Série: Gotham (2014-). Uma Nova Ótica Lançada Sobre um Conteúdo Aparentemente Inesgotável

Gotham_seriePor: Cristian Oliveira Bruno.
Batman_KaneQuando adapta-se uma cosmologia tão rica e tão famosa quanto a do Batman, icônico personagem de Bob Kane, se faz necessário manter uma cautela toda especial no que diz respeito às alterações que serão feitas tanto na cronologia quanto na concepção dos personagens. No caso do super-herói em questão, tudo é mais complicado ainda, pois quase não há o que já não tenha sido feito. O tom mais cartunesco já fora ditado e orquestrado com maestria por Tim Burton em seus Batman (1989) e Batman – O Retorno (1992). A atmosfera mais sombria e pesada a qual parece ter sido a versão definitiva dada ao personagem nos anos 80, com O Cavaleiro das Trevas, do Deus dos quadrinhos Frank Miller – a melhor série já feita sobre o Homem-Morcego – foi recente elevada a um outro estágio com a consagrada trilogia de Christopher Nolan (Batman Begins [2005], The Dark Knight [2008] e The Dark Night Rises [2012]). Mesmo a inocência e a fantasia dos primeiros exemplares dos quadrinhos teve sua vez entre 1966 e 1968, com uma série de TV contendo 60 episódios da dupla dinâmica. Assim sendo, o que de novo e diferente o produtor Bruno Heller (The Mentalist [2008-2015]) e o diretor e produtor executivo Danny Cannon (O Juiz [1995]; Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado [1998]) poderiam apresentar em mais uma adaptação para a TV? A resposta veio com o título da série: Gotham.

Gotham_01Voltando pelo menos 15 anos no tempo, a proposta desta vez é apresentar uma nova ótica e lançar o olhar sobre a cidade, ao invés de seu mais ilustre residente, e mostrar como uma cidade tão corrupta e dominada pelo crime chegou ao ponto de precisar de um justiceiro mascarado para manter a ordem. E isso é o mais interessante em Gotham. Mais do que acompanhar os primeiros passos e a origem de vários personagens do universo dos quadrinhos (alguns famosos, outros nem tanto), a série se baseia no fato de que ainda não há um justiceiro mascarado para defender Gotham. E com a polícia, a justiça e o próprio prefeito Aubrey James (Richard Kind) e o comissário Loeb (Peter Scolari) nas mãos dos dois chefões das famílias mafiosas que controlam todo o crime da cidade, Carmine Falcone (John Doman) e Salvatore Maroni (David Zayas), cabe ao ainda jovem detetive James Gordon (Ben McKenzie) assumir o papel de paladino solitário da justiça. E quando eu digo solitário, não é força de expressão. Embora com o passar do tempo Gordon vá adquirindo aliados em sua inspiradora jornada de combate ao crime mais do que organizado, até um certo ponto dela ele se vê abandonado por seus companheiros, chefe e seu parceiro Harvey Bullock (Donal Logue).

gotham_02O plot da série é o assassinato de Thomas e Martha Wayne e a promessa feita por Gordon ao pequeno Bruce Wayne (David Mazouz) – retratado aqui aos 12 anos – de encontrar o responsável. A partir desse momento, Gordon adentra de vez no submundo e começa a entender como a cidade funciona. Não é que todos os seus habitantes sejam corruptos, mas todos têm família e jamais arriscariam oporem-se a Falcone ou Maroni. Essa faceta de uma Gotham dominada por figuras poderosas, mas sem super-poderes acaba por tornar-se, naturalmente, o segmento mais interessante da série. Não que a relação tutor/serviçal/pai entre Alfred Pennyworth (Sean Portwee) e seu determinado protegido não seja deveras comovente, ou que a luta da ambígua e maliciosa Selina Kyle (Carmen Bicondova) para sobreviver nas ruas não tenha seus momentos – embora seja a ramificação mais trôpega do programa -, mas é no núcleo criminoso que encontram-se os melhores personagens, situações e conflitos mais tensos e interessantes.

gotham_03Com um elenco bastante regular e em sua maioria experiente, os personagens acabam ganhando uma roupagem diferenciada e uma cara própria, embora não abandonem os aspectos e traços mais fortes pelos quais ficaram mundialmente conhecidos. Ben McKenzie (do seriado OC e de 88 Minutos) compõe um Jim Gordon intenso e forte, com uma segurança e uma presença em cena muito boas, mostrando o quanto evoluiu com o passar dos anos. Sua parceira inicial, Erin Richards – que interpreta Barbara Keen, primeiro par romântico de seu personagem na trama – não está tão mau, mas carece de uma química maior com o protagonista. Falha esta corrigida absurdamente com a inserção da personagem da Dra. Leslie “Lee” Thompson, interpretada pela brasileira Morena Baccarin (do seriado V – Invasores), cônjuge do ator, tornando a interação entre ambos algo natural, e isso reflete-se na tela. Também destaca-se neste quesito, sem a menor sombra de dúvidas, Oswald Cobblepot, o Pinguim, de Robin Taylor Lord, tão afetado e tresloucado quanto ameaçador e doentio. Taylor Lord vive a dolorosa saga de ascensão daquele que será o futuro Rei do crime da cidade. Donal Logue recebe uma tarefa ao mesmo tempo motivadora e arriscada ao viver o Det. Bullock como um dos protagonistas, já que o personagem não havia ganhado tanto destaque até aqui fora dos quadrinhos – olhe lá uma rápida aparição no primeiro filme de Tim Burton – e sempre fora retratado como policial corrupto e desonesto, com o perdão da redundância. Aqui, Bullock ganha um novo ponto de vista e é retratado não apenas como um mau policial, como alguém que viveu a vida inteira em Gotham e conhece aquela cidade e como ela funciona, sabendo jogar de acordo com suas regras. O choque de personalidades com Gordon faz com que Bullock passe de um obstáculo para ser o primeiro aliado de Gordon – e um importante aliado, pois Bullock conhece o crime da cidade.

gotham_os-viloesCriada especialmente para a série, Fish Mooney (interpretada com muita ferocidade e ímpeto por Jada Pinkett Smith) não só possui um papel importantíssimo na trama, tanto no andamento desta quanto na formação de background de demais personagens, e com certeza agradou (ou agradará) grande parte dos fãs – embora o desfecho dado a ela não seja dos mais agradáveis, ou mesmo bem pensados, provavelmente sua relação com seu fiel capanga Butch Gilzean (Drew Powell) promete arrebanhar muitos fãs para a dupla. Vários outros personagens tradicionais nas páginas das revistas da DC Comics dão as caras por aqui, sendo que alguns são bastante conhecidos do público, como Harvey Dent (Nicholas D’Agosto) – o Duas-Caras -, Edward Nygma (Cory Michael Smith) – O Charada -, Victor Szasz (ANthony Carrigan), Dr. Francis Dulmacher (Colm Feore) – o Mestre dos Bonecos -, Dr. Gerald Crane (Julian Sands) – criador do gás alucinógeno usado por seu filho Jonatan, o futuro Espantalho – e outros mais conhecidos apenas pelos mais familiarizados com o universo Batman, como Jack Buchinski (Christopher Heyendahl) – o Eletrocutador -, a policial Renee Montoya (Carmen Cartagena), Richard Sionis (Todd Stashwick) – o Máscara Negra -, Aaron Helzinger (Kevin McCormick) – o Amígdala, vilão muito semelhante e freqüentemente confundido com Bane – e Larissa Diaz (Lesley-Ann Brandt) – a Cobra venenosa.

gotham_04Mas dois vilões destacam-se neste paraíso dos “Batmanáticos“, cada um a sua maneira. O primeiro deles é Jerome Valeska (Cammeron Monaghan) que, mesmo sem ser oficialmente apresentado como tal, trata-se da versão do seriado para o maior inimigo do Homem-Morcego: o Coringa. O episódio onde o vilão aparece não é um dos melhores da temporada, mas Monaghan destaca-se no diálogo final quando a referência ao coringa é feita, em uma atuação muito boa. O outro é apresentado apenas no episódio 19 (e mantém-se ate o episódio 21, penúltimo da temporada – tendo sido especulado também na segunda temporada, embora fique claro e óbvio que isso não ocorrerá). Jason Solinski, o “Ogro” (Milo Ventimiglia), surge como o principal vilão da série até então, oferecendo sensação de risco real para os mocinhos. O Ogro é aquele com quem todo policial da cidade tem medo de mexer. Gordon também, mas isso não o faz recuar. Esse ponto da trama é um dos pontos altos da série e poderia ser, inclusive, o desfecho (não que o episódio 22 não seja satisfatório, mas o 21 é ainda melhor.

gotham_06Mas a própria Gotham City é a principal personagem da série. Todo personagem da cosmologia criada por Bob Kane, de Bruce Wayne à Mr. Freeze, é composto com base em traumas, seja a perda de um ente querido ou a sensação de impotência perante as situações enfrentadas diariamente. E Gotham está repleta de traumas os todos os cantos. Traumas e mitos. Em Gotham qualquer um pode ser o que quiser. Heróis e vilões usam máscaras visíveis, enquanto a alta sociedade usa máscaras políticas e diplomáticas. Por isso o Bandido do Capuz Vermelho representa mais do que um simples elemento daquela sociedade, mas também um sentimento. Gotham resume o sonho americano de ser a terra das oportunidades. Qualquer um pode ser rei em Gotham, basta tomar o que é seu por direito. Mesmo que não seja seu de direito. E a maneira como Heller e Cannon retratam esteticamente a atemporalidade da mística cidade é curioso. Há celulares e computadores, o que nos põe imediatamente nos dias de hoje. Os carros são das décadas de 60, 70 e 80 e os prédios e as ruas remetem aos anos 30 e 40. Sabemos que Gordon lutou recentemente em uma guerra, mas não sabemos qual foi. Nada é dito sobre o que ocorre além das fronteiras da cidade. Quem é o presidente, de onde vêm as pessoas de fora e tudo mais que não envolva Gotham permanece um mistério. Gotham é uma cidade que existe apenas no imaginário e está sempre em constante formação e Cannon e Heller nos permitem preencher estas lacunas, cada um a nosso modo.

gotham_05A primeira temporada, apesar do caráter experimental, foi melhor do que o esperado. Sofre alguma irregularidade com relação ao ritmo e a consistência – coisa mais do que comum em séries sem um diretor fixo -, mas no fim das contas Heller e Cannon seguram bem as pontas e trilharam um belíssimo caminho para ser expandido nas próximas temporadas já anunciadas. Foi muito bom ver que ainda há o que explorar – com dignidade – de um universo já tão esmiuçado no decorrer dos anos. Este que vos escreve é fã do herói em questão e confessa sem vergonha que estava desesperançoso com esta série, mas fiquei bastante satisfeito com o resultado final desta primeira temporada e a recomendo sem medo para os fãs de Batman e até mesmo para os não fãs, dada a boa distribuição dos núcleos.

Avaliação Geral da Primeira Temporada: 7,5.

Série: Gotham (2014 – )
Ficha Técnica: na página no IMDb.

Livro: Capitães da Areia (1937), de Jorge Amado

capitaes-da-areia_jorge-amado_capa-do-livroPor: Karla Kélvia, do Blog Livro Arbítrio.

Uma visão social e não apenas policial… Numa obra atemporal.

Eu sou do tipo que tem uma relação bem estreita com os livros, desde criança. Quanto mais um livro me marca, mais eu sinto que as lembranças que eu tenho da história dele fazem parte da minha própria história. Capitães da Areia, de Jorge Amado, está na minha galeria de livros mais que especiais, mais que queridos, daqueles que estão gravados em mim para sempre.

Creio que o lirismo do meu querido escritor baiano está em um dos seus ápices neste livro, que, além disso, possui uma trama extremamente atual. Capitães da Areia foi escrito em 1935, em uma fase engajadíssima de Jorge Amado com o Partido Comunista, fato que transparecia muito em suas obras das décadas que vão de 1930 à 1950, chamadas, por esta razão, de “panfletárias”. O Brasil daquela época estava prestes a entrar na Ditadura Vargas, o Estado Novo; o mundo nazifascista caçava comunistas e judeus, e estava para eclodir a Segunda Guerra Mundial. Apesar de o contexto em que surgiu ser tão diferente dos dias de hoje, ninguém pode negar que a história deste livro seja atemporal.

capitaes-da-areia_personagens-01Os Capitães da Areia são meninos de rua; um bando que vive de pequenos furtos e que conhece toda a Salvador. Eles moram num trapiche, um tipo de armazém abandonado no cais do porto, e formam um número variável. O líder deles é Pedro Bala, e os outros mais conhecidos são Sem Pernas, Volta Seca, Professor, Boa Vida, Gato, Pirulito. O livro é dividido em três partes. Na primeira, “Sob a lua, num velho trapiche abandonado”, vemos histórias de aventuras quase independentes dos garotos pelas ruas da cidade, explorando também suas personalidades e os seus medos. Um dos momentos mais bonitos e agridoces desta parte é “O Carrossel”, quando os garotos, que mesmo tão novos levam uma vida tão dura, deixam seu lado mais infantil vir à tona.

capitaes-da-areia_personagens-02A segunda parte é “Noite da Grande Paz, da Grande Paz dos teus olhos”, em que Dora e seu irmão pequeno ficam órfãos quando seus pais morrem infectados com bexiga e eles ficam sem ter como e onde viverem. Ela é a única menina dos capitães, a “mãezinha” dos garotos, o amor platônico de Professor e a namorada de Pedro Bala. Depois de voltarem do reformatório, um amor tão lindo e breve tem um desfecho de abalar qualquer coração.

A terceira e última parte é “Canção da Bahia, Canção da Liberdade”, na qual os garotos já não são tão “garotos” assim e cada um vai seguindo seu rumo. O grupo passa a ter participação em greves e a consciência política de Pedro Bala é despertada, seguindo os passos do seu pai. Adoro o final, em que se diz que ele se torna um líder revolucionário.

Capitães da Areia é um livro incrível, pungente, que nos faz pensar em desigualdade social, desamparo das crianças e falta de estrutura familiar, que, infelizmente, ainda vemos tanto no presente.
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Livro e Série: O Poder do Mito (1985)

o-poder-do-mito_a-entrevistao-poder-do-mitoPor Luz de Luma.
Em 1985, o mitólogo e escritor Joseph Campbell sentou-se com o entrevistador Bill Moyers para uma longa conversa no rancho de George Lucas. A conversa continuou no ano seguinte no Museu de História Natural em Nova York. O resultado de 24 horas de entrevista foi editado em seis episódios de aproximadamente uma hora para serem transmitidos pelo canal PBS da TV Americana. A série se tornou uma das mais populares da história da televisão pública americana.

Porém, Bill Moyers achou que a conversa que não foi editada, era tão rica que deveria ser preservada e que merecia atenção do público. Logo após a transmissão da série pela TV, a transcrição completa da entrevista foi publicada em formato de livro, onde o ponto de vista dimensional de Campbell sobre mitos culturais, espiritualidade, arquétipos psicológicos e mitologia foram integralmente explicados.

O livro “O poder do Mito” é escritura secular – Um tesouro de sabedoria sobre a experiência humana no cânone de tais obras-primas raras como as Revistas de Thoreau, os Cadernos de Simone Weil, as cartas de Rilke e Pilgrim de Annie Dillard.

a-jornada-do-herói_campbellVocê pode assistir todos os episódios da série no youtube: “A Mensagem do Mito“, “A Saga do Herói“, “Os Primeiros Contadores de História“, “Sacrifício e Felicidade“, “O amor e a Deusa” e “Máscara da Liberdade“. Bônus: “Entrevista com George Lucas“.

Vale a pena “perder” o seu tempo assistindo a série. Se não assistir, seu tempo irá se perder mesmo de qualquer forma… rs.

Deuses reprimidos se transformam em demônios, e geralmente são esses demônios que encontramos primeiro quando voltamos a olhar para dentro.” — Joseph Campbell

Fica a indicação da série e também do livro. Depois de falar um pouquinho sobre Campbell, quero dizer que ele simpaticamente gritou pela nossa alma e com enorme elegância e precisão falou da raiz da nossa insatisfação existencial.

Estamos preservando o nosso “Espaço Sagrado”? – Um espaço de reflexão ininterrupta e trabalho criativo sem pressa.

O fim do mundo não é um acontecimento por vir, é um acontecimento de transformação psicológica, de transformação visionária. Você não vê um mundo de coisas sólidas, mas um mundo de radiância“. (Joseph Campbell)

P.s: Deixando um convite para que também leiam “Espaço Sagrado“.

No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow. 2014)

no-limite-do-amanha_2014Por Marcos Vieira.
Você já viu No Limite do Amanhã muitas vezes, mas graças a um roteiro relativamente inteligente, uma direção um tanto ousada e a típica dedicação de Tom Cruise, vale a pena ver de novo. Adicione a isso ótimas sequências de ação, um pouco de humor negro (ótimo filme pra quem quiser ver Tom Cruise sendo friamente executado repetidas vezes) e um ritmo bem acelerado, que nunca deixa o filme cair na mesmice.

emily-blunt_no-limite-do-amanhaEssa última característica é bem relevante dada a premissa básica da história: no momento decisivo de uma terrível guerra entre a humanidade e uma raça de alienígenas invasores de mundos (clichê, -1 ponto), um arrogante e covarde publicitário do exército é jogado no fronte desse conflito e passa a reviver o mesmo dia repetidas vezes (clichê, -1). Nesse dia decisivo, a humanidade é completamente derrotada. Essa poderia ser a história dele tentando convencer as pessoas ao seu redor do que vai acontecer, mas essa parte passa rapidamente (clichê evitado, +1) e logo ele entra em contato com uma poderosa aliada: a respeitada e famosa heroína de guerra interpretada por Emily Blunt, uma mulher forte, decidida e marcada pelo conflito (clichê evitado, +1). Até aqui, nada realmente novo, mas é na dinâmica da narrativa que temos as novidades. Ao invés de focar nas diferentes versões dos mesmos acontecimentos do dia, a narrativa mostra apenas as diferenças relevantes para o avanço da história e vai cuidadosamente mostrando momentos que não haviam sido mostrados no dia original (clichê evitado, +1). Isso ajuda a história a manter um bom ritmo e mantém o espectador interessado no que vai acontecer/ser mostrado a seguir. Em outras palavras, o recurso narrativo do “dia que se repete” é utilizado de uma maneira bem mais interessante do que se espera de um blockbuster, evitando insultar a inteligência do espectador (clichê evitado, +1). No mais, vale ressaltar o caos e a intensidade das cenas da batalha decisiva, que são claramente influenciadas pela Invasão da Normandia no Dia D da Segunda Guerra Mundial. Os combates entre os humanos, que usam poderosos exoesqueletos, e as velozes e aterrorizantes criaturas são responsáveis por algumas das melhores cenas de ação do filme.

Tom-Cruise_limite-do-amanhaQuando você já está acostumado com esse divertido ritmo e apenas espera que o protagonista descubra algum super ponto fraco das criaturas para encerrar o filme, alguns plot twists são bem utilizados para colocar a missão em uma nova rota e a coisa toda fica bem mais arriscada, interessante e imprevisível. Uma das surpresas é a utilização de alguns dos elementos secundários da trama no ato final, tornando-os vitais para o sucesso da missão e mudando completamente o estilo da narrativa, que fica mais honesta e desesperadora, levando todos os envolvidos aos seus limites. Levar sua personagem aos seus limites físicos e mentais é algo que Tom Cruise faz na maioria de seus filmes, o que acaba ficando cômico na maioria das vezes. Aqui, o grau de comprometimento de todas personagens faz com que realmente nos importemos com os sacrifícios que eles fazem e o sucesso da missão. Mesmo a típica transição do protagonista, que de um arrogante burocrata se torna um verdadeiro herói de guerra, é apresentada de forma convincente pelo ator (clichê bem gerenciado, neutro).

Por fim, se você ainda está traumatizado por Oblivion, pode assistir esse sem medo. É bom aproveitar, pois não é sempre que Tom Cruise faz um tão bom.

★★★★☆

A Psicologia por Trás do Homem-Aranha. Desse pequeno grande herói.

Por Charles Alberto Resende.

No filme ‘O espetacular Homem-Aranha’, Peter Parker ajuda o cientista Curt Connors a elucidar sequência lógica incompleta há anos.

A trilogia do Homem-Aranha, de Sam Raimi, assim como a nova série “O Espetacular Homem-Aranha”, tratam do processo de amadurecimento de Peter Parker, e também da nossa individuação, enquanto heróis da nossa própria vida. O primeiro filme trata da ferida que dá origem ao herói: a culpa pela morte do tio Ben. O segundo sobre a dúvida se ele deve continuar sendo um herói ou não. O terceiro resolve essa dúvida, pois Peter se identifica com seu papel de herói, o que constela sua sombra: Venon, que terá de confrontar para o bem de sua integridade psíquica. A nova série já desloca a ferida do herói para o abandono dos pais, fato que irá repercutir em todos os filmes, principalmente na insegurança e no sentimento de exclusão de Peter. Uma análise mais completa dessa série só será possível ao seu término, para se encadear um filme ao outro e se detectar para onde a aventura está caminhando.

peter-parker_homem-aranhaPeter, psicologicamente, é um pensador, mas tem que lidar com seus sentimentos, conteúdos opostos às ideias. Enquanto aranha, ele “balança” de um oposto psíquico para outro, a fim de alcançar a condição humana de equilíbrio, sem se identificar com um ou outro, uma vez que ambos fazem parte da vida e da psique. O azul associa-se à tranquilidade, à pureza, à exatidão, ao frio, à imaterialidade e à espiritualidade. O vermelho, se liga à vida, aos instintos, à vigilância, à inquietude. Identificar-se com um deles, sejam eles quais forem, é querer tornar-se um deus, resolver tudo com uma fórmula só, como num “passe de mágica”, o que nos torna impiedosos para com aqueles que se identificam com o lado oposto. Isso é bem ilustrado no Homem-Aranha 3, na forma como é cruel com Mary Jane e seu amigo. Por isso a aranha, que possui oito patas, faz uma mandala no peito do herói, um símbolo de totalidade, de abrangência dos opostos.

O que ajuda Parker a resistir à tentação a se tornar uma espécie de deus é já ter estado do “outro lado”, já ter sido um fraco, e por isso conhece o valor da força. Ele sofria bullying na faculdade, e é provável que sofrera também nos estágios escolares anteriores. Mas é justamente essa vivência que o impede de cair na tentação do poder, e usá-lo contra os demais. Sua sombra é o herói, o homem poderoso, e sua tarefa é integrá-la à sua vida e tornar-se um homem íntegro.

mary-janeNo primeiro filme, Peter assume a persona de herói, simbolizada pelo uniforme, e se identifica com ela. No segundo, sente necessidade de reprimir a vida de herói, pois acabou deixando outras necessidades de lado, como a paixão por Mary Jane. Por isso perde seus poderes e fica novamente míope. Mas a chave para saber lidar com a vida de herói e com as necessidades humanas é a disciplina, e não a repressão. Esta é usada devido ao medo de usar compulsivamente seus poderes. Isso só ocorre quando não se está consciente de possuir as qualidades opostas, devido à repressão de uma das polaridades. Porém, o Aranha só vai descobrir isso no 3º filme, quando descobre o quanto pode ser mau.

homem-aranha_os-vilõesOs vilões que o Aranha enfrenta representam obstáculos em sua psique que ele precisa superar. Todos eles podem ser classificados em duas categorias: ou são cientistas, ou são objeto/produtos de estudo científico avançado. De alguma forma estão relacionados à atividade intelectual, e acabam por sucumbir ao poder. Os vilões dos dois primeiros filmes e de “O Espetacular Homem-Aranha” são admiradores da performance intelectual de Peter, como que denunciando o perigo de se fixar apenas em uma função ou qualidade psíquica. As quatro funções psíquicas (pensamento e sentimento, sensação e intuição) são formas de orientação da consciência para adaptação à vida. Elas formam pares em oposição, e não podem se desenvolver sem prejuízo da função oposta, pois uma interfere no funcionamento da outra. Por isso, quando o sentimento se desenvolve, a função intelectual não progride, e vice-versa. As funções que não progridem. alcançam uma feição inferior, primitiva. Caem totalmente ou em parte no inconsciente e a partir daí operam através do indivíduo de forma involuntária, podendo ocasionar acidentes e todo tipo de erro. Isso está explicado de maneira mais extensa na monografia “A intuição e a sensação em dependentes de droga na perspectiva da psicologia analítica”, onde os opostos intuição e sensação são explicados com mais propriedade. Como Peter desenvolveu mais a função pensamento, e é do tipo psicológico intelectual, mas ao mesmo tempo sente necessidade de evoluir seu sentimento, pois percebe que não consegue lidar muito bem com pessoas caras em sua vida. Harry e Marko parecem ser do tipo sentimento, e são os únicos vilões que Peter perdoa.  

Já os demais (Norman, Otto, Curt e Max) morrem no final, pois representam justamente o uso excessivo do intelecto que precisa findar na vida de Peter. É como se estes fossem personificações de sua função intelectual que precisava de maior objetivação para que ele pudesse percebê-la melhor para se aproximar mais da função oposta.

A título de conclusão, é pertinente fazer um paralelo das aventuras do Homem-Aranha com a estrutura das sagas dos heróis em geral. O herói quase sempre é engolido pelo monstro na batalha decisiva, o que ocorre com Peter quando é “engolido” pelo Simbionte, que toma seu corpo com o traje negro. Isso ocorre com Jonas, na Bíblia. É no interior da baleia que este começa a ajustar contas com ela, que nada na direção do nascer do sol (JUNG, 1991d, §160). No caso, o Aranha ajustou contas com a sombra coletiva na igreja, e depois ao explodi-la, quando o sol desponta. Só então Peter perdoa o Homem-Areia, uma alusão ao seu renascimento.

(Leia mais a respeito: “A sombra do Homem-Aranha“)
Por Charles Alberto Resende.

Capitão Abu Raed (Captain Abu Raed. 2007)

comandante-abu-raed_2077Mais do que focar no Gênero de um Filme se for pelo país de origem poderá ter como um pano de fundo a cultura do mesmo. Conhecer mais amiúde, ou mesmo de um plano geral, os costumes locais. Assim, ao ser citado que o filme “Capitão Abu Raed” viria da Jordânia ficou como principal motivador para assisti-lo pelo Cine Conhecimento do Canal Futura. O que foi ótimo porque me vi atenta acompanhando a uma comovente e bela história de vida e até a cena final. Depois ao escrever sobre o filme veio a dúvida se traria ou não spoiler. Por ele trazer temas que ao esmiuçar corre-se esse risco.

comandante-abu-raed_2007_01Capitão Abu Raed” faz um sobrevoo na vida de um outro comandante. Onde esse primeiro foi por demais importante em mudar o seu próprio destino. Ficamos conhecendo sua identidade no finalzinho do filme. Nesse início vemos mesmo a sombra de um homem. Ele ali do alto de uma torre olha esse novo horizonte a sua frente. Mas como se esquecer de seu passado? Mais! Dele, de Abu Raed? Fica ali meio em que numa prece aquele que mudou o seu destino. Tinha então um destino o qual não acreditaria que um dia teria o de agora. Fora graça a intervenção de Abu Raed! E então o filme volta nesse tempo específico onde conheceremos tudo o que houve.

Abu Raed (Nadim Sawalha) é um senhor muito afável que trabalha como faxineiro no aeroporto de Amã. Enquanto limpa o chão ajuda com prazer as pessoas que lhe pedem informações. Viúvo, solitário, passava as suas horas de folga viajando pelas leituras dos livros que colecionava. Tal hobby lhe dera bastante cultura, como também conhecimento em outras línguas, em pelo menos algumas expressões que lhe ajudariam se pudesse de fato viajar para o exterior.

Um dia encontra um quepe de capitão de voo numa das lixeiras do aeroporto. Ficara roto para alguém, mas para ele se tornaria a sua “cartola mágica”. É que ao decidir usá-lo a caminho de casa termina por atrair a atenção de algumas crianças da vizinhança. Ávidos por histórias de um “mundo melhor” terminam acreditando ser ele um verdadeiro comandante de uma grande aeronave. Se ao menos creditassem a Abu Raed o ser simplesmente um contador de Histórias alguns incidentes poderiam ter sido evitados. Mas aí seria uma outra história. Agora, por uma tragédia que acontece nessa fica sim algumas reflexões. Uma delas até onde se pode interferir nos destinos de outras pessoas? Há de se pesar as consequências? Bastaria só ter boas intenções? Coragem também conta?

captain_abu_raedAo se tornar um contador de histórias para aquelas crianças ganha muito mais ânimo. Até porque teria o que fazer quando se aposentasse. Abu Raed também se vê como um avô o que o leva a querer interferir na vida delas. Mas uma coisa é tentar ensinar a uma criança, outra bem diferente é fazer com que um adulto veja o quanto está errado na educação dos próprios filhos. Até porque para aqueles homens travestidos de pais, ele não era mais do que um vizinho intrometido. Mas Abu Raed não iria desistir fácil em tirar algumas da violência física que sofriam em casa. Como também em tentar ajudar uma outra a voltar para a sala de aula. Sendo que esse menino queria muito estudar, mas o pai o obrigava a vender balas pelas ruas.

Pois é! Como uma ação e reação, alguns ao se verem violentados pela vida terminavam dando um troco naqueles que tinham como propriedade: pais/maridos vingando-se da vida. Embora a Jordânia se abra a ocidentalização, principalmente no tocante as mulheres, ainda haviam uma cultura machista bem enraizada. Talvez em menor escala nas classes sociais mais alta por conta das mulheres estarem cientes dos seus direitos.

Captain-Abu-Raed_01Certo dia, a capitã de voo Nour (Rana Sultan) presta atenção numa conversa de Abu Raed com um turista francês. Não apenas pela simpatia, como também pela honestidade dele. Nascendo daí uma amizade muito significativa para ambos. Grande diferenças de idade e de classes sociais, mas de um ideal romântico em comum. Principalmente porque queriam ser donos do próprio destino.

Por vezes a crueza da vida transforma o caráter de uma criança. Mais! Deixando-a uma pessoa amarga. De querer levar embora os sonhos de outras crianças mostrando a elas a realidade da vida que levam. Aquela felicidade mesmo que momentânea durante as histórias de Abu lhe doía na alma. Tão castigada em casa, não poupou esforços para tirar aquele encantamento de todos.

Abu Raed em sua nova missão termina por piorar a vida de um deles. Sem saber mais como ajudar um, não desiste de outra criança como na fábula do pastor que deixa o rebanho ao léu para ir resgatar a ovelha desgarrada. O que dá um aperto no coração ao ver aquele grito silencioso daquele que se sentiu abandonado por Abu Raed. Aquele olhar parecia dizer: “E agora? O que eu faço da minha vida?…” O que motiva ainda mais a tentar dar uma outra vida ao outro. Abu Raed faz tal qual uma mãe que se dedica mais ao filho de “cabeça fraca”, creditando na natureza dos demais que saberão enfrentar os percalços da vida.

captain-abu-raed_02O filme faz uma radiografia de um drama que vai além daquela fronteira. Comum também a outras nações cuja a base da pirâmide social parece fadada a um sistema de casta. Numa injustiça ainda mais cruel por tachar que quem não é um vencedor no tocante ao lado financeiro, é um perdedor. Sem nem lhe dar chance de que é feliz numa vida humilde. Que era até então o pensamento de Abu Raed. Aquele velho quepe o fez mudar. O levou num voo alto demais e sem volta.

Não sei ao certo se o filme deixa uma mensagem de esperança na humanidade em talvez em acreditar que há heróis anônimos por ai. De qualquer forma deve ser visto por todos, sem exceção, e que cada um tire suas conclusões. A mais, dizer que lágrimas rolaram no final. Não deixem de ver!
Nota 10!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Capitão Abu Raed (Captain Abu Raed. 2007). Jordânia. Direção e Roteiro: Amin Matalqa. Elenco: Nadim Sawalha (Abu Raed), Rana Sultan (Nour), Hussein Al-Sous (Murad), Udey Al-Qiddissi (Tareq). Gênero: Drama. Duração: 102 minutos.