Capitão Abu Raed (Captain Abu Raed. 2007)

comandante-abu-raed_2077Mais do que focar no Gênero de um Filme se for pelo país de origem poderá ter como um pano de fundo a cultura do mesmo. Conhecer mais amiúde, ou mesmo de um plano geral, os costumes locais. Assim, ao ser citado que o filme “Capitão Abu Raed” viria da Jordânia ficou como principal motivador para assisti-lo pelo Cine Conhecimento do Canal Futura. O que foi ótimo porque me vi atenta acompanhando a uma comovente e bela história de vida e até a cena final. Depois ao escrever sobre o filme veio a dúvida se traria ou não spoiler. Por ele trazer temas que ao esmiuçar corre-se esse risco.

comandante-abu-raed_2007_01Capitão Abu Raed” faz um sobrevoo na vida de um outro comandante. Onde esse primeiro foi por demais importante em mudar o seu próprio destino. Ficamos conhecendo sua identidade no finalzinho do filme. Nesse início vemos mesmo a sombra de um homem. Ele ali do alto de uma torre olha esse novo horizonte a sua frente. Mas como se esquecer de seu passado? Mais! Dele, de Abu Raed? Fica ali meio em que numa prece aquele que mudou o seu destino. Tinha então um destino o qual não acreditaria que um dia teria o de agora. Fora graça a intervenção de Abu Raed! E então o filme volta nesse tempo específico onde conheceremos tudo o que houve.

Abu Raed (Nadim Sawalha) é um senhor muito afável que trabalha como faxineiro no aeroporto de Amã. Enquanto limpa o chão ajuda com prazer as pessoas que lhe pedem informações. Viúvo, solitário, passava as suas horas de folga viajando pelas leituras dos livros que colecionava. Tal hobby lhe dera bastante cultura, como também conhecimento em outras línguas, em pelo menos algumas expressões que lhe ajudariam se pudesse de fato viajar para o exterior.

Um dia encontra um quepe de capitão de voo numa das lixeiras do aeroporto. Ficara roto para alguém, mas para ele se tornaria a sua “cartola mágica”. É que ao decidir usá-lo a caminho de casa termina por atrair a atenção de algumas crianças da vizinhança. Ávidos por histórias de um “mundo melhor” terminam acreditando ser ele um verdadeiro comandante de uma grande aeronave. Se ao menos creditassem a Abu Raed o ser simplesmente um contador de Histórias alguns incidentes poderiam ter sido evitados. Mas aí seria uma outra história. Agora, por uma tragédia que acontece nessa fica sim algumas reflexões. Uma delas até onde se pode interferir nos destinos de outras pessoas? Há de se pesar as consequências? Bastaria só ter boas intenções? Coragem também conta?

captain_abu_raedAo se tornar um contador de histórias para aquelas crianças ganha muito mais ânimo. Até porque teria o que fazer quando se aposentasse. Abu Raed também se vê como um avô o que o leva a querer interferir na vida delas. Mas uma coisa é tentar ensinar a uma criança, outra bem diferente é fazer com que um adulto veja o quanto está errado na educação dos próprios filhos. Até porque para aqueles homens travestidos de pais, ele não era mais do que um vizinho intrometido. Mas Abu Raed não iria desistir fácil em tirar algumas da violência física que sofriam em casa. Como também em tentar ajudar uma outra a voltar para a sala de aula. Sendo que esse menino queria muito estudar, mas o pai o obrigava a vender balas pelas ruas.

Pois é! Como uma ação e reação, alguns ao se verem violentados pela vida terminavam dando um troco naqueles que tinham como propriedade: pais/maridos vingando-se da vida. Embora a Jordânia se abra a ocidentalização, principalmente no tocante as mulheres, ainda haviam uma cultura machista bem enraizada. Talvez em menor escala nas classes sociais mais alta por conta das mulheres estarem cientes dos seus direitos.

Captain-Abu-Raed_01Certo dia, a capitã de voo Nour (Rana Sultan) presta atenção numa conversa de Abu Raed com um turista francês. Não apenas pela simpatia, como também pela honestidade dele. Nascendo daí uma amizade muito significativa para ambos. Grande diferenças de idade e de classes sociais, mas de um ideal romântico em comum. Principalmente porque queriam ser donos do próprio destino.

Por vezes a crueza da vida transforma o caráter de uma criança. Mais! Deixando-a uma pessoa amarga. De querer levar embora os sonhos de outras crianças mostrando a elas a realidade da vida que levam. Aquela felicidade mesmo que momentânea durante as histórias de Abu lhe doía na alma. Tão castigada em casa, não poupou esforços para tirar aquele encantamento de todos.

Abu Raed em sua nova missão termina por piorar a vida de um deles. Sem saber mais como ajudar um, não desiste de outra criança como na fábula do pastor que deixa o rebanho ao léu para ir resgatar a ovelha desgarrada. O que dá um aperto no coração ao ver aquele grito silencioso daquele que se sentiu abandonado por Abu Raed. Aquele olhar parecia dizer: “E agora? O que eu faço da minha vida?…” O que motiva ainda mais a tentar dar uma outra vida ao outro. Abu Raed faz tal qual uma mãe que se dedica mais ao filho de “cabeça fraca”, creditando na natureza dos demais que saberão enfrentar os percalços da vida.

captain-abu-raed_02O filme faz uma radiografia de um drama que vai além daquela fronteira. Comum também a outras nações cuja a base da pirâmide social parece fadada a um sistema de casta. Numa injustiça ainda mais cruel por tachar que quem não é um vencedor no tocante ao lado financeiro, é um perdedor. Sem nem lhe dar chance de que é feliz numa vida humilde. Que era até então o pensamento de Abu Raed. Aquele velho quepe o fez mudar. O levou num voo alto demais e sem volta.

Não sei ao certo se o filme deixa uma mensagem de esperança na humanidade em talvez em acreditar que há heróis anônimos por ai. De qualquer forma deve ser visto por todos, sem exceção, e que cada um tire suas conclusões. A mais, dizer que lágrimas rolaram no final. Não deixem de ver!
Nota 10!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Capitão Abu Raed (Captain Abu Raed. 2007). Jordânia. Direção e Roteiro: Amin Matalqa. Elenco: Nadim Sawalha (Abu Raed), Rana Sultan (Nour), Hussein Al-Sous (Murad), Udey Al-Qiddissi (Tareq). Gênero: Drama. Duração: 102 minutos.

Alice # Lewis Carroll + Tim Burton + 3D

A única forma de chegar ao impossível é acreditar que é possível.

Eu fiz questão de ver a ‘Alice no País das Maravilhas‘, de Tim Burton, em 3D. Para mim, que amo a estória de Lewis Carroll, batia uma curiosidade de ver quais seriam os efeitos com essa tecnologia. Comigo, já ia em como seria a queda na toca do coelho. E Tim não me decepcionou. Fez mais! Além da que me fez mexer da cadeira, a do final é um presente a nossa sensibilidade. Diria até, ao nosso lado romântico. Volto a essas cenas mais adiante.

Lewis Carroll era um contador de estória da sua época. Mas com as que ele mesmo inventava na hora. Foi assim que nasceu ‘Alice no País das Maravilhas‘. Ele a criou para entreter a pequena Alice e suas irmãs durante uma viagem. Depois, incentivado por amigos, imortalizou a estória colocando-a em livro. Sendo adulto, aproveitou a estória para criticar as convenções sociais. Também para homenagear amigos, e ironizar os inimigos com alguns personagens. O que leva a estória ter pelo menos dois tipos de leitura: uma, pelo olhar infantil, e a outra, por um olhar adulto.

Puxa! Como tudo está tão estranho hoje! E ontem as coisas estavam tão normais! O que será que mudou à noite? Deixe-me ver: eu era a mesma quando acordei de manhã? Tenho a impressão de ter me sentido um pouco diferente. Mas se eu não sou a mesma, a próxima questão é “Quem sou eu?” Ah! esta é a grande confusão!

Contando o porque de amar essa estória. Ela leva a criança a não perder a sua essência, a sua individualidade num mundo tão cheio de convenções. Por conta disso, aproveito sempre para incentivar os Profissionais com mais acesso as crianças, que levem-nas a conhecerem ‘Alice no País das Maravilhas‘. Ela também mostra de maneira ímpar o ser verdadeira, mas compreendendo que terá que controlar essa qualidade. Escolhendo bem as palavras antes de proferi-las. Porque as diferentes ocasiões, até mesmo as situações diárias, exigirá uma postura para cada uma delas. E é ai que terá que ter discernimento até para não perder a sua autenticidade. Mesmo que o momento leve a aceitar algo contrário a sua própria natureza, tendo ciência do que está se passando ali, não a torna cúmplice. Mais! A faz compreender que se há falha de caráter, é da outra pessoa, não dela.

Se a personagem Alice já possui uma grande importância no universo infantil, eu não vejo nada contra dela adentrar no universo mais adulto, deixando de ser uma menininha, tendo mais idade. E foi o que Tim Burton fez. Ele literalmente cresceu a Alice. Ele faz uma pequena ponte, logo no início, com a pequena Alice. Com ela e seu pai sendo confrontados a cerca da imaginação de ambos. Alice, pelos sonhos constantes. Seu pai, por possíveis sócios em seus negócios. Ela, criança, com receio de estar perdendo a razão. Enquanto o pai dela, quem o vê como lunático, são aqueles que tentavam desmotivá-lo a abrir seus horizontes. Enfim, pai e filha, são podados pela sociedade. O ‘Siga as regras, e seja feliz!‘, é algo cruelmente castrador.

Tim Burton depois dá um salto de 13 anos nessa sua versão. Alice, junto com a mãe estão a caminho de uma festa num palácio de um nobre da corte. Não sabendo do real motivo, intui que está entrando num túnel escuro. O que a faz ficar arisca. Ficando mais suscetível a captar os sinais que a vida nos dá, mas por conta de seguir tão cegamente as convenções, eles nos escapam. Mesmo que coincidentemente era procurada pelo Coelho Branco, só após pedir um tempo, é que Alice vai atrás dele.

Sem poder contar com os conselhos do pai, já falecido, Alice pede um tempo para pensar. Ela se vê brutalmente em confronto com o destino que escolheram para ela. Era castrador demais. Fútil! Falso… É quando mergulha fundo na sua inconsciência. Como um balanço da vida. Como um processo de Individuação, numa linguagem junguiana. Alice se deixa levar, indo atrás do Coelho Branco. Que lhe mostra as horas. Como a dizer que o tempo está passando. O tempo é outro fator salutar nessa obra de Lewis Carroll. Por mostrar como ocupar o tempo de vida. Fazendo o que gosta. Sendo você mesmo. Não mudando até sua aparência física, só para agradar alguém. A sociedade, ou quem se vê num tipo de trono, praticamente exige que todos percam a sua individualidade.

No filme, por conta da Rainha de Copas ter uma cabeça grande, seu séquito incorporam em suas próprias aparências, um aumento de uma parte física. Só para cair nas graças desse que se julga superior. Por outro lado, que prazer é esse em ter sempre em torno de si, um bando de bajuladores? De quase uma cópia de si mesmo. Quase, porque a eles nem é dado o direito de contestar, de terem opinião própria. Uma coisa é o respeito a uma hierarquia. Outra, é negar-lhes o direito de subir por seus próprios méritos. Se está capacitado, deve ter chance de mostrar o seu valor. É assim, em Família, numa Empresa, num Grupo, na vida como o todo.

A Rainha de Copas não admitia ser contestada. Sua arrogância, prepotência, a afastara até da sua irmã. Fez mais, roubou-lhe a Coroa Imperial. As duas irmãs, podem simbolizar algo inerente em nós. Mesmo exacerbando, mostram o lado bom e o mal. Como lidar com isso em si mesmo? Canalizando o poder destrutivo em ponderando mais, por exemplo. Pesando os prós e os contras. Fazendo um planejamento. Ter uma base forte, mesmo que seja por um caminho novo. Assim, a probabilidade de dar errado, diminui. E mais, ela pode ser atribuição do outro lado, o mais emocional. Mais romântico. É! Razão e Emoção lado a lado, e não em pé de guerra. Estão vendo como podemos colocar até os nossos “defeitos” contribuindo para o nosso engrandecimento? E sem perda de tempo.

Seria o Chapeleiro Maluco a nossa criança interior?

Fiquei pensando no porque desse personagem: um chapeleiro. Claro que na época de Lewis Carroll, o uso de chapéus era até exigido socialmente. Mas viajando um pouco… O chapéu possui várias referências simbólicas e reais. Uma delas, seria a do Mágico, que sempre tem uma surpresa vinda de dentro dela. Bem, surpresa para os outros. Porque se tirarmos algo de nosso cérebro, a surpresa estaria em, mais do que fazer, estaria em como fazer, como agir. O que vai depender do momento, do que exige a situação. Acontece que uma criança não vai muito pela razão, mas mais pela emoção.

O Chapeleiro gosta de criar chapéus, mais que um simples adorno, ele mostraria um pouco do que vai na mente de cada um. Independente se chocará ou não. Uma maneira de simplificar a vida. Como é feito pela criança. Ela só ficará preocupada com a opinião do outro, por gostar desse outro. Receber dele um bem querer. É quando exigirá de si mesmo seguir certas regrinhas. O Chapeleiro meio que cumpre o ritual do chá, mas subvertendo tudo. Ele até, passa por cima da mesa, para ir ao encontro da Alice. Feliz. Querendo-a ao seu lado.

Claro que o Chapeleiro exacerba um ‘Não siga as regras, e seja feliz sendo você mesmo!’ Essa quebra da rotina, nos leva de volta a infância. Num jeito meio desnudo do que a vida adulta nos impõe. É o prazer de viver em plenitude. Alice junto a ele, vai aos poucos trazendo à tona a sua verdadeira essência. Mas ambos passarão por duras provas. Que em vez de afastá-los, reafirma o bem querer que sentem um pelo o outro. É o verdadeiro valor da amizade. E que é bem mais incondicional, quando se é criança. Onde, quando se tem uma essência pura, aceita-se as diferenças sem questionamentos. Sem exigência.

Vejam só, tantas coisas estranhas tinham acontecido ultimamente que Alice começara a pensar que muito poucas coisas eram na verdade realmente impossíveis.

Exigências! Desde que os homens se organizaram em uma sociedade, se fez necessário criar certas regras. Para coibir certos abusos. Não deixando de assim terem um certo controle do povão. Alguns, cumprem cegamente essas regras. Até por um certo egoísmo. Outros, por comodismo, por pensar que é o melhor a fazer. Há também quem siga as convenções sociais, mas sem querer envolvimento afetivos. Mas claro que, no geral, as regras tem como base o poder de punir quem cometa um crime. Nessa estória, a Rainha de Copas vem para mostrar os que, estando no poder, só pensam no seu próprio bel-prazer. Onde governam com dois pesos, duas medidas.

Bem, se Tim Burton resolveu contar essa estória em 3D… Na cena onde Alice toma chá com o Chapeleiro Maluco, e outros convidados, há um efeito que me fez mexer na cadeira. Foi um susto gostoso. De querer rever.

Quando eu assisti ‘Avatar’, vi, acredito eu, um dos primeiros trailers deste filme. Talvez por estar ainda em produção. É que deixou uma impressão de muita escuridão, de algo mais tenebroso. Confesso que ao vê o Gato de Cheshire, ele me assustou. Cheguei a pensar que o filme cairia um pouco para o Gênero Terror. Essa impressão só se desfez assistindo enfim ‘Alice no País das Maravilhas‘, de Tim Burton. Filme esse que eu amei! Mas ainda em relação aos Trailers, embora goste de chegar nas Sessões a tempo de vê-los, alguns nos leva a ter outras impressões. O que leva a não dar muito créditos a eles. E, assistindo “Alice’, além de ter gostado muito, eu gostei do Gato Risonho do Tim Burton, muito embora o que continuará eternizado em minha memória cinéfila, será o da Animação da Disney. E o filme nem é tão escuro como no primeiro Trailer.

Agora com esse outro importante personagem: o Gato de Cheshire, ou, o Gato Risonho. Ao estampar o sorriso dele, Carroll nos mostra que a sociedade exige muito essa postura. Dificilmente alguém está afim de ouvir o drama de outra pessoa. Dai, mesmo passando por um período triste, em frente a alguém, estampamos um largo sorriso. Há também quem use o sorriso por subserviência. Como também para agradar alguém, mesmo a contragosto. Com o poder de sumir desse Gato, ele mostra que em algumas ocasiões, é a sensação mais desejada. Pois há horas que queremos sumir. De sair sem ser notada. E fiquei pensando no porque Tim Burton colocou os dentes do Gato, metálico. Talvez para ressaltar a falsidade que tantos adoram a sua volta. Como também por ter um comportamento falso.

Como eu comentei, a Alice se deu um tempo para pensar no futuro que queriam para ela. Por vezes, se faz necessário parar para um balanço na nossa vida. Eu, gosto de pensar que a nossa jornada, é como uma espiral. Assim, em vez de fechar um ciclo, que deixa a impressão de fazer tudo de novo, se nessa parada, tiramos lições, se retiramos cargas inúteis, estaremos alcançando sim, uma oitava maior. Nesse filme, temos para exemplificar, que mesmo percorrendo o mesmo caminho, será com um outro olhar. Pensem numa espiral. Ela vai passando perto, o que deixa até a impressão de dejà-vú. Mas tendo consciência do que fez, ou até do que deixou de fazer, colaborará para como agir dessa vez. Para então seguir em frente.

O que não enfrentamos em nós mesmos, encontramos como destino.” (Carl G. Jung)

Também nessa parada, se faz necessário enfrentar aquilo que nos assombra. Se for o caso, matar, nos livrar de vez, de algo que não faz parte da nossa essência. De algo que nos foi imposto. Por outro lado, se é algo que está inerente a nós, essa morte vem para canalizar essa força destruidora numa benéfica ao nosso engrandecimento. São os defeitos e qualidades trabalhando juntos. Numa Individuação (Psicologia Analítica), se aprende a lidar com a própria Sombra.

Para Alice, matar o Jaguardart, era ir contra os seus próprios princípios. Para os seus amigos do País das Maravilhas, seria a libertação. Como o destino a elegeu para essa missão, para salvaguardar a vida deles, ela viu que não poderia abdicar. ‘Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.’ Ela não perpetuaria aquele círculo nefasto. Na quebra de um ciclo, renasceu.

Quem a incentivou mais, foi a Lagarta Azul. Sempre levando-a a pensar quem de fato era ela. Mostrando também a ela que não era fruto da imaginação essa morte. Essa passagem para uma nova fase de vida. Ela mesmo era um exemplo disso, ao encerrar um ciclo, renascia como borboleta. Se desde o início, questionou a verdadeira identidade da Alice, a Lagarta também cumpriu uma missão. Fazendo Alice crescer. Ver a vida com um novo olhar. Deixar de ser coadjuvante, passando a ser protagonista da sua própria vida.

_Poderia me dizer, por favor, qual caminho eu devo seguir?
_Isso depende muito de onde você deseja chegar.

Então, Alice volta a festa. Lá, todos a aguardavam. Segura do que queria fazer, ela se faz ouvir. E dessa vez, o seu recado – a sua verdade -, é dita mais nas entrelinhas. Mostrando maturidade. Pois seria perda de tempo tentar modificá-los. Alice, já sem medo da vida, vai para uma nova fase em sua vida. Levando como herança paterna, o idealismo, o lado aventureiro, o tino comercial. E uma fértil, e porque não, útil imaginação. Eram as bagagens mais preciosas que Alice levaria rumo ao futuro. Ou, até uma próxima parada…

E no final, Tim Burton nos presenteia com uma cena que entra para a História do Cinema em 3D, como o mais cativante Final. É emocionante! Um brinde a nossa sensibilidade. A nossa Alice interior. Grata, Tim Burton! Parabéns, por sua versão de ‘Alice no País das Maravilhas’. Eu amei.

As atuações estão ótimas. A Trilha Sonora é Perfeita. Não deixem de ver esse ótimo filme em 3D. Se dêem esse presente.

Por: Valéria Miguez (LELA).

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland). 2010. EUA. Direção: Tim Burton. Elenco: Mia Wasikowska – Alice; Johnny Depp – Chapeleiro Maluco; Helena Bonham Carter – Rainha Vermelha; Anne Hathaway – Rainha Branca; Matt Lucas – Tweedle-Dee e Tweedle-Dum; Alan Rickman – Absolem, a Lagarta Azul; Michael Sheen – Coelho Branco; Christopher Lee – The Jabberwock; Stephen Fry – Gato Risonho (The Cheshire Cat); Imelda Staunton – Flores com Rosto (voz); +Cast. Gênero: Aventura, Animação. Duração: 109 minutos.

Narrar Contra o Dilúvio (3 Filmes: Ararat; Narradores de Javé; A Encantadora de Baleias)

Por: Affonso Romano de Sant’Anna.
Não tem muita gente vendo esse filme de Atom Egoyam. É pena, porque é um bom filme e, em certas cenas, além de mostrar a insanável estupidez humana, nos dá lições não só da história recente, mas de afetos e ternura humana. Estou falando de “Ararat”, dirigido por um armênio, com personagens armênios, sobre episódios da história armênia. Tem  até um armênio ultraconhecido – Charles Aznavour, que não canta, mas conta também a história.

-Quantos  filme armênios já vimos?

-Menos que iranianos, sulcoreanos e búlgaros.

Esse começa até com uma coisa que aos brasileiros soa familiar, pois os personagens começaram a contar uma estória que é exatamente a estória de “O coração materno” do nosso Vicente Celestino: o namorado que arranca o coração da mãe para doá-lo à sua amada e assim provar sua paixão. A narrativa é tão semelhante, inclusive com aquela cena de o coração da mãe saltando de suas mãos e falando-lhe de seu amor eterno. Mas não é isto o que fundamental no filme.

O filme tem várias histórias dentro dele e uma delas é a história de um  filme sobre o genocídio ocorrido em  1915 quando os turcos mataram naquele conturbado país, cerca de um milhão de homens, mulheres e crianças. Isto foi ontem, e nos faz entender o Afeganistão, o Iraque, as guerras em Israel e Palestina, o terror nazista, stalinista, maoista, o genocídio no Camboja e confirmar que o século XX foi o mais violento e dizimador de quantos existiram, desde a extinção dos dinossauros por misteriosos asteróides.

No meio do filme, um dos personagens diz que, para incentivar a dizimação dos judeus, Hitler afirmava que ninguém ligaria muito para aquilo, iam acabar esquecendo, porque a humanidade tem memória fraca. Com isto, ironizava: -Quem se lembra do massacre dos armênios? Já no final do filme aparece um texto dizendo que os turcos continuam afirmando que esse genocídio jamais existiu. Daí a necessidade de os armênios contarem e recontarem sua história para que ela não se apague neles e nos outros.

Os humanos têm necessidade de guardar, criar, recriar e até mesmo de inventar sua própria história. É isto, entre outras coisas que  me sensibiliza nesse filme. Nesse ou no esplêndido “Narradores de Javé” dessa competente Eliane Caffé ou em “A encantadora de baleias” daquela diretora neozelandeza. Em “Narradores de Javé”, toda uma comunidade recorre à memória e à narração para salvar-se do naufrágio no tempo, quando a represa expandisse suas águas sobre suas casas. Cada um se sente protagonista e dá a sua versão pessoal e subjetiva dos acontecimentos. Em “A encantadora de baleias”, é a magia de uma lenda beira-mar, como num conto de fadas, mobilizando a uma comunidade através da menina que, à revelia do machismo imperante, assume seus poderes de líder dialogando magicamente com a baleia, enquanto tótem da tribo, recuperando surpreedentemente o passado e modernizando a tradição.

Os três filmes são muito diferentes, e, no entanto, têm esse traço comum: a narrativa reagrupando a comunidade e dando sentido às vidas diante do dilúvio do esquecimento. O ser humano carece de embarcar na narratividade e ancorar sua memória num possível Ararat. E já que Noé atracou sua barca naquele monte, os armênios se consideram o berço da nova cultura humana depois do dilúvio. Ararat significa Grande Mãe e foi ali que, segundo a Bíblia, Deus estabeleceu a nova aliança com suas criaturas, ali foi onde Noé ergueu um altar e onde tudo recomeçou.

Já se falou que o homem é um animal simbólico, outros dizem que é um ser lúdico, outros o definem como “homo faber” ou “ homo economicus”, enquanto outros afirmam que é um ser que pensa. Mas pode-se dizer também que o que nos caracteriza universalmente é que somos seres que narram sua própria história. Assim como na natureza há os roedores e os herbívoros os humanos pertencem à espécie dos narradores. Narram oralmente, narram por escrito, narram pelo teatro, narram pelo cinema, narram por cores e volumes, narram pela dança, narram conversando na esquina, narram pelos jornais, narram fofocando por telefone e até por email não  fazem senão narrar.

Pois nesse filme uma das personagens é uma professora/ pesquisadora de arte que se dedica a fazer conferências sobre a vida e obra de Aschille Gorki-pintor armênio, que ainda menino teria assistido ao massacre dos seus, antes de conseguir com uns poucos sobreviventes chegar aos Estados Unidos.

Gorki viria a fazer parte de um famoso grupo de pintores da Escola de Nova York, da qual participavam Pollock, Rothko, Motherwell, De Kooning, Reinhardt e outros. Herói trágico, como Pollock e Rothko, ele também se mataria. Não pôde carregar sua própria narrativa. Olhava a velha fotografia em que estava ao lado de sua mãe antes da fuga e do massacre mas não conseguia libertar-se dela. Tentava pintá-la, reelaborá-la através de seus quadros, mas não superava o trauma. Havia algo inacabado nele e nas mãos da mãe que não conseguia terminar de pintar. É que há certas vidas de tal forma envenenadas em sua origem que só na inevitável e ansiada morte encontram o alívio para sua narrativa.

Nem sempre se pode suportar a própria história.

Mas, nesse filme “Ararat”- que remete simbolicamente para o monte onde a mítica barca de Noé teria ancorado, outros personagens procuram escapar ao dilúvio da história e da desmemória. O filho da professora de história da arte, por exemplo, volta à Armênia para filmar sozinho cenas e lugares que poderiam eventualmetne ser utilizadas no filme que está sendo rodado. É a geração mais jovem querendo reachar suas origens e refazer o périplo de seus antepassados.

Narrar é preciso.

Narrar é sobreviver.

Narrar é ancorar-se.

Narrando o mundo se recria. A gente diz “ era uma vez” e abre-se uma possibilidade infinita.

Por: Affonso Romano de Sant’Anna. Em 3.04.2004-O Globo. http://www.affonsoromano.com.br/

Nota do Autor (Jan/2010): Esse texto estará no próximo livro: LER O MUNDO.

Um Faz de Conta que Acontece (Bedtime Stories. 2008)

um-faz-de-conta-que-acontece_posterO ‘Um Faz de Conta Que Acontece‘ consegue entreter. O que já é um bom começo! Mas ele vai além, numa atualidade onde uma boa parcela dos pais, delegam a televisão como babá de seus filhos, o filme mostra o contentamento delas, quando os ouvem contar histórias antes de dormir.

Esse é o mote principal: incentivar os pais de hoje a contarem histórias para as crianças. Em meio a tantas atribuições, podem até no princípio, acharem que estarão perdendo um tempo, mas além de se sentirem acariciadas, no mínimo, incentivarão o gostar de livros.

Por outro lado, o filme traz também algo mais forte na cultura estadunidense. Que talvez, o recado maior seja para eles mesmo. Numa tentativa de ir tirando isso nas novas gerações. A ideia de ser o winner sempre, e num topo sozinho, não condiz mais com o presente. Muito menos, se nessa escalada esquecer até da família. Como naquela frase: ‘Ninguém é uma ilha…’

Ainda dentro do universo adulto, o filme também mostra que muitos, ficam a espera de uma solução mágica para concretizar um desejo. Que chegam a investir, em acreditar nisso. Nem questionando que aquele algo fantástico, tem uma explicação plausível. A cena da chuva de chicletes, pincelou com cores mais fortes, mas foi mesmo para chamar a atenção. Como depois, veio um com o lance com Abraham Lincoln, numa de: ‘Oh! Acorda! Se dê conta de que é você que resolveu sair da mesmice. E por isso está tendo mudança na sua vida. Não há mágica ilusória nisso. É você fazendo a sua história. Sendo protagonista dela!’

Gostei do filme! Dei boas risadas. Uma gargalhada ao colocarem o Botafogo, time, numa cena. Houve química entre Sandler e as crianças. O filme é bom! E eu voltaria a revê-lo. Ah! A trilha sonora é ótima! Um aperitivo dela:

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Um Faz de Conta que Acontece (Bedtime Stories). 2008. EUA. Direção: Adam Shankman. Elenco: Adam Sandler (Skeeter Bronson), Keri Russell (Jill), Guy Pearce (Kendall), Russell Brand (Mickey), Richard Griffiths (Barry Nottingham), Teresa Palmer (Violet Nottingham), Lucy Lawless (Aspen), Courteney Cox (Wendy), Jonathan Morgan Heit (Patrick), Laura Ann Kesling (Bobbi). Gênero: Comédia, Família, Fantasia. Duração: 104 minutos.