Julie e Julia. Muito Além de uma Terapia Ocupacional

O filme tem um certo charme. Meril Streep só não rouba todo o filme porque dois personagens masculinos foram bons também: Stanley Tucci e Chris Messina. A Amy Adams não fez feio, mas pelo personagem em si deixou uma dúvida: se uma outra atriz teria feito melhor. ‘Julie e Julia‘ é um bom filme, mas que poderia ter sido ótimo se Nora Ephron tivesse enxugado um pouco. Não precisava se alongar.

Nas cenas onde Julie (Amy Adams) cozinhava eu ficava pensando em Juliette Binoche, de ‘Chocolate’. Mesmo sem querer comparar performance me perguntava se daqui a um bom tempo eu ainda lembraria dela como da personagem de Binoche nesse filme. Ou mesmo em outras personagens que mostraram que a arte culinária também é um ato de amor e sedução. Como a Dona Flor, de ‘Dona Flor e Seus 2 Maridos’. Esse é um lado que eu também gosto. O de cozinhar por prazer, e não por obrigação. Já com a personagem Julia, de Meryl Streep, em certas cenas me levava a pensar nas paródias. Até tem uma no filme. Com certeza sua personagem é de atrair charges & afins. Pela comicidade. Pelo porte. Agora, não tem como se encantar com ela. Meryl nos leva a não pensar em nenhuma outra atriz, nem muito menos em nenhuma das personagens que interpretou ao longo da carreira. Bravo!

No tempo presente – 2002 -, temos Julie (Amy Adams) indo morar no Queens, com o seu marido, Eric (Chris Messina). Ela perdeu um emprego numa Editora. Assim não se viu motivada a terminar um romance. Indo trabalhar num Grupo de Apoio as vítimas do Wolrd Trade Center. Desencantada da vida, desestressava cozinhando. E entre provas e desabafos com Eric nasce a idéia de um criar um Blog. Mais! De nele contar o seu novo Projeto: de preparar todas as receitas do livro de Julia Child. O ‘Dominando a Arte da Culinária Francesa’ (Mastering the Art of French Cooking). E por achar que tem Distúrbio de Déficit de Atenção (DDA), Julie impõe a si um prazo: de em um ano para preparar as 524 receitas do livro.

Paralelo a essa história o filme recua no tempo entre as décadas de 50 e 60. Julia (Meryl Streep) está chegando em Paris. Seu marido, Paul (Stanley Tucci), Diplomata, fora designado para atuar na capital francesa. Julia fica encantada com tudo. Principalmente com a culinária francesa. Até porque, quando numa conversa com Paul sobre estar entediada diz que adora comer. Brincadeiras à parte Julia se propõe a aprender a cozinhar os pratos franceses. Assim se matricula no Le Cordon Blue.

Por lá encontra um osso duro de roer: a diretora. Mas decidida, Julia investe todo o seu tempo nesse aprendizado. E por tabela conhece duas mulheres que sonham publicar um Livro de Receitas. O que dará mais molho nessa sua estada na França. Além de sobrar para Paul, uma investigação. Época do Macartismo nos Estados Unidos.

Se com o passar dos anos o tempo não deu filhos a Julia e Paul, o amor que sentiam um pelo o outro manteve acesa a chama até o final. Paul também foi um grande incentivador da esposa. Por esse seu lado profissional.

Já Julie e Eric tiveram uma pequena separação. Mas voltando logo às boas. Por ainda estarem começando a vida de casados, filhos ainda não estavam nos planos do casal. Tinham um gato. Eric também incentivava a esposa nesse seu novo lado profissional. Mas ainda reticente quanto a ela contar as intimidades do casal no Blog. Até o Chefe de Julie lhe pede que não fale dele no Blog.

Julie era fã de Julia desde criança. Dai a escolha para o seu Projeto. Mas Julia não entendeu, ou não explicaram direito para ela. Mesmo assim Julie a tinha como um ícone a ser respeitada e amada. Indo conhecer a cozinha de Julia, não dentro da casa dela, mas num Museu.

Julia se propôs a aprender as receitas e então descrevê-las em inglês. Não conheço o livro, logo não sei se há as histórias sobre a preparação de cada uma delas. A Julie pegou essas receitas e as colocou para uma linguagem atual para atingir pessoas sem intimidades com a cozinha. Mesmo que Julia tenha dado novos ingredientes a algumas receitas, a base já existia. Não sei, mas para mim ficou a idéia de que Julie trouxe Julia de volta à mídia. Que virara peça de museu. Creio que se Paul estivesse vivo, faria as duas se encontrarem.

E aqui é algo a se pesar. Nós que escrevemos nessa mídia de certo modo estamos falando de outras pessoas. Quando não são fictícias invadiremos suas vidas. Faremos uma exposição delas. Sem nem perguntarmos se elas querem. Eu me coloquei mais no lugar da Julie, do que da Julia que se sentiu usada. Porque em meus textos eu também analiso, descrevo a obra de alguém; no caso: filmes. Esse é um recado que a Nora Ephron deixa nesse filme. Fica como um alerta para que nesse contexto sejamos originais. Que mantenhamos nossa identidade. Que se alguém se sentir “usada” que veja que estamos junto nisso.

Como viram ‘Julie e Julia‘ conta a história de duas donas de casas que descobriram na culinária as suas vocações. Ou através dela, já que lançaram livros. E o filme é baseado numa história real. Aliás, em duas histórias. Duas autobiografias de sucesso: ‘Julie & Julia’, de Julie Powell e ‘My Life in France’, de Julia Child com Alex Prud’homme.

Como disse no início, se o filme fosse mais curto eu voltaria a revê-lo outras vezes mais. Assim do jeito que está, só se avançando certos trechos. Para então rever a Julia Child de Meryl Streep. Ela está impagável! Mas me perguntei também se fui com muita sede ao pote. Não sei. O que sei é que queria que esse filme me arrebatasse. Que eu o achasse excelente! Acho melhor parar por um tempo de assistir filmes sobre donas de casas. Por não me empolgar por isso. De qualquer jeito, só em ver a Julia da Meryl já vale pena. Eu recomendo!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Julie e Julia (Julie & Julia). 2009. EUA. Direção e Roteiro: Nora Ephron. +Cast. Gênero: Biografia, Comédia, Drama, Romance. Duração: 123 minutos.

As Horas (2002). Uma Leitura Através da Filosofia de Martin Heiddeger

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As Horas” é um romance escrito em 1998 por Michael Cunningham e que lhe rendeu, no ano seguinte, o prêmio Pullitzer para a categoria ficção. Em 2002, sob direção de Stephen Daldry e atuações de Nicole Kidman, Julianne Moore, Meryl Streep nosapéis principais e outros grandes nomes como John C. Reilly e Ed Harris como coadjuvantes, “As Horas” se tornou um dos grandes clássicos do cinema e traz consigo uma profunda reflexão em torno da angústia heideggeriana. Diferente do que acontece com frequência na transposição do livro para o cinema, “As Horas” é uma película formidável, que merece todos os tipos de elogios de seus telespectadores, contando com atuações espetaculares dos atores e atrizes que compõe o time, que traz a essência do livro com toda a perfeição e fidelidade necessária para a realização de uma grande obra cinematográfica.

O livro conta um dia de três mulheres em períodos distintos, entrelaçadas por um elo em comum: o romance “Mrs. Dalloway”. Durante o decorrer deste dia, iremos observar os contrastes e as imensas semelhanças na vida destas três mulheres, que compartilham o principal objeto de estudo para a realização deste texto: a angústia. A primeira cena do filme, que funciona como prelúdio, é uma descrição dos últimos momentos da vida da escritora britânica Virginia Woolf (25/01/1882 – 28/03/1941 – interpretada por Nicole Kidman), e reconta a história de seu suícidio, o que de fato aconteceu, derivado das constantes crises depressivas e acontecimentos que agravam o seu estado existencial, como a destruição de sua residência em Londres , durante o bombardeio realizado pela Força Aérea alemã durante a 2º Guerra Mundial.

Na manhã de 28 de Março de 1941, Virginia Woolf escreve dois bilhetes de despedida, um para sua irmã e outro para seu marido, Leonard Woolf, esclarecendo os motivos que lhe levaram a se suicidar. Escrita-se que estas sejam as ultimas palavras de Virginia para seu marido:
“Querido, Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer. Você me deu muitas possibilidades de ser feliz. Você esteve presente como nenhum outro. Não creio que duas pessoas possam ser felizes convivendo com esta doença terrível. Não posso mais lutar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. E você vai, eu sei. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que depositei em você toda minha felicidade. Você sempre foi paciente comigo e realmente bom. Eu queria dizer isto – todos sabem. Se alguém pudesse me salvar, este alguém seria você. Tudo se foi para mim mas o que ficará é a certeza da sua bondade. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos. V.”

A cena é retratada de forma magistral e exibe a nobre Virginia Wolf, escrevendo os bilhetes, abotoando os botões de seu roupão, fechando a porta de sua casa, caminhando por um bosque, colhendo pedras e colocando-as em seus bolsos e, finalmente, entrando num rio próximo a sua casa, paralelamente o seu marido entra em sua casa, encontra os dois bilhetes e os lê. Enquanto toda a cena se desenvolve, ouvimos a voz de Nicole Kidman dizendo os trechos do bilhete publicado acima. A cena é triste, porém muita bela e triunfante.

E é assim que se inicia “As Horas”, um filme sombrio e que nos leva de volta a nós mesmos, e nos faz refletir acerca de nossa existência.

Em 1923, observamos o dia de Virginia Woolf enquanto ela começa a escrever o romance “Mrs. Dalloway”, e planeja contar toda a história de uma mulher em um único dia. Paralelamente temos uma constante e sofrível luta de Virginia contra a sua própria loucura.

Em 1951 temos Laura Brown (interpretada por Julianne Moore), uma mulher que leva uma vida praticamente perfeita mas que sofre de um vazio sem explicação. O seu dia gira em torno dos preparativos para comemorar o aniversário do marido Dan Brown (interpretado por John C. Reilly), na leitura do livro “Mrs. Dalloway”, da autoria de Virginia Woolf, além de ficar evidente a sensação de se sentir estranha dentro de seu própria habitat. Laura está grávida e tem um filho de três anos de idade.

Em 2001, Clarissa Vaughan (interpretada por Meryl Streep) organiza uma festa para comemorar o prêmio literário que seu grande amigo Richard (interpretado por Ed Harris) – ex-namorado, homossexual, aidético e prestes a morrer – ganha por reconhecimento a um livro de sua autoria. A vida de Clarissa só tem sentido ao vivenciar a vida de Richard – que trata a amiga sempre por “Mrs. Dalloway” – a qual observamos a sua enorme angústia ao se deparar com o estado terminal de seu amigo, assim como as constantes tentativas de lhe proporcionar ânimo e alegria, até como forma de combater a sua própria angústia.

É notável o movimento a qual se desenrola toda a trama, sendo a ligação e os paralelos entre as três protagonistas que fazem de “As Horas” umas das grandes películas de nosso tempo. De tal forma, o livro não deve ser diferente. Apresentada a trama, vamos aproximar “As Horas” com algumas partes da filosofia heideggeriana. Primeiro é preciso retomar que, sendo a filosofia de Martin Heidegger uma filosofia muita abstrata, fica difícil entrar em consenso quanto a alguns significados, sendo a intuição o principal método utilizado para a compreensão da obra de Heidegger. Uma vez que possamos dizer que a angústia ôntica é aquela que tem origem no intra-mundano e que a angústia ontológica não tem origem e é causa de si mesma, representado apenas a dor e aflição de um nada sem explicação, estamos aptos a iniciar a reflexão.

A escritora britânica Virginia Woolf é vítima de fortes crises depressivas, têm consecutivos quadros de histeria e, consciente de seu estado mental, enfrenta diversas batalhas com a sua própria loucura até o momento que se sente incapaz de vencer sua doença e acaba cometendo suicidio. É evidente a angústia de Virginia, que está sempre a esperar que algo aconteça, e a ansiedade presente em cada hora de seu dia, onde é difícil conciliar os pensamentos com a realidade. Embora tenha o constante apoio de seus familiares, Virginia sente que seu quadro é irreversível e para aliviar as dores de seus sentimentos, procura fugir o máximo possível de si e do mundo, como que para procurar algo sem saber exatamente o que.

Podemos nos basear analisando duas cenas onde a tentativa de fuga e a oscilação do pensamento: uma é quando Virginia decide ir à estação de trem de sua cidade e, após se encontrada por seu marido, pede para sair da região a qual habitam em troca de uma cidade mais movimentada. É a tentativa de Virginia para acreditar que o seu problema se encontra na vida a qual ela vive, e que a mesma não representa a sua própria vontade. Assim como Virginia, existe uma gama de pessoas que procurar exteriorizar os seus problemas e acaba procurando uma solução fora de si. São inúmeros os casos de pessoas que vivem angustiada e para acabar com este sentimento escolhem mudar de cidade, de carro, trocar o guarda-roupa, reformar uma casa, etc. No princípio, existe uma disposição para que as coisas melhorem, visto que a novidade faz que a nossa mente se distraia de forma mais acentuada, porém, conforme o passar do tempo, a novidade deixa de existir e você passa a se encontrar consigo mesmo, se reencontrando com a angústia e tendo a necessidade de se distrair novamente.

A outra cena é quando Virginia escreve, num estado profundo, o seu livro “Mrs. Dalloway” e observamos que a protagonista da história é um retrato vivo da própria Virginia sendo ela por si mesma, ou seja, sem influência alguma do mundo exterior ou da sua própria doença. É durante a escrita que Virginia vive a angústia ontológica, que permite que se encontre com o seu Dasein – que está sempre aberto para o ser – e ela pode “vir a ser o que se é”, sendo que ela passar a existir até o momento em que ela para de escrever e se reencontra com sua vida. Heidegger diria que esta é uma vida inautêntica, pois sua angústia, que ele classificaria como ôntica, tem origem no intra-mundana, ou seja, tem causa no mundo exterior.

Neste caso, a origem é patológica, proveniente de uma doença como a depressão. Além disto Virginia está sempre a fugir de si mesma, tanto é que opta pelo suicídio para acabar com o seu sofrimento e o sofrimento de seus próximos, numa atitude de não aceitação. Esta não aceitação é que faz com que Virginia, mesmo atingindo a angústia ontológica em diversos momentos, procure uma explicação – até como princípio de distração – para sua própria angústia e acabe migrando para o estado de angústia ôntica, que é onde podemos nos arriscar a contextualizar os suicidas, que utilizam da morte como distração para por fim à angústia.

Laura Brown acorda sozinha em sua cama. Seu olhar é absorto. Fica claro que ela se sente uma estranha. A única coisa que parece lhe interessar é o romance “Mrs. Dalloway” que está em seu criado-mudo. Ao levantar observa que o seu marido já está de pé e que prepara o café-da-manhã para eles. Ele diz que não quer incomoda-la, afinal ela está grávida. Ele está alegre, alias é o seu aniversário. Laura finge para ele e para o seu pequeno filho uma sensação de felicidade que não existe. Ele se despede e vai trabalhar. Laura Brown acredita que ela deve fazer algo para comemorar o aniversário do bondoso marido e decide forçosamente a fazer um bolo. Mas é difícil. Laura não se sente à vontade, não se sente bem com a sua vida. Ela está angustiada e sua angústia não tem origem em nenhum acontecimento interior ou exterior. Esta á a angústia ontológica. Laura Brown passa a existir para Heidegger. Algo pede para ela se entregar a esta angústia, contudo ela hesita, não sabe o por que, da mesma forma que ela também não sabe porque se sente assim. Todos seus movimentos são incertos. Laura recebe a visita de uma antiga amiga e num momento acaba lhe beijando a boca, o que deixa o ambiente difícil e pesado, e faz com que sua amiga vá embora.

Nesta ultima cena podemos dizer que a amiga que Laura Brown procurava atender a necessidade de dar vida a esse apelo da vida causada por sua angústia ontológica, que pede insistentemente para fazer algo mas sem dizer o que é este algo, não obstante também podemos dizer que Laura Brown fez algo que sempre quis fazer, e estava no processo de humanização quando decidiu trocar sua vida inautêntica por uma vida autêntica, onde ela pudesse realmente fazer aquilo que seu ser sempre reclamou.

Posteriormente Laura Brown pega o bolo que estava preparando para o seu marido e o destrói. O fato dela preparar o bolo era algo que estava presente em uma vida que não era sua e neste processo de humanização não fazia sentido algum continuar com aquilo.

Ao continuar a leitura de “Mrs. Dalloway”, Laura Brown planeja o seu próprio fim, visto que ela não enxerga uma saída para se livrar de seu estado de sofrimento. Ela pega o seu filho Richie, leva para uma vizinha cuidar e se dirige à um hotel, onde retoma a leitura de seu livro. Durante todo o decorrer do dia de Laura Brown também é interessante analisar um personagem que também é vítima de uma angústia, embora seja ôntica, e sofre tanto quanto os demais personagens: é o pequeno Richie, que percebe o quanto a sua mãe sofre e sente a inutilidade em não poder fazer nada para alterar este quadro. Ele acompanha cada momento do dia de sua mãe e percebe o quanto ela é infeliz. Ele percebe inclusive o momento em que ela deseja se matar, o que é retratado com o seu desespero ao ser deixado na casa da vizinha enquanto a sua mãe se dirige ao hotel. Contudo a sua angústia tem origem no sofrimento de sua mãe. Richie vive uma vida inautêntica por isto.

Após terminar a leitura de “Mrs. Dalloway”, Laura Brown decide não mais se matar. Ela retorna a casa da vizinha para pegar Richie, prepara o bolo do marido e depois observamos a comemoração do aniversário em família. Porém o olhar de seu filho deixa claro que Laura Brown ainda continua num estado que o preocupa. É claro que, até então, podemos concluir que a leitura de “Mrs. Dalloway” no hotel teve um efeito decisivo na vida de Laura, embora só no final do filme iremos descobrir o porque, mas o que podemos dizer já é que o livro proporcionou que Laura se encontrasse com o seu Dasein e permanecesse a viver não mais em estado de dúvida, porém existisse em estado consciente e controlado. A partir daquela experiência ela tomou parte de sua vida e passou a controlar todos os acontecimentos posteriores. Ela passou a se conhecer. Clarissa Vaughan está animada. Seu melhor amigo, Richard, acaba de ganhar um prêmio em relação a um romance que escreveu. Ela organiza a festa que fará em homenagem à ele.

Alias, Clarissa é especialista em dar festas. Homossexual, observamos que Clarissa também se como simular a alegria e a felicidade, sempre na tentativa de quebrar a solidão, tanto a sua como a dos outros. Porém fica claro que ela também não se sente confortável com sua própria vida. Ao se encontrar com o deprimente Richard, em estado sofrível e prestes a morrer, Clarissa tenta animar o Richard com a sua própria festa, porém ele não vê motivos para euforia. Não é a festa que vai deixá-lo bem, não é a festa que irá amenizar a sua angústia ôntica, que tem origem na sua expectativa de morte e no percurso de sua má sucedida vida. Richard ironiza Clarissa dizendo algo como “Mrs. Dalloway dando festas para quebrar o silêncio”. Esta é uma tentativa de Richard de dizer para deixar o que está como está, que não vale a pena mascarar a verdade, para ela parar de ficar simulando a vida e ficar fugindo de si mesma. Richard sabe que irá morrer. Ele não gosta de si e não gosta das pessoas, com exceção de Clarissa.

Clarissa sofre ao ver o amigo sofrer, a sua angústia é ôntica e tem origem no sacarmo e na antivida de Richard. Ela afirma que só é feliz na presença do amigo. Clarissa vive uma vida inautêntica, vive uma vida que não é sua. Para Heidegger, ela não existe. Ela não atende o chamado de seu Dasein. Ela prefere espantar tudo com flores e festas. Ela prefere tapar os ouvidos ao invés de escutar o seu ser. Naquela tarde, numa das visitas de Clarissa para definir detalhes da festa, Richard resolve se suicidar ao se atirar pela janela de seu apartamento. Clarissa observa tudo e se sente inútil, pois ela sempre teve a certeza de que poderia fazer algo que deixasse o seu amigo feliz. Ela se sentia assim justamente porque não vivia a sua vida. Então surge a apoteose da obra: durante o funeral, todos os participantes ficam chocados ao saber da visita da mãe de Richard. Clarissa sabe que a mãe de Richard abandonou ele e a sua irmã, assim que ela nasceu, e nunca mais deu notícias. Esta era a maior mágoa de Richard.

Sua mãe não é nada mais nada menos do que Laura Brown e descobrimos que Richard é o pequeno Richie que viu de perto toda a angústia de sua mãe. Laura explica que havia algo dentro de si que lhe dizia que aquele não era o seu lugar e que lhe clamava por vida. Ela havia decidido se matar numa tarde em que ela se hospedou num hotel. Porém ela havia decidido que não faria isto naquele momento e planejou todo o seu futuro: assim que ela tivesse o bebê, iria abandonar toda aquela vida ilusória (inautêntica) e passaria a viver (existir) da forma que realmente gostaria. Ela prometeu a si mesma que não iria se arrepender e que não iria olhar para trás. Ela disse á todos que havia escolhido viver. Ela diz isto serena, confiante, e com o olhar mais leve do que a Laura que observamos antes.

Heidegger diz que a felicidade não é possível como um sentimento simulado quando você decide viver uma vida autêntica, aquela felicidade proveniente de um sentimento de distração e de apego, mas diz que surge um sentimento de libertação, de conhecimento e um certo orgulho que nos faça crescer de tal maneira que poderemos dizer qual é o mundo que não queremos viver. E é este sentimento que encontramos na fala de Laura Brown ao relatar a sua experiência. Ninguém está mais apto a lhe julgar, e sentimos uma certa comoção geral.

A lição que fica desta cena é que não há vida ao se agradar somente os outros. Laura poderia viver uma vida dedicada aos filhos e ao seu marido, mas não é o que ela queria, então por que deveria ser assim? Por qual motivo ela deveria deixar de fazer aquilo que o seu ser ansiava? Quando passamos a viver uma vida que não é nossa apenas para agradar os outros, quando é que alguém passará a viver a sua própria vida de forma autêntica? Quando é que a vida passará a existir? Quando é que viveremos? Ao término do filme, observamos novamente a cena em que Virginia Woolf caminha adentro ao rio e comete o suícidio que entrou para a história como o fim da escritora. O dia termina. É o fim de “As Horas”. É por todos os argumentos citados neste texto que vale destacar “As Horas” como uma oportunidade de releitura da obra de Martin Heidegger, justamente por encontrarmos ingredientes que fazem parte da filosofia do último grande filósofo de nosso tempo. E que esta obra nos sirva para refletirmos durante todos os momentos de nossa vida.

Por: Evandro Venancio. Blog: EvAnDrO vEnAnCiO.

Link IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0274558/
Trailer: http://www.youtube.com/watch?v=he8cR7skklA

As Horas (The Hours). 2002. EUA. Direção: Stephen Daldry. Roteiro: David Hare. Nicole Kidman, Juliane Moore, Meryil Streep, Stephen Dillane, Miranda Richardson, George Loftus, Charley Ramm, Sophie Wyburd, Lyndsey Marshal, Linda Bassett, Christian Coulson, Michael Culkin, John C. Reilly, Jack Rovello, Toni Collette, Ed Harris. Baseado no livro de Michael Cunningham.

A Casa dos Espíritos (The House of the Spirits. 1993)

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A Casa dos Espíritos – The House of the Spirits

Direção: Billie August

Gênero: Drama

EUA – 1993

A Casa dos Espíritos nem de longe se refere a fantasmas de outro mundo que morreram e ficaram presos na mansão assombrada… Boooooooooooooooooooo! Entendo “Espírito” num sentido Filosófico do termo. Para a Filosofia Hegeliana, o Espírito é o retorno da idéia (princípio inteligível da realidade) para si mesma. Assim que vejo essa obra: um filme magnífico que retrata a história Política do Chile sob o olhar da família Trueba na narrativa consciente da filha Blanca (Winona Ryder).

Com um elenco fenomenal, que reuniu Meryl Streep, Jeremy Irons, Winona Ryder, Glenn Close, Antonio Banderas, Vanessa Redgrave e Maria Conchita Alonso, a trama se desenrola do macro para o microssocial; aquilo que se externa na sociedade e influencia o interior de uma família e vice-versa.

Seria uma família bastante comum praquela época se não fosse o poder e a personalidade da mãe Clara (Meryl Streep): infinitamente tranquila e de um semblante tão sereno que em certas cenas parece Maria (mãe de Jesus) ou o que pintam dela. Clara consegue unir aqueles que estão pra sempre separados, consegue acalmar e dar paz para a agitação política de seu marido e suas controversas atitudes. Seu nome foi bem escolhido, dá um tom de transparência, sinceridade, leveza. O mesmo ocorre com Blanca, sua filha?

Enquanto Clara está viva, existe uma organização familiar aparentemente Patriarcal mas que é maestrada pelo silêncio e voz calma da Matriarca. Quando ela morre, seu espírito (as recordações das pessoas que a cercaram) ronda aquela família que se desestrutura passo-a-passo.

Percebe-se que aquela mãe era o verdadeiro pilar de tudo, mesmo considerada erroneamente como frágil e fraca.

As pessoas tendem a considerar como fraqueza aquilo que é sereno e tranquilo. Ao contrário, pessoas assim são de uma força interior gigantesca. Meryl Streep está deslumbrante nesse papel, uma mãe IDEAL, uma esposa IDEAL, uma cunhada IDEAL, uma amiga IDEAL, uma patroa também IDEAL. Todos os papéis sociais de uma mulher ela o representa como aquilo que é idealizado pela maioria. Longe de ser passiva, age com passividade e amor. Amarra com fios de cobre toda a trama.

Um filme pra ser visto e revisto.

Por: Vampira Olímpia.

Ao Entardecer (Evening. 2007)


Dizem que à beira da morte passa um filme sobre a vida da pessoa. Isso acontecendo de repente e num breve intervalo de tempo, tudo deve vir num flash bem compacto. Agora, quando ainda terá umas horas antes dela chegar… Deve possibilitar na escolha do que se quer passar a limpo. E é por ai, que se baseia o filme. Mas como essa perda será sentida por outras pessoas, também as fará pensarem em si mesma.

Um tempinho atrás escrevi um texto sobre ‘O divisor de água de cada um de nós‘. Nesse filme, ‘Ao Entardecer‘, a Ann (Vanessa Redgrave), entre momentos lúcidos ou de delírios, talvez por efeitos da medicação, ou mesmo por já não mais haver barreiras por conta das regras sociais… Enfim, para ela um único divisor de água merecia ser revisto. Porque um outro, ela só quis constatar se não fora totalmente negligente. Em resumo, uma revisão a um grande amor, e se por sua carreira houvera omissões as suas filhas.

Nessa volta ao passado o que Ann (Claire Daines) elege como seu ponto de partida veio por conta de uma frase que pelo jeito a acompanhou todo esse tempo. Algo mais ou menos assim: “E se eu tivesse aceito o convite de Buddy (Hugh Dancy) e tivesse ido velejar com ele e Harris (Patrick Wilson) naquele entardecer… Será que minha vida teria tomado outro rumo?‘. É que ainda naquele final de semana uma tragédia a levou a querer ir para longe daquele pesadelo.

A questão que ficou a mim foi por conta dela não ter ouvido a voz do seu coração – esse já perdidamente apaixonado por Harris -, e que apenas ouviu a voz ‘do que os outros pensariam‘. Entre esses outros estaria a sua melhor amiga Lila (Marmier Gummer). Ann então quis esquecer tudo mais que a envolveriam-na àquelas pessoas que até viviam em mundos diferentes. Que nem um ter como pagar uma simples conta de luz fazia parte do seu dia-a-dia como o dela. Claro que o não ter vivenciado fica mais fácil em dizer que não teria feito o mesmo, mas cabe aqui não um julgamento e sim um tentar entender o seu drama.

Nesse seu delírio em meio as seu flash-back Ann ganhou uma ajuda: alguém meio que advogado-do-diabo. Alguém para clarear ainda mais nesse seu mergulho. Se essa presença era fruto da sua imaginação, ou de seus sonhos, o certo era que a Enfermeira-da-Noite (Eileen Atkins) fez mais que isso. Ela fez algo que as filhas de Ann nem pensaram em fazer. Que foi em avisar a Lila que sua grande amiga do passado estava nas últimas. E Lila (Meryl Steep) veio. Onde não só ajudou a amiga a partir sem culpas, como também ajudou a uma das filhas de Ann, a Nina (Toni Collette) a não ficar tão indecisa diante da vida.

No tocante as filhas, essas horas finais deu-lhe momentos de lucidez onde pode senti-las mais perto. Saber delas se fora uma boa mãe. Para Constance (Natasha Richardson), já casada, com filhos, a conversa fora mais madura. Por ela estar segura de que fizera a escolha certa. De que ao se tornar mãe pode compreender a sua mãe.

Já com Nina, até pelo seu temperamento, ouvir trechos dos delírios da mãe, aumentou ainda mais os receios. Por medo do futuro, por saber que é uma pessoa de difícil convivência. Por descobrir que está grávida do seu atual namorado. Enfim, seus temores são em relação ao que ainda está por vir. Se para a sua mãe não haverá um amanhecer, para ela sim. Então, por que não começar a fazer os seus, um de cada vez? E quem sabe só no último entardecer de sua vida saber se fizera as escolhas certas. Pois se manteve uma pessoa íntegra mesmo tendo feito algo errado, o que importa é que o fez, que não ficou apenas no ‘Se…

Por fim, o filme aborda questionamentos maduros. E sobretudo para as mulheres que ao longo da vida tentam conciliar carreira, família, o lado dona-de-casa, maternidade, entre outras coisas.

Mas destacaria nesse filme uma outra questão: o alcoolismo. No quanto esse vício tem de prejudicial. Tanto para a própria pessoa, como também para aos que cruzam seu caminho. No filme a pessoa começou a beber aos doze anos. Tão cedo que embora eu não esteja culpando os pais me pergunto o que eles estavam fazendo que os impediam de ver esse grito de alerta do filho? Creio que quando se inicia ainda na adolescência há uma chance maior de sair desse vício. A menos que o que esse filho estivesse tentando contar, seus pais não queiram nem ouvir. Sendo assim, depois de uma tragédia… já será tarde demais.

Eu gostei do filme. Mas não deixou-me uma motivação para revê-lo!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Ao Entardecer (Evening). 2007. EUA. Direção: Lajos Koltai. Elenco: Claire Danes, Vanessa Redgrave, Mamie Gummer, Meryl Streep, Patrick Wilson, Hugh Dancy, Glenn Close, Barry Bostwick, Natasha Richardson, Toni Collette, Ebon Moss-Bachrach, Eileen Atkins. Gênero: Drama. Classificação etária: Livre. Tempo de Duração: 117 minutos. Drama baseado no livro de Susan Minot.

MAMMA MIA!

Há muito motivos para ver o filme musical de Phyllida Lloyd: “Mamma Mia“. Para ouvir todos os hits de Abba, grupo POP-brega e maravilhoso que atravessou duas décadas de pleno sucesso, para ver Meryl Streep, linda, madura e encantadora ou simplesmente para se sentir feliz numa paradisíaca ilha grega cheia de gente simples e alegre.

O enredo é um fio de estória alinhavado para conter, em certos momentos à força, as músicas do famoso grupo sueco. A afinação também não é, com exceção de Meryl, definitivamente o forte do elenco. Mas quem se importa com esses detalhes? Acho até que confere um charme descontraído que contribui para o clima festivo e naturalista ao filme.

O musical estreou em Londres em 1999 e é um grande sucesso até hoje em vários lugares do mundo. Madonna aproveitou para pegar carona nesse revival, quando escolheu o sample de “Gimme, gimme, gimme” para seu show/CD “Confessions”. É mesmo difícil se conter na poltrona ao ouvir “Dancing Queen” e dá vontade de cantar junto com mãe e filha a emocionante: “Slipping Through my Fingers”, separadas por um casamento que está para acontecer. Mas o grande momento é a música: “The Winner Takes it All”, uma canção linda e chorosa sobre separação que parece ter sido o ponto de partida para o projeto do musical.

Donna (Meryl) é a mãe e Sophie (Amanda Seyfried) a filha que não sabe quem é o pai e a partir de um diário perdido, decide convidar os três prováveis genitores para sua festa de casamento e assim tentar descobrir sua origem. Nada para ser levado muito a sério, se bem que as soluções do roteiro são até muito boas, e como os tempos mudaram, há espaço para sutilezas gay. Relaxe e aproveite esta grande diversão até o fim dos créditos. Não há contra-indicações.

Por: Carlos Henry.

MAMMA MIA!. 2008. Reino Unido. Direção: Phyllida Lloyd. Elenco: Meryl Streep, Pierce Brosnan, Amanda Seyfried, Colin Firth, Stellan Skarsgård, Julie Walters, Christine Baranski, Dominic Cooper. Gênero: Comédia, Musical, Romance. Duração: 108 minutos. Censura: 10 anos.

As Horas (The Hours. 2002)

A fantasia, em todas as suas formas, só tem utilidade se servir como uma reflexão do que pode ser construído para o futuro.” (Kurt Vonnegut)

Muito embora o filme traga três personagens femininas é do lado feminino de ser que cada um de nós temos, homens e mulheres, que ele mostra. E esse olhar feminino vem pelo poeta, justamente por um personagem masculino. Um jeito romântico de ser e de olhar o mundo. Lindo!

Aí ficam perguntas! Tudo tem que ser tão certinho? Tudo tem que sempre ser encarado dentro da normalidade, daquilo que já está pré-estabelecido? A mola do mundo também é movimenta por algo fora dos padrões, fora do convencional. Sempre teremos tempo de subverter a engrenagem da vida? Ou não! Já que o tempo não para. As horas voam. Onde estaria, melhor, onde ficaria o sonho, o desejo, a vontade em traçar seu próprio destino? Pois levar uma vida dupla, onde a real é por pura obrigação, onde a de sonhos é escapismos, há de chegar uma hora que não aguentará mais. E ai…

Não li o livro do qual o filme foi baseado. Como também ainda não li o livro de Virgínia Woolf, “Mrs. Dalloway” que faz parte do filme. Esse me motivou mais a ler. Então focarei o filme. E sem entrar muito na patologia da escritora por não ser a minha praia. O filme mostra um dia ímpar na vida de algumas pessoas. Com ela, Virgínia Woolf, escrevendo os esboços de mais um livro. Que viria a ser seu último trabalho. Como também, anos depois (Em 1951 e em 2001; nos EUA.), vidas alteradas em alguns dos leitores desse mesmo livro. Um dia que ficará marcado para sempre.

O que me cativou de pronto foi o lance dela ficar buscando uma frase para então iniciar o texto. Sem nenhuma pretensão nessa comparação, lhes digo que eu era assim. Para qualquer texto que escrevia, mesmo para uma redação na escola, buscava por uma frase para iniciar. Após encontrá-la, o texto fluía naturalmente.

Nicole Kidman faz a Virgínia Woolf. Confesso a vocês que não a reconheci de imediato. Só fui mesmo notar quando outra pessoa comentou. Parabéns pela performance e pelo visual!

Virgínia após encontrar a frase “Eu adoro flores!” pensa no rumo que dará aos personagens. Sua intenção inicial era matar a protagonista. Sua inquietude também por conta de sua doença a faz parar por algumas horas e olhar o mundinho que a cerca. De onde se deprime por saber que está presa ao seu problema. Gostaria que mais do que drogarem-na que os médicos encontrassem uma solução. Durante esse correr do dia, constata que sua casa funciona sem ela, pois as criadas tomam as decisões que deveriam vir dela. Talvez, numa de punir, faz a empregada ir comprar gengibre em Londres.

Depois com a visita da irmã com os sobrinhos capta mais coisas. Visita essa que por terem chegado antes da hora irrita o marido (Stephen Dillane). A irmã (Miranda Richardson) lhe diz que é uma privilegiada, por poder viver duas vidas: a real e a dos livros. Mas Virgínia queria mesmo viver outra vida. Até da irmã, já seria bem-vinda. E por conta de um cerimonial junto com a sobrinha para um pássaro à beira da morte, reflete mais, mas agora também sobre a sua vida real.

Uma das passagens mais tocante é dela com o marido na estação de trem. (Algo sadio em qualquer relacionamento: o de discutir a relação.). O que cada um fala para o outro. Mas que deixou uma pergunta: “Será que ambos ouviram o que o outro dizia de fato?” Claro que eles tentaram. (Atualmente, eu diria que num caso semelhante precisariam da ajuda de um profissional.). Mas diante do quadro clínico dela e por Leonard ser meio avesso às mudanças repentinas, não houve o acesso até ela. Mesmo havendo amor entre eles, um não conseguia satisfazer o outro. Numa parte, quando ela diz estar entediada ali naquele lugar, ele lhe diz que ela sentia o mesmo na agitação da capital. Ele bem que tentou dentro do limite dele, do jeito dele, fez o que julgava estar certo e por amor a ela. Mais uma vez estava disposto a mudar a si próprio por ela. Mas não era isso que ela queria. Virgínia queria não apenas libertar-se, como também não manter ninguém preso a ela. E eles não se entenderam; não chegaram a um acordo em comum.

As outras duas histórias mesmo passadas em anos diferentes irão se unir de fato nesse único dia. Não! Não se trata de nenhuma viagem no tempo. Vendo o filme irão entender melhor. Por hora vou tentar contar sem estragar a surpresa de quem ainda não viu esse filme.

Laura Brown (Julianne Moore) leva a vida de uma dona de casa padrão. Casada. Mãe de um menino e encontra-se grávida de outro. No dia do aniversário do seu marido, Dan (John C. Reilly), algo acontece que a faz mudar radicalmente a sua vida. Pontua essa decisão não apenas a história do livro, mas a conversa com a amiga Kitty (Toni Collette). Essa, por estar na iminência de não mais poder gerar um filho considera a amiga uma privilegiada. Mas essa não é a vida que Laura queria levar. Ela queria libertar-se. Mas como sair daquela engrenagem? O que seria do seu garotinho? Certo ou errado, Laura segiu com a sua decisão.

Passados mais alguns anos, conhecemos Clarissa Vaughan (Meryl Streep) que como na manhã da história do livro sai para comprar flores. Também irá dar uma festa. Seu grande e inestimável amigo Richard (Ed Harris) ganhara um prêmio. Prêmio esse que o colocava na lista dos grandes poetas. Mas que para ele viera mesmo por ele se declarar aidético. Clarissa já incorporara em seu dia-a-dia ir cuidar dele. Mas isso o deprime, achando ser um fardo para ela. Tal qual Virgínia com o marido, ele também se desgosta em precisar desses cuidados. Richard a ama demais para mantê-la presa a ele. Ela tem uma filha (Claire Daines), ela tem Sally (Allison Janney) como companheira. Tem também a sua própria vida.

Assim, ao final de um único dia, após fazerem um mergulho profundo dentro de si mesmo, após reverem seus fantasmas – “Ou seria seus piores pesadelos?” -, dormem o sono dos justos. Para alguns, um novo amanhecer surgirar. E por conta disso, mesmo sendo um clichezão, repito: “Enquanto há vida, há esperança!” Eu fico triste quando vejo um final com o fim de certos personagens. Triste, mas respeitando a decisão.

Esse entrou para a minha lista de que vale a pena rever, sempre! Filmaço! Nota máxima!

Por: Valéria Miguez.

As Horas (The Hours). 2002. EUA. Direção: Stephen Daldry. Elenco: Nicole Kdman, Meryl Streep, Julianne Moore, Ed Harris, John C. Relly, Claire Danes, Toni Collette, Miranda Richardson, Jeff Daniels, Stephen Dillane. Gênero: Drama. Duração: 114 minutos. Baseado no livro de Michael Cunningham.