Depois da Vida (After Life. 2009)

A cada dia de vida é também um de despedida. E.B.

After Life

Viver nada mais é que morrer a cada dia. Viver é para poucos. A única certeza da vida é a morte. Ninguém sabe o dia de amanhã. Para morrer, basta estar vivo. Está achando o assunto macabro? Quem aqui nunca ouviu ou pronunciou alguma dessas frases? Lembrei-me desse assunto após assistir ao filme After Life (Depois da Vida), que considero o mais instigante dos recém-lançados. Este ‘garimpei’ numa locadora. Há tempos uma história assim não mexia com o meu emocional, o último foi Império dos Sonhos de David Lynch. After Life é um thriller de terror psicológico. Um jeito despojado de contar uma história banal num formato poético e com pitadas de humor negro. O tema nada mais é que um assunto que está super na moda ultimamente no mundo da sétima arte: o que acontece depois que se morre? Existe vida após a morte? Vide Nosso Lar, Chico Xavier, Além da Vida (com Matt Damon) etc, entre outros em cartaz. É o primeiro longa da diretora e roteirista polonesa Agnieszka Wojtowicz-Vosloo que chegou ‘grande’, não deixando nenhuma dúvida para o que veio. O elenco foi cuidadosamente escolhido, contando com a talentosa Christina Ricci que me surpreendeu desde cedo em A Família Adams; o carisma de Liam Neeson no magistral filme A Lista de Schindler e os outros gabaritados, como Alfred Molina, Justin Long, Josh Charles e ainda Chandler Canterbury.

Depois da Vida é um filme inteligente e original. O mais intrigante do ano de 2010. O expectador sai da sessão sem saber o final. E vai discutir em rodas de amigos e cada um argumentará e defenderá seu ponto de vista e não se chegará a conclusão alguma. A dúvida persistirá. Vai se pensar neste filme por um longo período. Talvez chegue a um denominador comum guiado pelas pistas e sinais deixados no decorrer da história. Talvez predomine o bom senso. Mas será o final que de fato o diretor formulou para prevalecer? É uma obra aberta, não escancarada e depois de pronta não tem mais dono, pertencendo a quem se apossar dela, então posso resumir a história que em nada influenciará a quem ainda não assistiu, ou a parte que me pertence.

É a história da jovem Anna (Christina Ricci) que depois de sofrer um acidente de carro é levada para uma funerária local a fim de que seu corpo seja preparado para o velório. A partir daí coisas estranhas começam a acontecer. Ela parece estar viva. Morreu ou não morreu? Eis a questão. O agente funerário Eliot Deacon (Liam Neeson) pode ser um maníaco e a jovem estaria correndo risco de vida (?) e prestes a ser enterrada viva. É tudo verdade ou imaginação?

Confusa, e sentindo-se mais viva do que nunca, começa o drama e a agonia de Anna que enfrenta o diretor da funerária. Anna é (era) professora de ensino fundamental, e nesse dia, coisas estranhas acontecem com ela. O namorado, logo cedo na cama, percebe que ela não estava bem. Ambos vão para o trabalho e combinam de sair para jantar nessa noite. Nesse mesmo dia, após o trabalho, Anna vai à funerária para o velório de um amigo. Lá ela percebe que o defunto se mexe. Seria imaginação dela? Depois Anna resolve passar num salão de cabeleireiro para mudar radicalmente o visual, substituindo o tom escuro dos cabelos para um vermelho vivo. No meio do jantar, o seu noivo decide fazer duas surpresas: entregando-lhe um anel como pedido de casamento e informando que fora promovido e que seria transferido para outra cidade e ela deveria acompanhá-lo nessa mudança. No meio da conversa nesse jantar, Anna entende tudo errado, o casal discute no restaurante, e ela nervosa, sai desesperada, dirige em alta velocidade e acaba sofrendo um acidente. Somente a família é avisada e Paul, o noivo, por enquanto nada sabe.

Paul estranha que nessa noite sua noiva não voltou para casa, nem fazia idéia que nesse momento ela já se encontrava numa funerária. A mãe de Anna vai à funerária e decide enterrar sua filha dois dias depois do ocorrido. Lá começa algo sobrenatural entre a morta (?) e o diretor da mesma. Eliot prepara a moça para o funeral e a partir daí é com o expectador, e começa a viagem entre o estar ou não vivo/morto. Anna não acredita estar morta, apesar de o diretor da casa funerária lhe garantir que ela se encontra numa fase de transição para o “pós-vida”. Anna pergunta como ela pode estar morta se está conversando com ele. E ele lhe responde que tem a capacidade de conversar com os mortos. Afinal, quem está enganando quem? Anna tem certeza que não morreu. O agente funerário lhe aplica uma injeção e inventa uma história dizendo que é para o cadáver estar apresentável no velório. O expectador poderá transitar nessa história entre a verdade e a mentira; morte e vida, natural e sobrenatural algumas vezes. Há situações dando a atender que ela está viva: em um momento, Anna fica sozinha e Eliot esquece a chave da sala lá, e ela tenta sair, mas a chave quebra, e ele, o diretor da funerária, quando descobre que a esqueceu, volta desesperado para lá e sente-se aliviado por saber que ela não conseguiu sair. É uma aventura e tanto desvendar esse mistério, não acha?

A diretora magistralmente desconstrói o gênero terror, e sob uma nova ótica, num exercício elegante e excitante brinca, criativamente, com a metalinguagem. Brinca também com o expectador e inova com as convenções cinematográficas. Reorganiza os signos lingüísticos e seus significantes e significados de Morte, Pós-Morte e Vida. Caríssimo, conhece aquela outra frase “Tem muita gente que já morreu andando por aí e não sabe.”? Pois então, o expectador sai meio angustiado da sessão, também pelas dúvidas que inconscientemente são plantadas na mente. Além de tentar descobrir o que aconteceu com a personagem terá que descobrir o que acontece consigo mesmo. Talvez você se pergunte será que estou vivo? É bom estar vivo? Eu quero estar vivo? Ainda bem que estou vivo? Eu morri? Eu morri e não sei? Isso tudo não passa de brincadeira de mau gosto? Só se pensa na própria morte quando alguém próximo morre. Vai querer resolver isso num divã. Diria que é novo formato de narrar o sobrenatural, em poético-dramática sacudindo o “da poltrona” a fim de despertá-lo para a vida e para todas as reflexões possíveis, sobre a grande arte de se viver.

Há várias pistas para o expectador tentar desvendar o mistério que paira sobre After Life, entre estar vivo ou não, a protagonista morreu ou não? Decifre, se for capaz! Quando Anna está finalmente preparada para que velem o seu corpo, Eliot, pergunta-lhe se ela deseja sair para a vida ou continuar lá. Agora é com você, leitor, se quiser descobrir o final da história, não deixe de assistir.

Excepcional. Realmente cinema é a maior diversão. Psiu! Ei, você aí que está vivo, não deixe de testemunhar esta história!
Karenina Rostov

Agradecimento: Tiago Soares – Criador do desenho acima
*

Sinopse: Após sofrer um terrível acidente de trânsito, Anna (Christina Ricci) desperta sobre a mesa de trabalho de uma funerária. Eliot Deacon (Liam Neeson), o diretor do local fala que ela não está viva, mas que se encontra na transição entre a vida e a morte e que ele pode falar com ela porque tem a capacidade de se comunicar com os mortos. Assim, ele é o único que pode lhe oferecer ajuda. Paul (Justin Long), o noivo de Anna, sente que algo não vai bem e tem a percepção de que alguma coisa estranha acontece na funerária onde o corpo de sua noiva está sendo preparado para o funeral.

Título Original: Além da Vida

Gênero: Suspense / Thriller / Drama

Direção: Agnieszka Wojtowicz-Vosloo

Elenco: Liam Neeson, Christina Ricci, Celia Weston, Justin Long, Chandler Canterbury, Luz Alexandra Ramos

Ano de Produção: 2009

Lançamento Dezembro: 2010

Origem: EUA

Duração: 104 minutos

Esquadrão Classe A (2010)

Em um tempo onde coisas coloridas com as calças do Tiririca é a moda e poluem nossos jovens, e vampiros maquiados dita a qualidade das obras destinadas à diversão cinematográfica, baixo minha cabeça e rezo para a boa e velha diversão de qualidade. Ainda que alguns tentem manter isso e levam a sério a coisa, produzindo obras respeitadas, mas com defeitos bobos, como o recente Homem de Ferro 2, que mesmo eficiente acaba de auto flagelando nos próprios erros consegue ser divertido a beça e nos entreter com dignidade, o que podemos notar é um quase apocalipse cultural. As músicas boas tornam-se escassas e os filmes divertidos de verdade acabam se resumindo em saudosas reprises em nossos DVDs ou sessões na TV.

Mas os poucos que lutam para a boa qualidade dos filmes de ação e do entretenimento puro e verdadeiro estão aí. Veio o excelente Kick Ass e agora, me deparo com esse surpreendente Esquadrão Classe A. Antes que faça julgamento errado de mim, o filme é sim, cinematograficamente falando uma bela bosta. Mal dirigido, uma edição porca, clichês e canastrices. Mas tudo isso, é feito com uma maestria digna, e todos os elementos ruins aqui são saudosistas, e nos divertem como nossos amados clássicos absurdos e eternos dos anos de Sessão da Tarde e Cinema em Casa. Trata-se de um filme tão bacana, tão empenhado em divertir, que perdoamos suas falhas e caímos de cabeça. E suas duas horas que passam voando compensa o ingresso.

Baseado em uma famosa série de TV dos anos 80 (olha que coisa), o filme acompanha 4 soldados que trabalham por conta própria. Liderados pelo sistemático e esperto Coronel Hanibal Smith (Lian Neeson), Cara de Pau (Bradley Cooper), Murdock (Sharlto Coopley) e B.A. (o ex lutador de vale tudo Quinton Jackson) usam planos altamente estudados e realizam todo tipo de missão impossível. Em uma delas, a de evitar que placas de falsificação de dólares cheguem em mãos erradas acompanhado de milhões da moeda já falsificados, acabam vítimas de uma traição e vão presos. Com a oportunidade de escapar da prisão e limpar seus nomes, iniciam um plano que dará fim ao esquema e limpará seus nomes.

Joe Carnahan conduz o filme com todo tipo de artifício que lhe foi concebido: efeitos especiais usados até a exaustão, tomadas aéreas vertiginosas, roteiro com as mais mirabolantes idéias e claro, atores que, ainda que canastrões, muito carismáticos, e que fazem a coisa toda valer a pena. Cada clichê que ele insere em cena funciona, e sem exigir muito (coisa que não dá num filme como esse) acaba se divertindo a beça com material de qualidade.

Ao contrário de seres como Michael Bay e Rolland Emmerich, que fazem obras moralistas e carregadas de seriedade quando deviam ser desligados disso, Joe consegue bolar dentro das próprias mentirosas seqüências, momentos divertidos e ritmados, demonstrando estar bem a vontade no filme. Mesmo que desembeste e perca a mão fazendo comprometer o que estava construindo (o que explica a direção ruim) abusando de cortes e cenas montadas em um triturador, o que ele faz é deixar a coisa toda tão descompromissada e se diverte, bem como quem assiste.

Cenas como, o grupo planejando um ataque e ao mesmo tempo o ataque acontecendo, ou a já antológica cena do tanque de guerra (sim, muito boa mesmo!) só mostram isso. E o nível de baboseiras absurdas só fazem o filme crescer no meu conceito. Ele abraça a filosofia do “é um merda, vamos nos divertir com isso”, bem como os filmes de ação das antigas.

Claro que, sem querer comparar com obras inesquecíveis como Máquina Mortífera, Rambo ou Bradock ou qualquer coisa do Charles Bronson, mas a partir do momento que o diretor demonstra culhão suficiente para despir a roupa de cineasta de filmes mais sérios, como o fodaço Narc, ou filmes de ação mais inteligentes como A Última Cartada e se assume um ótimo condutor de aventuras descerebradas, já merece atenção.

O chato é ver a turma abrir mão desses filmes com essa proposta (a de divertir acima de tudo sem outros métodos ou artifícios) para acompanhar a vampirada boiola ou os filmes que lotam as salas 3D. Para isso, Joe nos brinda com outra passagem deliciosa, onde ele alfineta com gosto esse tipo de filme: num sanatório onde esta rolando um filme em 3D. A reação dos pacientes é a grande piada.

Explosões, piadas e frases de efeito, situações cômicas – involuntárias ou não – e saio do cinema feliz. Me diverti por duas horas com um filme imbecil e adorei. Lian Neeson, que errou feio em Fúria de Titãs ganha meu respeito de novo com seu charuto e dizendo ficar louco quando um plano dá certo. Bradley e Sharlto, vindos do hilário Se Beber não Case são os que se mostram ainda mais bem a vontade. Sharlto principalmente, o filme se torna mais agradável devido a seu personagem idiota. Bradley que se mostrou um pouco desconfortável, mas ainda assim se saiu bem. Não dá de exigir a melhor atuação do cinema em um filme desses.

Quinton Jackson, o estreante, é a cara do Mr. T, o eterno B.A. da série original, e ele em seu primeiro filme, consegue ser melhor que a veterana (e infelizmente um dos calcanhares de Aquiles do filme) Jessica Biel. Ela é toda perdida e não é de nenhuma relevância dentro do filme. O show mesmo é ver os 4 juntos com suas palhaçadas e vontade de salvar o mundo destruindo metade dele.

E diferente de bombas como G.I. Joe, Esquadrão Classe A não é aparentemente tão idiota e mesmo o sendo, é tão eficiente e mais divertido, que compensa a assistida. E seus atores são melhores que os do filme do Sommers, que diga-se de passagem, é uma bela bosta. Com esse aqui é diferente. É tudo tão errado que dá certo, e as diversões “sadias” de minha infância voltam com ar saudoso e cara de século XXI. Adorei Esquadrão Classe A e indico a todos que procuram diversão das boas.

Nota: 8,0
Cotação: *****.

The A-Team, EUA (2010)

Direção: Joe Carnahan.
Atores: Liam Neeson , Bradley Cooper , Sharlto Copley , Quinton Jackson , Jessica Biel.
Duração: 124 minutos.
“Se você tem um problema, se ninguém pode ajudá-lo e se você puder achá-los, talvez você possa contratar o Esquadrão Classe A”

Batman Begins (2005)

batman-begins_cartazBatman Begins é o 1º filme a mostrar como ocorreu o assassinato dos pais de Bruce Wayne como é realmente nos quadrinhos. A situação também foi mostrada em Batman (1989), mas com o personagem Coringa como autor do crime, o que não ocorre nas HQs.

BATMAN BEGINS (Batman, o início ou, literalmente, Batman começa) deixa a desejar. Tem muita ação para pouco conteúdo. Nada resta da psique atormentada que Tim Burton atribuíra ao personagem em Batman I. O Batman de Christopher Nolan é, nesse sentido, uma planície sem profundidades. Pior porque de Nolan – que dirigiu o excelente Amnésia – sempre faz o espectador esperar mais. Mas o que oferece é um pastiche.

A história tenta inovar: Bruce Wayne (Christian Bale) vê os pais serem assassinados e, cheio de fúria, resolve estudar a mente criminosa para fazer justiça e punir os criminosos. Antes de virar o homem-morcego, vai a um mosteiro oriental de uma seita de fanáticos autoproclamados justiceiros, a Liga das Sombras, de onde sai perito em técnicas de combate, em artes ninja etc., ensinado por seu orientador interpretado por Lian Neeson. O espectador medianamente conhecedor de cinema logo reconhece o tema do homem que vai a um mosteiro zen e volta de lá conhecedor de habilidades combativas e com certos poderes psíquicos: citação descarada a O Sombra (The Shadow).

batman-beginsA partir daí Bruce, sempre acompanhado pelo mordomo Alfred (Michel Caine, soberbo como sempre), transforma-se em Batman, personalidade tirada de seu medo por morcegos. Outro que o ajuda é um inventor ou sujeito a cargo de inventos militares, interpretado por Morgan Freeman, aliás em personagem que nos faz lembrar logo de Q., inventor das engenhocas de James Bond. Por fim, há o sargento O’Hara (antes de subir de patente), encarnado pelo camaleão Gary Oldman. E lá vai Batman combatendo o crime organizado. Propositadamente o clima é “sombrio”, mas eu diria que é mais “escuro” – Nolan não soube traduzir em imagens a “sombriedade” de Batman, ao contrário de Burton, que faz de Gothan City uma representação exterior da alma sinistra de Batman (um velho truque do expressionismo alemão). Não só Gothan era o espelho de Batman, também o Asilo Arkhan (nome de uma cidade amedrontada por feiticeiros num filme de Roger Corman) reproduzia a loucura sem disfarces que poderia ser a alma de Bruce Wayne, não fosse sua sublimação – em Arkhan estão aqueles que afundaram no inferno de Tanatos e a ele sucumbiram. Mas aqui Gothan é só uma cidade corrupta e futurista. Ponto pra Burton. No meio da história surge o Espantalho causando medo com uma substância criadora de pânico.

O próprio Batman é uma figura decepcionante nas mãos de Nolan. Primeiro porque Christian Bale lembra George Clooney, que encarnou o neo-vampiro sob o feérico Joel Schumacher – e afundou Batman, numa concepção bem emo. Além do mais Bale está péssimo sob a máscara do morcego. Em close mostra uma cara gorda. Batman merecia mais respeito, sobretudo porque a idéia era partir da HQ de Frank Miller “O cavaleiro das trevas”, que ressuscitou Batman.

batman-begins_01A psicanálise nem tem nada a fazer aqui. O Batman de Nolan não tem profundidade que sirva a uma análise, no máximo daria para uma “interpretose”. Burton faz o espectador entender que Batman é tão cruel quanto os psicopatas que combate, porém se redime porque sua agressividade, sua pulsão de morte, está a serviço da justiça, logo da pulsão de Eros e da vida. O Batman de Nolan age por raiva inexplicada, já que ninguém vira vingador porque viu os pais serem assassinados. Pode virar policial, advogado ou criminoso, sabe-se lá. Mas o motivo é muito fraco, isso desde que Bob Kane criou o personagem e teve problemas com a censura americana por causa da violência do morcegão. Parece que só Miller – e Burton – sacaram que Batman encontra na morte dos pais o significado (da qual o Batman é o significante) para soltar as feras.

Batman Begins termina prometendo a aparição do Joker ou Coringa. E ele aparece em Cavaleiros das Trevas…

Saudações Vampirescas.

Por: Vampira Olímpia.

Batman Begins
Direção: Christopher Nolan

Gênero: Aventura, História em Quadrinhos, Ação, Suspense
EUA – 2005

Mito e Psique em Star Wars

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Por: Eduardo S. de Carvalho.

Difícil justificar de modo sintético todo o fanatismo em torno da série Star Wars. Qualquer adulto com um mínimo de bom senso saberia tratar-se de mera fantasia sci-fi, uma atualização dos velhos filmes de faroeste ou de samurais produzidos em décadas passadas. Porém, George Lucas sabe que cinema é apenas isso; ou melhor, é muito mais do que isso. Prova disso é a fonte inspiradora mais próxima do primeiro filme da série, uma fita de Akira Kurosawa, A Fortaleza Escondida. A sinopse pode dizer alguma coisa: um rapaz e um mercenário têm que levar uma princesa a uma fortaleza infestada por vilões … junte-se a obra de Kurosawa a O Senhor dos Anéis, de Tolkien – leitura assumida de Lucas –, e você terá a fórmula responsável pelo sucesso alcançado em 1977, quando o primeiro Guerra nas Estrelas, hoje mais conhecido como Episódio IV – Uma Nova Esperança, foi lançado.

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Com o fim da saga, trinta anos depois de seu início, podemos ver toda a estória com mais objetividade. No primeiro filme, Lucas reforçou os aspectos míticos de Luke Skywalker, que nada mais é do que o herói arquetípico junguiano. A ausência da família, o mentor espiritual, a irmandade em torno do objetivo comum, o enfrentamento com a sombra – o próprio pai do protagonista – , não passaram desapercebidos a Joseph Campbell, em seu O Poder do Mito. Até os irmãos Wachowski terem criado o messiânico Neo em Matrix, e Peter Jackson ter filmado a obra de Tolkien, a primeira trilogia de George Lucas tinha ao menos a originalidade em mostrar o caminho de Skywalker à individuação, tal qual a teoria apresentada por Jung.

Tanto quanto o apelo dos efeitos especiais, podemos notar o quanto esse aspecto atrai e encontra eco em nossa psique. Filmes como Guerra nas Estrelas remetem o espectador a um mundo heróico, ideal, onde tudo é definido prontamente. Se cada um puder se lembrar, retornará a uma infância povoada por estórias fantásticas e contos de fadas, contadas por nossas mães, nossas avós. Tais estórias são atualizações de tradições orais míticas, que perdem-se na noite longínqua de nossos ancestrais. Freud aponta similaridades entre o pensamento mítico das primeiras culturas e a psique infantil, desde seu Totem e Tabu. Os trabalhos de Jung, e especialmente de Melanie Klein junto à criança, apontam para esse núcleo, aprofundando as primeiras conclusões do pioneiro da psicanálise.

Segundo Klein, as primeiras relações do bebê, imerso em fantasias que originam um mundo interno, são com objetos parciais. A criança não distingue a parte do todo, tomando a parte como se fosse o todo. Para exemplificar, Klein elegeu a figura do seio materno como símbolo dessas relações fantasiosas, uma vez que o bebê não vê a mãe como um ser completo e distinto dele. Há o seio bom, aquele que alimenta, aconchega, gratifica; o seio mau afasta-se, provoca fome, medo, deixando o bebê com raiva e ansiedade por não saber se sobreviverá sem tal objeto. A criança acredita ter criado tais objetos, uma vez que essa fase é extremamente narcísica, e aponta para a onipotência como importante característica.

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Há ainda a possibilidade de que a criança tenha dificuldades em reconhecer e aceitar que ambos sejam o mesmo objeto, e que exista independente de sua vontade. De acordo com o desenvolvimento psíquico do indivíduo, essa visão dicotômica da realidade externa, onde tudo é polarizado em bom ou mau, claro ou escuro, poderá perdurar por muito tempo após a infância, e o adulto não saberá lidar com um mundo muito mais complexo do que este, dividido simplesmente em Lukes e Darth Vaders.

A segunda trilogia traz uma sutil diferença em relação à primeira. Enquanto os primeiros filmes possuíam uma dimensão mítica que trazia implícito o conflito do protagonista com o relativo e o absoluto, os episódios I, II e III mostram como ambas as polaridades encontram-se naturalmente no mesmo indivíduo. Deficiências dramáticas do roteiro à parte, o tema que perpassa os três últimos filmes de George Lucas é a possibilidade de cada um apresentar sentimentos condenáveis, sem ser mau em sua essência.

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Através de Anakin Skywalker, é apresentada uma ambivalência que inexistia nos primeiros filmes (escute com atenção o tema de Anakin na trilha sonora do Episódio I, onde as últimas notas remetem à Marcha Imperial da primeira trilogia). O garoto é apresentado como um messias, “aquele que trará equilíbrio à Força”. Para nossa surpresa, a visão de Lucas amadurece aqui, escapando às tendências maniqueístas da primeira série; esse equilíbrio dá-se justamente pela metamorfose de Anakin Skywalker em vilão, junto ao imperador. Está derrubada a barreira da dualidade; é justamente por amor, considerado o mais sublime dos sentimentos, que nasce Darth Vader.

Retomando as idéias de Melanie Klein, o ser humano possui uma tendência psíquica à integração do ego. Junto ao desenvolvimento natural do sistema nervoso, esse ego em processo de amadurecimento seria responsável pelo reconhecimento de um mundo ambíguo, onde a convivência com todas as gamas do espectro emocional é possível. A criança, antes envolvida por visões incompletas da realidade externa, consegue unir os objetos bons aos objetos maus, enxergando-os como um só, integrando, assim, seu mundo interior ao mundo exterior. Os pais deixam de ser deuses ou demônios; tornam-se meros mortais. Embora não o tivesse dito claramente, a maturidade psíquica para Klein envolve a passagem de uma visão mítico-religiosa do mundo para uma visão mais abrangente e sutil, onde todos temos o direito de sentir, pensar e agir conforme nossos sentimentos, sempre dentro de limites sócio-culturais.

Enquanto não reconhecermos esse nosso “lado negro da Força” – as pulsões mais destrutivas de nosso inconsciente – , corremos o risco de cair no seu abismo.

Por tal ponto de vista, o personagem de Lucas que fecha seu ciclo psíquico por completo é Anakin Skywalker: nasce como salvador, sucumbe às forças pulsionais de sua psique, e gera aquele que o destruirá. No entanto, é através da morte de Darth Vader pelo próprio filho que Anakin renasce, mesmo que por alguns instantes. Passando pelo céu e pelo inferno, Anakin torna-se, enfim, apenas – e demasiado – humano.

Guerra nas Estrelas (Star Wars). EUA. Direção e Roteiro: George Lucas. Gênero: Ação, Aventura, Fantasia, Sci-Fi.
# Episódios:
I. A Ameaça Fantasma. Direção: George Lucas. 1999.
II. O Ataque dos Clones. Direção: George Lucas. 2002.
III. A Vingança dos Sith. Direção: George Lucas. 2005.
IV. Uma Nova Esperança. Direção: George Lucas. 1977.
V. O Império Contra-Ataca. Direção: Irvin Kershner. 1980.
VI. O Retorno de Jedi. Direção: Richard Marquand. 1983.
# Personagens:
– Anakin Skywalker (epis. I Jake Lloyd) (epis. II e III : Hayden Christensen) (epis. VI Sebastian Shaw).
– Darth Vader (epis. III Hayden Christensen) (epis. IV, V, VI David Prowse) (epis. III, IV, V e VI dublando a voz: James Earl Jones)
– Obi-Wan Kenobi (epis. I, II e III Ewan McGregor) (epis. IV, V e VI Alec Guiness)
– Luke Skywalker (epis. IV, V e VI Mark Hamill)
– Princesa Leia (epis. IV, V e VI Carrie Fisher)
– Han Solo (epis. IV, V e VI Harrison Ford)
– Padmé Amidala (epis. I, II e III Natalie Portman)
– Mace Windu (epis. I, II e III Samuel L. Jackson)
– Mestre Yoda (performance Frank Oz) (epis. I, II ,III,V e VI)
– Chewbacca (epis. III, IV, V e VI Peter Mayhew)
– C-3PO (epis. I a VI Anthony Daniels)
– R2-D2 (epis. I, III, IV e VI Kenny Baker)
– Lando Calrissian (epis. V e VI Billy Dee Williams)
– Palpatine/Darth Sidious(epis. I, II ,III,V e VI Ian McDiarmid)
– Conde Dookan/Darth Tyrannus(epis II e III Christopher Lee)
– Qui-Gon Jinn -(epi. I Liam Neeson).
# Música John Williams acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Londres.

Café da Manhã em Plutão (Breakfast on Pluto. 2005)

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A vida pode não parecer um conto de fadas. De começar como num conto infantil: “Era uma vez…” Mas que mal há em fantasiar trechos que ficaram perdidos? Ou desconhecidos. Em dar um colorido as páginas em branco?

É meio por aí que Kitten nos leva juntos: ao contar do seu jeito como tudo começou. Um bebê deixado num cestinho à porta do Padre local junto com o leite para o café da manhã… e por uma jovem.

Ele então é criado por uma família. Que com o passar dos anos, não gosta do que ele é de fato – um homossexual. Mas mesmo diante dessa opressão não revida com a vida.

Num intuito maior em descobrir quem é a verdadeira mãe, em saber o porque de tê-lo abandonado, descobre algo maior – e toma um café da manhã com ele.

E paralelo a isso vai levando a vida com o seu jeito meigo de ser.

Assisti o filme encantada! E no balanço das músicas, ficou um gosto de querer rever outras vezes. Ah! Outro ponto positivo desse filme é a participação, excelente por sinal, de um jovem com Síndrome de Down.

Nota: 10.

Por: Valéria Miguez.

Café da Manhã em Plutão (Breakfast on Pluto). 2005. Irlanda. Direção e Roteiro: Neil Jordan (The Crying Game). Com: Cillian Murphy, Liam Neeson e Stephen Rea. Gênero: Drama, Comédia. Duração: 135 minutos.