A Senhora da Van (2015). Uma Moradora de Rua e uma Burguesia Londrina

a-senhora-da-van_2015_posterPor: Valéria Miguez (LELLA).
Maggie Smith é sempre um convite a assistir suas performances! Ainda mais que a personagem desse filme seria um oposto da sua condessa na série “Downton Abbey“: uma mendiga motorizada. Em comum entre tão distintas personagens: a soberba. Afinal, não é por vestir trapos que não se possa ter dignidade! E se a outra vivia entre mansões… Em “A Senhora da Van” ela fez do carro o seu lar-fedido-lar… É que embora não tenha saído de nenhum movimento hippie… Higiene pessoal não estava entre sua rotina diária… Onde talvez pela idade já avançada, ou mesmo cansada de sair rodando por aí, estaciona sua van numa determinada rua entrando então na vida daquele que nos conta essa história… Como pano de fundo temos esse relacionamento: um escritor e essa singular figura. Algo do tipo: o cavalheiro e a “mendiga”. Uma relação que existiu de fato!

a-senhora-da-van_2015_chargeNão escolhi [viver assim]. Fui escolhida.

Ela é Miss Shepherd! Que ao escolher uma rua tranquila de um bairro de classe média londrina para estacionar sua “casa”, é mais rigorosa na escolha daqueles que terá como “novos vizinhos”. Muito mais do que eles com ela já que teriam todas aquelas tralhas parado em suas calçadas… O que traz certa comicidade a esses entreveros… E mesmo que se regozijassem quando ela mudava para a frente de outra casa, no fundo não queriam aquela moradora de rua ali em sua rua… Querendo eles ou não, ela já decidira ali fincar território!

Boa natureza, ou o que geralmente é chamado assim, é a mais egoísta das virtudes. Nove em cada dez vezes é mera indolência de disposição.” (Hazlitt)

a-senhora-da-van_2015_01Alheio ao “drama” dos vizinhos… Ela desperta uma curiosidade no tal escritor. Já que a presença dela poderia lhe render alguma história.. Mesmo que a princípio ficasse mais num tête-à-tête consigo mesmo… Vivendo sozinho, ele gostava de trocar ideia com o seu alter ego… Que embora fosse o seu maior crítico, era também o seu maior incentivador… Quando Miss Shepherd entra em sua vida, ele atua numa peça de sua autoria onde conta de seu relacionamento com sua mãe… Relação essa que não vivem mais sobre o mesmo teto: um visita o outro… Talvez até por não ter saído do armário… Discreto, tímido, metódico… Talvez inconscientemente ele também quisesse para si um pouco do caos que ela trouxera na vida de todos ali… Ele é Alan Bennett e quem o interpreta é Alex Jennings. Numa performance excelente!

É como um conto, uma parábola em que o culpado é levado a conceber uma sentença a alguém inocente, e perceber que declarou sua própria ruína.”

a-senhora-da-van_2015_04O que para todos daquela rua, inclusive os da Assistência Social, seria uma presença provisória, terminou levando quinze anos (de 1974 até 1989) morando ali, e que depois até colocou uma televisão dentro da van… Vale destacar que ela pegou quase todo o Governo Thatcher (1979/1990)… Mas a “luta de classes” ficou mesmo na cabeça dos “novos vizinhos”… O que pesou mesmo na vida de Shepherd fora a repressão que sofrera por sempre ter sido um espírito rebelde… Manicômios, Padres e freiras tentaram domá-la… Por parte da Igreja com a proibição de algo que lhe era muito caro, um talento nato para o piano. O estrago fora tanto que passara até a odiar a música… E por conta de suas auto penitencias ganha o apelido de “Pastora”… 

Lembranças não podem ficar apenas na memória. Com o tempo, elas se apagam.” (Everton Nunes)

a-senhora-da-van_2015_03O Diretor Nicholas Hytner imprime um ritmo lento o que pode desagradar aqueles que procuram por mais ação. No entanto irá agradar aqueles que gostam de ouvir histórias de vivências e convivências! De vidas que se cruzam até que a morte as separem! De sentimentos que fogem do racional. Como por exemplo: A alguém que faz merda na frente de sua casa e mesmo assim nutrir carinho e respeito por essa pessoa… Claro que algo assim mostra o tipo de humor que pontua o filme. Meio escatológico, mas mais por conta da personalidade da personagem. Que por sua vez ela não nos leva às lágrimas deveras pelo seu drama que vamos conhecendo ao longo do filme por transparecer que ela ligou um “Fuck you!” às diversidades. Great! Mas há momentos que emocionam, sim! De tudo, bem que Hytner poderia ter enxugado um pouco… Ou não, por ser um: “Senta, que lá vem história!“. Ótima, por sinal! Nota 09!

A Senhora da Van (The Lady in the Van. 2015)
Ficha Técnica: na página do IMDb.

Pelo Malo (2013)

pelo-malo_2013_cartazNossa magnífica poetisa e atriz Elisa Lucinda não gosta do termo “cabelo ruim”, porque afinal, como ela bem diz: ele, o pobre cabelo, nunca fez mal a ninguém. Mas no caso do nome traduzido desse surpreendente filme de Mariana Rondon, o título – Pelo Malo – não poderia ser mais adequado. Sob a ingênua pretensão do menino Junior (excelente escolha do ator-mirim Samuel Lange) de ter suas madeixas alisadas simplesmente para aparecer bem na foto da escolinha, a diretora desenvolve um poderoso drama familiar que transborda com habilidade para o terreno político-social.

Pelo Malo Mariana RondonAmparada por um elenco sensível o suficiente para trabalhar num roteiro cheio de nuances, Mariana orquestra com precisão os conflitos e pechas naturais de Marta (Samantha Castillo), uma mãe que luta sozinha para criar os filhos numa favela vertical em Caracas. Ignorante, protetora e instintiva, ela teme pela masculinidade do filhinho que simplesmente quer ter cabelos lisos para ficar parecido com um cantor. O menino tem como cúmplice de suas aspirações a avó que o treina e veste, bem como uma amiguinha espirituosa que almeja ganhar um concurso de beleza apesar do perfil pouco indicado. No incompreendido universo infantil, a única saída para a dolorosa miséria seria a fuga desesperada para uma utópica fama instantânea através de imagens retocadas grosseiramente pelo fotógrafo do lugar.

Tudo se passa numa Venezuela que agoniza junto com o Presidente Hugo Chávez, mas bem que “Pelo Malo” poderia perfeitamente se encaixar no Brasil, não somente por uma conhecidíssima canção eternizada por Wilson Simonal que permeia a trama, mas também pelos graves problemas de desequilíbrio social que os países têm em comum.
Por Carlos Henry.

Rezando por Bobby (2009). Meu protesto contra Marco Feliciano!

rezando-por-bobbyPor Lidiana Côrrea.
“Rezando por Bobby”
conta a verdadeira história de Mary (Sigourney Weaver), uma mãe de família religiosa, que se sente abalada quando seu filho Boby (Ryan Kelley) revela ser gay. Começa então uma corrida na tentativa de “curar” Bobby, no entanto, depois de se culpar por ser quem era, Bobby se atira de uma ponte aos 20 anos de idade e Mary começa a refletir sobre seus próprios conceitos até se tornar uma militante da causa gay. Filme dirigido por Russell Mulcahy.

Assisti esse filme já tem um certo tempo. Embora tenha sido feito para a TV, a atuação de Sigourney Weaver não passa despercebida, foi simplesmente tocante. Não é um grande filme, mas é uma grande história, e em tempos de Marco Feliciano nada mais sensato que escrever sobre uma trama com temática GLS.

Eu poderia ter escolhido outro filme, há muitos filmes bons com temática GLS. Mas lembrei-me deste quando li um comentário de uma moça com relação a uma matéria da revista Época, que dizia que Feliciano insiste em dizer que os negros são amaldiçoados, e entre tantos comentários dos leitores, é claro que suas declarações homofóbicas vieram à tona. E a moça escreveu mais ou menos assim: “toda mãe sonha que o filho se case de forma tradicional, tenha filhos, eu não sou homofóbica!” Me pus então a refletir sobre o que ela escreveu, e imediatamente Orações para Boby me veio à mente.

rezando-por-bobby_01Bem, no filme, assim como na realidade, Mary sonhava exatamente isso para Boby, mas não era isso que ele sonhava. E ele tentou seguir à risca a cartilha da mãe, mas isso só gerou tristeza, infelicidade, depressão, e um fim trágico. Então, fica a pergunta: os pais querem que os filhos sejam uma extensão deles mesmos, ou que tenham vida própria e sejam felizes?

Mesmo com os leitores já sabendo o final do filme, ele não termina aí. Com a morte de Bobby, Mary vê a chance de recomeçar, de entender o filho, e para isso ela terá que quebrar seus próprios paradigmas. Uma luta consigo mesma, com aquilo que acreditou a vida inteira e sobretudo com seu amor de mãe.

Esta história aconteceu na década de 70, mas acontece ainda nos dias de hoje. Basta ver as declarações de Feliciano, Joelma (nossa como Joelma me lembrou essa mãe!) Nos coloquemos no lugar dos homossexuais, como eles se sentem tendo seus direitos violados, sendo motivo de escárnio para toda a sociedade? Como você se sentiria?

Mais resenhas sobre filmes com temáticas gay virão. Então, se você é homofóbico ou algo do gênero, me faça um favor: não leia este blog.

Esta é a verdadeira Mary em uma parada gay.

Esta é a verdadeira Mary em uma parada gay.

Eu não posso deixar ninguém saber que não sou hétero. Isso seria tão humilhante. Meus amigos iriam me odiar, com certeza. Eles poderiam até me bater. Na minha família, já ouvi eles falando várias vezes que odeiam gays, que Deus odeia os gays também. Isso realmente me apavora quando escuto minha família falando desse jeito, porque eles estão realmente falando de mim. Às vezes eu gostaria de desaparecer da face da terra…Às vezes sofro tanto…Estou assustado e sozinho. Estou condenado. Estou afundando lentamente num vasto lago de areia movediça. Um poço sem fundo. Gostaria de rastejar para debaixo de uma pedra e dormir para sempre. […] Posso sentir os olhos de Deus olhando para mim com pena.” (Trecho extraído do diário de Bobby.)

Um Plano Brilhante (Flawless. 2007)

Por Roberto Souza.

Uma Receita Contra a Mesmice

Se existe um gênero no qual os produtores investem seu dinheiro sem medo é o thriller. Mexendo com os nervos da audiência eles garantem o investimento e várias noites de sono tranqüilo. O filme de suspense caiu no gosto do público há tempos, desde que Sir Alfred Hitchcock explorou todas as suas possibilidades, vertentes e variações. Além disso, a presença de astros veteranos ou na berlinda, a convocação de um diretor competente e um script elaborado com um mínimo de engenhosidade garantem o sucesso da receita.

É o exemplo de Um Plano Brilhante (Flawless), estrelado por Demi Moore e Michael Caine, sob a direção do britânico Michael Radford. O roteiro original de Edward Anderson tem o mérito de conferir aos personagens principais uma sutileza pouco comum ultimamente, neste tipo de espetáculo. Situado na Londres dos anos 60, o enredo nos apresenta Laura Quinn (Moore), executiva de uma poderosa firma de diamantes, cuja ascensão profissional vem sendo barrada por ser mulher. Aos poucos, ela se aproxima do Sr. Hobbs (Caine), o velho zelador que foi descartado após toda uma vida dedicada à empresa. Juntos eles irão responder ao preconceito e à demissão esquematizando um golpe genial: o roubo de uma valiosíssima coleção de jóias, se vingando da corporação que friamente os menosprezou.

Radford (O Carteiro e o Poeta, O Mercador de Veneza, 1984), um realizador que costuma driblar a mesmice, conduz a narrativa com muita habilidade e acerta em cheio no ângulo da abordagem. Ao invés de apostar na trama, na armação do plano mirabolante, constrói o filme baseado na fragilidade dos protagonistas frente à estrutura que os devora. A impressão de que a tarefa está acima de suas capacidades e que andam sempre à beira do abismo, remete à tensão ao nível psicológico, garantindo uma densidade que confere equilíbrio ao todo.

Porém, em nenhum momento tal visão minimiza a diversão que todos procuram em histórias assim, muito pelo contrário. Ao final, a sensação que fica é da rara mistura de complexidade emocional e ação mirabolante, agradando aos olhos e à inteligência. Além do prazer de sempre rever a altivez natural de Michael Caine, e a grata surpresa de constatar que Demi Moore, amadurecida, tornou-se capaz de representar com sensibilidade, alcançando alturas que ninguém julgava possível.

Intocáveis (2011). Quando Dois Párias se Encontram.

Não dá para dissociar a realidade do filme com a minha, uma cadeirante, ao analisá-lo. Sem esquecer também que foi baseado numa história real. Mas o cadeirante do filme está num patamar muito superior: de ser riquíssimo. O que também me fez pensar numa celeuma com também uma cadeirante rica numa novela. Por ambos mostrarem universos muito diferentes dos da maioria de nós. Até porque com muita grana, tudo é muito mais fácil, principalmente para um cadeirante. Mas meio paradoxal ou não, eu continuo afirmando que é melhor mostrarem as dificuldades de um cadeirante rico, do que de nenhum. Primeiro, porque a massa gosta mesmo de ver luxo e riqueza. Depois, que aproveitando-se dessa grande exposição, cria no inconsciente coletivo um olhar para se há ou não acessibilidade a sua volta. Isto posto! Vamos ao filme!

Ao traduzirem o título original por “Intocáveis“, dá uma vontade de perguntar: “Mas intocáveis por que?” Muitos ainda acham que ao se ficar cadeirante se chegou ao fim de linha. De se ficar “entocado“, numa de: “coloca-se a comida no cocho e se der por feliz!” Acontece que o personagem do filme sendo muito rico, além dos serviçais habituais, pode se dar ao luxo de ter um personal-faz-tudo: enfermeiro, motorista, acompanhante… Caso essa pessoa também se tornasse um amigo, aí já seria um presente dos deuses. Mas até isso acontecer, pairá sobre ambos o estigma de ser um serviço muito bem pago. O que até por conta disso entre eles haverá uma outra barreira, a física, mas de um modo metafórico. Porque o primeiro passo será um tocar ao outro. Vencendo essa primeira barreira, o passo seguinte seria algo do tipo: “Viu? Somos de carne e osso!” Cujas limitações acabam abrindo espaço para viver a vida por um outro caminho. Mas de pertinho com qualquer pessoa, a ponto de se tocar e ser tocado. Um simples beijo na testa já faz um bem enorme, que dirá sair às ruas, sair da “toca“.

E quem seriam esses dois personagens? Dois homens de temperamentos fortes. Como dois párias na busca de uma nova regra social: a de que a amizade deve transcender a tal “normalidade” das sociedades vigente em qualquer esfera, em qualquer cultura.

De um lado temos Philippe. Interpretado pelo sempre ótimo François Cluzet. Um aristocrata meio esnobe, cujo dinheiro pode comprar tudo o que desejar, menos saber se é verdadeiro o apreço dos que o cercam. Tetraplégico. Ciente o quanto isso torna difícil uma convivência mais íntima. Até porque se faz necessário alguém com força física para levantá-lo da cama para a cadeira de rodas, por exemplo. Então, para Philippe esse secretário particular já se fazia urgente a contratação.

Agora, se para se lidar com um tetraplégico já criam muita resistência… Que dirá sendo ele um ricaço em querer empregar um ex-presidiário. Grandalhão. Que já pela aparência afastava as pessoas por temerem sua força física. Ele é Driss. Uma magistral interpretação de Omar Sy. A qual abro um parêntese para desejar vida longa a sua carreira! Bravíssimo! Driss é quase um produto do meio senão fosse pelo bom coração. Arredio. Explosivo. Espontâneo. Sem travas. Mas no fundo também um ser carente de afeto assim como Philippe.

Juntos, Philippe e Driss, nos levarão a variadas explosões de sentimentos. Ora se divertindo com eles. Ora se emocionando. Onde não se tem que pesar que nesse há uma classe social para lá de privilegiada, pois se ambos fossem pobres seria uma outra história. Assim, é um filme que vale muito a pena ver, e rever. Nota máxima!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Histórias Cruzadas (The Help. 2011). Por Um Pedido de Socorro

Por Mario Braga

Para aqueles que gosta, ou gostaram da história de cunho social, principalmente referente à discriminação racial contra os negros no EUA e assistiram “A Cor Púrpura-The Color Purple”(1985) de Steven Spielberg. Esqueçam. Não que Spielberg, não seja capaz de contar uma história como ninguém sobre o assunto, mas “Histórias Cruzadas-Help”(2011), baseado  no livro de Kathryn Stockett procura ir mais fundo no preconceito latente em relação aos negros, principalmente as mulheres negras.

Num elenco em que há a predominância das mulheres tanto brancas quanto as negras retratadas em 1960, o diretor Tate Taylor soube  captar como nenhum outro o sofrimento e a dor daquelas mulheres que só conseguiam galgar trabalho na condição de empregadas domésticas. Tate é direto, seguro e foge completamente dos estereótipos, do que seja piegas e dono de um talento ímpar que compõe muito bem o perfil dessas mulheres sulistas.

Embora todas elas façam uma composição perfeita de suas personagens, não há como negar a atenção sobre o talento natural de Octavia Spencer (Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Help”) e Viola Davis como a doméstica contida que expressa toda a sua dor só pelo olhar, além das atrizes Emma Stone, Bryce Dallas Howard, Jéssica Chastan e Allison Janey que completam esse universo feminino.

Não foi à toa que Taylor escolheu Sissy Spacey “Uma História Americana-The Long Walk Home” (1990) e Mary Steenburgen “Na Época do Ragtime-Ragtime” (1981), pois ambas (cada uma à sua maneira) nos filmes citados se apresentavam como mulheres liberais em seu tempo. Até mesmo como uma justa homenagem a ambas.

Vale citar a excelente fotografia de Stephen Goldblatt que pela manhã capta o calor exarcebado da cidade de Mississipi e a noite toda a tensão que a película exige.

Sem nenhum tipo de apelo emocional, mas muito bem conduzido, Tate Taylor domina o dom de fazer correr as lágrimas pelas faces dos marmanjões meio  durões, que habitam o nosso planeta, seja no escurinho de uma sala de cinema, seja dentro de casa no seu aparelho de LED com a luz toda apagada. Simplesmente magnífico.