Você já amou alguém em sua vida? Não falo de se apaixonar, pois nos apaixonamos todos os dias por coisas diferentes e, muitas vezes, essa paixão dilui-se com o passar do tempo. Falo de amar de verdade. Do fundo da alma. Sentir algo que você não sabe explicar. Um sentimento capaz de deixar sua vida e sua existência completamente desorientada, sem rumo. Falo de não pensar duas vezes antes de abandonar tudo o que você sempre desejou e buscou na sua vida e fazer os mais indizíveis sacrifícios em nome desse sentimento. Tudo isso só para poder estar com a pessoa amada, mesmo que “estar” não signifique “ficar” com esta pessoa.
Se a resposta for ‘sim’, você entenderá e gostará de Cidade dos Anjos (City of Angels, 1998). Se a resposta for ‘não’, você pode até achar insólita a estória de Seth (Nicolas Cage), um anjo do reino de Deus disposto a tornar-se mortal e abandonar a eternidade para ficar com a Dr. Meggie Rice (Meg Ryan), mas você ainda irá gostar do filme.
O porquê de tanta certeza? Não sei. Mas o fato é que Cidade dos Anjos é um filme muito bom puramente como cinema. O diretor Brad Silberling (Gasparzinho; Desventuras em Série) realiza seu único trabalho maduro e sério (embora Um Astro em Minha Vida seja um bom filme também), mas o faz com grande competência e esmero, e nos entrega um romance agradável e singelo. Bonito, acima de tudo.
A trilha sonora é ótima, com destaque para a canção “Iris“, da banda Goo Goo Dolls, que embalou muitos corações apaixonados na época. O visual gótico dos anjos dá um charme especial ao filme. Nicolas Cage ainda levava sua carreira a sério e Meg Ryan não compromete em nada o filme, além de contarmos com o excelente Andre Braugher (Duets; O Nevoeiro) no elenco.
O simples roteiro (esmiuçado em apenas duas linhas logo acima) apresenta os elementos básicos do gênero: dois seres apaixonados e uma barreira aparentemente intransponível entre os dois, que exigirá um sacrifício hercúleo para ficarem juntos. O ritmo dado pelo diretor ao filme é muito bom, distribuindo os atos pelos 115 minutos do filme de maneira com que este não nos canse nos momentos em que deveria prender nossa atenção. Mesmo assim, alguns furos chamam a atenção, como Sr. Messinger (Dennis Franz) deixa o hospital para dar uma volta pela cidade com Seth – afinal, como ninguém viu um homem em vestes pós-operatórias zanzando por aí – e a relativa naturalidade com que Meggie encara a situação de se apaixonar por um anjo, mas nada muito fora do contexto.
Mesmo determinado, Seth se encontra em dúvida, em um dilema. Como deixar a eternidade para um inseguro salto para o desconhecido? Seth acaba descobrindo que ser humano livre é mais difícil do que viver toda a eternidade sob os dogmas de uma doutrina celestial. Como anjo, Seth poderia ver de perto toda a transformação do universo e da humanidade, mas sem nunca poder senti-la na pele, na alma. Caindo na terra, viveria apenas mais algumas décadas, mas teria algo que a imortalidade jamais poderia lhe conceder: uma vida. Uma vida feita de momentos para recordar, motivos para lamentar e um amor para viver.
A tragédia anunciada parece, num primeiro instante, tornar a jornada de Seth desastrosa. Mas, na verdade, dá todo o sentido às escolhas que fez. Seth entendeu que as maiores dádivas concedidas por Deus estão ao nosso redor. Descrevê-las, observá-las e presenciá-las não são o mesmo que senti-las. E isso é passado com muita eficiência pela direção.
Cidade dos Anjos continua sendo um dos grandes romances do cinema, mesmo 16 anos após seu lançamento, e ainda hoje é capaz de emocionar, ou pelo menos, agradar em um nível bem acima da média.
Avaliação: 08.
Cidade dos Anjos (City of Angels. 1998)
Ficha Técnica: na página no IMDb.