A Mentira (Easy A. 2010)

A-Mentira_2010Por Roberto Vonnegut.
The rumors of her promiscuity have been greatly exaggerated
.

Como achei coisas boas no filme “Friends with Benefits” eu resolvi dar uma olhada no trabalho anterior do diretor Will Gluck, Easy A (A Mentira), que por estas bandas foi direto para os disquinhos de policarbonato nas locadoras. O filme é várias coisas:
– é uma adaptação livre do livro “A Letra Escarlate“, de Nathaniel Hawthorne: a estória de Hester, uma mulher que comete um ato inaceitável para a sociedade em que vive e sofre humilhações que enfrenta – quando pode – de cabeça erguida.
– é uma homenagem descarada aos filmes de John Hughes sobre adolescentes – “Clube dos Cinco“, “Curtindo a Vida Adoidado” e outros.
– é um filme que traz muitas das coisas boas que ressurgem em “Friends with Benefits“: auto-ironia desmascarando os filmes que homenageia/ parodia, por exemplo.
– E um elenco de coadjuvantes de primeira linha, que seguram muito bem a trama: Patricia Clark (de novo a mãe da protagonista), Stanley Tucci, Malcolm McDowell (de Laranja mecânica), Thomas Haden Church (o amigo de Miles em Sideways) e até Lisa Kudrow, a Phoebe de Friends.

a-mentira-2010_01Easy A é bem melhor que o filme seguinte. Emma Stone faz o papel de Olive, uma garota que vivia no anonimato que costuma cercar as alunas que gostam de literatura, mas não são populares, até que um dia resolve contar uma mentirinha inocente que a coloca no centro da rede de fofocas da escola e lhe rende a fama de piranha-mor. Olive, usando um vocabulário erudito que por si só já faz valer a pena prestar atenção na narração, conta o que aconteceu: a mentira inicial, o efeito areia movediça em que ela se afundava cada vez mais, a reação dos colegas.

Will Gluck usa muito bem o recurso de mostrar que, para os adultos que participam do filme, os pudores que tanto chocam a garotada não passam de bobagem. Ao saber que Olive está sendo acusada de ter perdido a virgindade com um garoto mais velho, a mãe tenta acalmá-la dizendo que na escola transou com muita gente, e faz a importante ressalva: a maioria, garotos.

A ironia do roteiro de Bert Royal é o ponto alto do filme: ele brinca com os filmes dos anos 80 e com livros, de Hawthorne a Mark Twain, passando pelo Pentateuco e pelo relatório Kinsey. O vocabulário dos adolescentes é um achado: para driblar a censura, os adolescentes usam expressões inventadas que soam mais realistas do que as expressões “amaciadas” comumente usadas nestes filmes – algumas são ótimas, como a garota carola que acusa Olive de ser uma rhimes-with-witch. Vi no original, não tenho a menor ideia se a tradução tomou o cuidado de manter isso.

Vale a pena pegar na locadora. Sessão da tarde com pitadas de cultura.

[*] a frase de Olive que usei no início do post é um jogo com uma frase famosa de Twain sobre a inexatidão das fofocas.