os terraços terem um papel em destaque também nessa sociedade, e ao longo de sua história, mas justamente por essa visão privilegiada até do lindo azul mediterrâneo, ao colocar as histórias centradas nos telhados dos prédios parece dizer a todos do quanto estão desperdiçando um tempo importante de vida. Até porque o apelo que vem dos altos falantes das mesquitas parece ser como um barulho a mais numa cidade já bem barulhenta pelos carros e seus engarrafamentos… Abrindo um parêntese, por algo também comum a seguidores de outras religiões: em tendo-as como a absolvição dos atos, até criminosos, cometidos… Enfim, talvez o que Allouache queira dar a todos é uma chance de descortinarem novos horizontes. Nem que seja apenas para saírem um pouco dos próprios problemas. O que por sua vez também os levariam a ver se há uma outra saída… Ou não! Predestinado ou não! Cíclico ou não! Impostos ou não! São os contrastes da vida num quadro meio surreal pelas mãos do Diretor! Bravo!
Partindo de cinco terraços em bairros diferentes (Casbah, Bab El Oued, Belcourt, Notre-Dame d’Afrique e Telemly), com variações sócio-econômicas entre eles, o filme expõe o que se passa no interior de cada uma das pessoas! Onde uma maioria até tenta sobreviver da violência, da intolerância… do dia-a-dia e até por fechar os olhos diante de alguns fatos! Que embora não tenha sido ético, um dos que ignorou algo, talvez porque aquela parte da cidade já esteja tão carente… Numa de os meios justificando os fins? No fundo pode até terminar sendo absolvido por aquele que assiste o filme. Veja, e faça o seu próprio julgamento!
Em “Os Terraços” as histórias acontecem num único dia indo do amanhecer à meia-noite, com as cinco chamadas às orações de um feriado religioso. Entoadas num tom entristecido pelo muezzin como a apresentar o que estar por vir. Tendo como pano de fundo a mítica cidade branca, com seu mar azul num horizonte bem sugestivo. São nesses intervalos, entre essas pausas para orações e meditações… Que a vida dessa gente acontece! Ou deixa de existir…
Onde os recados, ou mesmo os apelos, por vezes até salta de um terraço para outro, conscientemente ou não, inconsequentes ou não… São gritos emudecidos até pelo medo de que acabe levando a barbárie para esse outro o qual o seu silêncio, ou mesmo a sua admiração, mais do que um pedido de ajuda, seria como um colírio para olhos já tão cansados de chorar… Quiçá, por um pedido de amizade… Mas aí quando esse outro atenta… Já era! Que por sua vez, por certo irá pesar na balança naquela absolvição o qual mencionei mais acima, mesmo tendo sido noutra das histórias mostradas em “Os Terraços“.
São várias reflexões que o Diretor Allouache nos deixa em “Os Terraços“. Uma delas até pela visão de uma das personagens, uma cineasta que em um dos terraços tenta mostrar a toda a beleza de Argel para um documentário, o “Argel, Joia do Mundo Árabe“. Não apenas por terem diante de si todo o esplendor do Mar Mediterrâneo, a jovem pede ao cameraman que tente não posicionar referências a outras religiões…. Onde mesmo querendo dar a capital uma cara de cartão postal, ou uma identidade própria… Fica difícil até por ser uma cidade sobrevivente a décadas de lutas internas… Fica difícil não expor uma violência que já impregnou em muitos habitantes… Uma violência que pode estar logo ali bem próximo a ela… Ou como num outro terraço, e num bairro mais popular, o manter um ente familiar em cativeiro, foi por sua proteção… Mas sobretudo uma violência que pesa muito às mulheres! Até porque os homens se veem como donos delas…
“Os Terraços” é um filme até para ser revisto! Não apenas pelo olhar inquietante de Allouache, ou até por conta disso, mas mais por expor vidas humanas sem máscaras. São dramas forjados também desamparo da política local: faltam moradias, água… Num país rico em petróleo, são desigualdades sociais que já deveriam terem sido sanadas… É o retrato de uma sociedade que até saltou dos apartamentos já tão apinhados de gente para “puxadinhos” em alguns desses terraços… Uma favelização que irá sentir a “força” da especulação imobiliária…
Paro por aqui! Para não tirar a surpresa de quem ainda não viu, como até motivando aos que já viram em ver de novo. Pois embora “Os Terraços” traga contextos bem fortes, até cruéis, o filme deixa uma leve sensação de que há esperança na humanidade. Mesmo que pela curiosidade ainda inocente de uma criança! Parabéns ao Diretor Merzak Allouache! Um Filme Nota 10!
Os Terraços (Les Terrases. 2013)
Ficha Técnica: na página no IMDb.