MOmmy (2014). Se ser mãe é padecer no paraíso…

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xavier-dolan_cineastaO longa do diretor Xavier Dolan trata, neste novo argumento, também de juventude transviada, e já começa avisando: “Esta é uma obra de ficção”, e eu continuo: Qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência. É bem verdade, a trama é de fato uma obra de ficção e se passa no Canadá onde uma lei permite que pais, que tem algum filho com o comportamento problemático, o próprio país se encarrega de interná-lo em um hospital psiquiátrico e tratá-lo.

mommy_2014_02E logo na apresentação das personagens o diretor exibe ela, Diane ou Die, no jardim do Éden, colhendo o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Sabe-se que ela está viúva e tem um filho ‘aborrecente’ de quinze anos. O narrador foi maldosamente perspicaz ao utilizar-se de uma metáfora contundente para mostrar o caminho da interpretação que ele quer dar a esta história. E como toda historia é uma viagem, prepare a bagagem e o passaporte!

mommy_2014_01Na verdade o jovem Steve sofre de DDA, ou Distúrbio de déficit de Atenção. Quem é professor sabe bem o que é isso, pois quando se depara com determinada situação, é um deus nos acuda, ter em uma turma de 40 alunos, por exemplo, e um que sofra desse mal, dessa disfunção neurológica, dar aula torna-se impraticável, e o mestre, além de ter que se desdobrar em pelo menos uns dez, tem que ser bem criativo.

E aqui me fez lembrar o ditado: “Ser mãe é padecer no paraíso”, pois a personagem que tem um filho diagnosticado com DDA, difícil de ser tratado, terá que conviver para sempre com problemas e consequências que esse transtorno de muitos sintomas herdado geneticamente, será capaz de ser paciente, talvez abandonar o emprego, abrir mão de outros laços afetivos e também do lazer. Enfim, cada um com a sua cruz…e se alguém for capaz de dizer a essa pobre senhora: – Está com pena, talvez seja capaz de ouvir como resposta algo que não queira do tipo: “- Se está, leve para casa!”. Lamentável, porque até a mãe é meio desregrada. Ou não?

Bem o filme foi super elogiado pela crítica, levou o Prêmio do Júri do Festival de Cannes, mas não sei, não conseguiu me seduzir, peço desculpas. E Cannes também pode se enganar, ou por isso o prêmio ficou pela metade e a outra parte foi para o “Adeus à Linguagem” de Jean-Luc Godard.

Não senti firmeza na atuação do ator, Antoine-Oliver Pilon achei meio apelativo, e ele me transmitia certa insegurança e parecia não estar tão à vontade no papel escrito para viver o adolescente problemático.

mommy_2014_03E para quem ainda não assistiu, atente à personagem de Suzanne Clément como Kyla, a vizinha, super prestativa que ajuda ambos, a mãe e o filho, e perguntas surgem sobre a sua vida e como seu destino pode estar ligado a Die e Steve. E Kyla que na história tem dificuldade com a fala, e toda a explicação básica, fatos e acontecimento em torno dessa misteriosa pessoa é revelado aos poucos no decorrer da narrativa.

Confesso que me identifiquei mais com a história dela, desta personagem, gostei! Fica como sugestão ao roteirista que crie uma história tendo ela como protagonista.

Ah! Esqueci um detalhe: o que mesmo significa PADECER?
E.B.

Mommy (2014)

mommy_2014xavier-dolan_cineastaXavier Dolan tem pouco mais de vinte anos e já conseguiu fazer uma obra-prima: Trata-se da direção do pungente filme Mommy que foge dos padrões chorosos e piegas já conhecidos ao contar a conturbada relação de Diane (Anne Dorval) com o filho problemático Steve (Antoine-Olivier Pilon) que ela defende e ama como uma verdadeira leoa.

Steve acaba de ser expulso da escola por conta do seu gênio incontrolável e agressivo. Diane o acolhe e acaba perdendo o emprego com problemas relacionados com o filho adolescente. Viúva e desamparada, é obrigada a fazer faxina e enfrentar novas crises de violência. A enigmática vizinha Kyla (Suzanne Clément) está disposta a ajudar e tudo parece entrar nos eixos até que surgem novas dificuldades.

mommy-2014_anne-dorval_e_antoine-olivier-pilonAlém de um roteiro primoroso e um elenco de primeira, Xavier lançou mão de um recurso que alguns diretores já começam a explorar: A maleabilidade da própria tela para expressar emoções. No caso, o mundo de Steve se mostra oprimido num formato de película curto e apertado que pode causar estranheza ao espectador, para se expandir em poucos e precisos momentos até chegar à tela larga padrão que representa a liberdade que o rebelde jovem precisa atingir para superar seus conflitos. Tudo colorido e amparado por uma trilha sonora deliciosa que inclui “On Ne Change Pas” cantada por Celine Dion num belo e antológico momento de descontração e “Born to Die” de Lana Del Rey nos créditos finais deste que pode ser considerado um dos melhores filmes do ano.

Carlos Henry

Capitão Abu Raed (Captain Abu Raed. 2007)

comandante-abu-raed_2077Mais do que focar no Gênero de um Filme se for pelo país de origem poderá ter como um pano de fundo a cultura do mesmo. Conhecer mais amiúde, ou mesmo de um plano geral, os costumes locais. Assim, ao ser citado que o filme “Capitão Abu Raed” viria da Jordânia ficou como principal motivador para assisti-lo pelo Cine Conhecimento do Canal Futura. O que foi ótimo porque me vi atenta acompanhando a uma comovente e bela história de vida e até a cena final. Depois ao escrever sobre o filme veio a dúvida se traria ou não spoiler. Por ele trazer temas que ao esmiuçar corre-se esse risco.

comandante-abu-raed_2007_01Capitão Abu Raed” faz um sobrevoo na vida de um outro comandante. Onde esse primeiro foi por demais importante em mudar o seu próprio destino. Ficamos conhecendo sua identidade no finalzinho do filme. Nesse início vemos mesmo a sombra de um homem. Ele ali do alto de uma torre olha esse novo horizonte a sua frente. Mas como se esquecer de seu passado? Mais! Dele, de Abu Raed? Fica ali meio em que numa prece aquele que mudou o seu destino. Tinha então um destino o qual não acreditaria que um dia teria o de agora. Fora graça a intervenção de Abu Raed! E então o filme volta nesse tempo específico onde conheceremos tudo o que houve.

Abu Raed (Nadim Sawalha) é um senhor muito afável que trabalha como faxineiro no aeroporto de Amã. Enquanto limpa o chão ajuda com prazer as pessoas que lhe pedem informações. Viúvo, solitário, passava as suas horas de folga viajando pelas leituras dos livros que colecionava. Tal hobby lhe dera bastante cultura, como também conhecimento em outras línguas, em pelo menos algumas expressões que lhe ajudariam se pudesse de fato viajar para o exterior.

Um dia encontra um quepe de capitão de voo numa das lixeiras do aeroporto. Ficara roto para alguém, mas para ele se tornaria a sua “cartola mágica”. É que ao decidir usá-lo a caminho de casa termina por atrair a atenção de algumas crianças da vizinhança. Ávidos por histórias de um “mundo melhor” terminam acreditando ser ele um verdadeiro comandante de uma grande aeronave. Se ao menos creditassem a Abu Raed o ser simplesmente um contador de Histórias alguns incidentes poderiam ter sido evitados. Mas aí seria uma outra história. Agora, por uma tragédia que acontece nessa fica sim algumas reflexões. Uma delas até onde se pode interferir nos destinos de outras pessoas? Há de se pesar as consequências? Bastaria só ter boas intenções? Coragem também conta?

captain_abu_raedAo se tornar um contador de histórias para aquelas crianças ganha muito mais ânimo. Até porque teria o que fazer quando se aposentasse. Abu Raed também se vê como um avô o que o leva a querer interferir na vida delas. Mas uma coisa é tentar ensinar a uma criança, outra bem diferente é fazer com que um adulto veja o quanto está errado na educação dos próprios filhos. Até porque para aqueles homens travestidos de pais, ele não era mais do que um vizinho intrometido. Mas Abu Raed não iria desistir fácil em tirar algumas da violência física que sofriam em casa. Como também em tentar ajudar uma outra a voltar para a sala de aula. Sendo que esse menino queria muito estudar, mas o pai o obrigava a vender balas pelas ruas.

Pois é! Como uma ação e reação, alguns ao se verem violentados pela vida terminavam dando um troco naqueles que tinham como propriedade: pais/maridos vingando-se da vida. Embora a Jordânia se abra a ocidentalização, principalmente no tocante as mulheres, ainda haviam uma cultura machista bem enraizada. Talvez em menor escala nas classes sociais mais alta por conta das mulheres estarem cientes dos seus direitos.

Captain-Abu-Raed_01Certo dia, a capitã de voo Nour (Rana Sultan) presta atenção numa conversa de Abu Raed com um turista francês. Não apenas pela simpatia, como também pela honestidade dele. Nascendo daí uma amizade muito significativa para ambos. Grande diferenças de idade e de classes sociais, mas de um ideal romântico em comum. Principalmente porque queriam ser donos do próprio destino.

Por vezes a crueza da vida transforma o caráter de uma criança. Mais! Deixando-a uma pessoa amarga. De querer levar embora os sonhos de outras crianças mostrando a elas a realidade da vida que levam. Aquela felicidade mesmo que momentânea durante as histórias de Abu lhe doía na alma. Tão castigada em casa, não poupou esforços para tirar aquele encantamento de todos.

Abu Raed em sua nova missão termina por piorar a vida de um deles. Sem saber mais como ajudar um, não desiste de outra criança como na fábula do pastor que deixa o rebanho ao léu para ir resgatar a ovelha desgarrada. O que dá um aperto no coração ao ver aquele grito silencioso daquele que se sentiu abandonado por Abu Raed. Aquele olhar parecia dizer: “E agora? O que eu faço da minha vida?…” O que motiva ainda mais a tentar dar uma outra vida ao outro. Abu Raed faz tal qual uma mãe que se dedica mais ao filho de “cabeça fraca”, creditando na natureza dos demais que saberão enfrentar os percalços da vida.

captain-abu-raed_02O filme faz uma radiografia de um drama que vai além daquela fronteira. Comum também a outras nações cuja a base da pirâmide social parece fadada a um sistema de casta. Numa injustiça ainda mais cruel por tachar que quem não é um vencedor no tocante ao lado financeiro, é um perdedor. Sem nem lhe dar chance de que é feliz numa vida humilde. Que era até então o pensamento de Abu Raed. Aquele velho quepe o fez mudar. O levou num voo alto demais e sem volta.

Não sei ao certo se o filme deixa uma mensagem de esperança na humanidade em talvez em acreditar que há heróis anônimos por ai. De qualquer forma deve ser visto por todos, sem exceção, e que cada um tire suas conclusões. A mais, dizer que lágrimas rolaram no final. Não deixem de ver!
Nota 10!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Capitão Abu Raed (Captain Abu Raed. 2007). Jordânia. Direção e Roteiro: Amin Matalqa. Elenco: Nadim Sawalha (Abu Raed), Rana Sultan (Nour), Hussein Al-Sous (Murad), Udey Al-Qiddissi (Tareq). Gênero: Drama. Duração: 102 minutos.

Tiranossauro (Tyrannosaur. 2011)

Por: Celo Silva.

Certos filmes mexem tanto com o íntimo do espectador que fica difícil traçar um panorama sobre ele, talvez por temer não conseguir ter propriedade para expressar os reais sentimentos que sente pela obra. “Tiranossauro” flerta com elementos de dramas tradicionais, mas assim não deve ser considerado. Transcende um alinhamento clássico, apostando em certa ousadia na hora de tratar de assuntos difíceis e delicados de maneira pouco usual. Aqui, os personagens não são rasos como na maioria dos dramas atuais. Por isso, talvez, cada vez mais esses tipos de obras vem sendo apontadas como independentes. Entende-se por “filme independente” aquele que foge de propostas comerciais da indústria cinematográfica, valendo-se da expressão artística de seu realizador. Bem, se a última sentença é fato, é inevitável não dizer que o excelente Tiranossauro seja um filme que se enquadre nessa alcunha.

Até pelo caráter de estréia na direção de longas do ator inglês Paddy Considine, fica difícil não afirmar o seu trabalho como indie, mas mesmo para um tipo de realização da onde tem surgido com freqüência bons exemplares de cinema, Considine consegue fazer um filme muito acima da média. Daqueles que crescem na memória afetiva de quem tem o prazer de apreciá-lo. Como é o seu primeiro filme, o qual também roteiriza, não dá para afirmar assim um estilo totalmente autoral para o cinema de Considine, mas empolga perceber que um bom diretor está se formando.

A trama de Tiranossauro gira em torno de Joseph (Peter Mulan), um agressivo homem que vive de apostas em jogos, de bebedeira e confusões na vizinhança. Um dia desses, ele conhece Hannah (Olívia Colman), uma mulher dona de um brechó que o ajuda após uma incursão em sua rotina auto-destrutiva. Apesar de aparentemente diferentes, um disfuncional vinculo entre eles se forma. Os dois parecem ser bem opostos, mas tem algo em comum. Talvez seja a amargura, a decepção, a ausência de perspectivas ou mesmo a falta de amparo e amor.

Porém, mesmo com suas possivelmente nuances que poderiam conduzir para cenas climáticas que enobreceriam de forma edificante os personagens, não esperem de Tiranossauro algo altamente nobre. Sim, existe nobreza nos personagens, mas ela surge de uma maneira transviada, baseada em alguma esperança de que tudo pode ser diferente; até ingênua, como em certo momento Joseph cita na explanação do porque do titulo atípico do filme.

Tiranossauro é daquelas obras que fazem o sangue fervilhar de tantas situações limites, até porque a maioria delas pode surgir na vida de qualquer um. A raiva e tristeza estão presentes em quase todos os momentos, mas Considine não preza por elucidar beleza desses fatos. A intenção é ser o mais cru e cruel possível, fazendo o espectador sentir na pele o que Joseph e Hannah estão passando. Joseph não lida bem com a doença terminal de seu melhor amigo, Hannah sofre com a perversidade do marido. Joseph tem que lidar com as injustiças cometidas contra um garoto que é seu vizinho, Hannah tem medo até de voltar para a casa. Eles amarguram e padecem, e muito, é verdade, mas são daqueles que não se refutam a tomar atitudes, mesmo que extremistas, mas nesses atos, acabam cada vez mais por se aproximarem um do outro.

O trabalho de direção de Considine deve ser mesmo louvado, Tiranossauro também tem seus bonitos travellings, além de editar com naturalidade seqüências tensas e violentas com outras puramente sentimentais, cheias de angustias e aflições. Exemplo claro disso é na explosiva cena que culmina com Hannah implorando para que Joseph a abrace. Verdade seja dita, as atuações de Peter Mulan e Olívia Colman são algo fora do comum. Os dois atores estão soberbos defendendo seus personagens e são a força motriz para que essa maravilhosa obra engrene e ganhe força, fazendo o espectador terminar a sessão com a boca seca e a pulsação acelerada.

Tiranossauro é o tipo de filme que precisa ser visto, porque cinema também serve para representar e discutir a alma do ser humano, mesmo sendo em suas falhas e temores, e como sempre procuramos por um recomeço.