“Quem quer ser um milionário?”
Você certamente ouviu muito isso quando Silvio Santos apresentava seu famigerado “Show do Milhão”. Claro, como todos sabem, os enlatados comerciais que nos fazem engolir, nada mais são que adaptações dos programas de sucesso do exterior. Sua influência é tamanha que atrai mais e mais telespectadores. Mas o que dizer de um cara, de 18 anos, de origem pobre (melhor, paupérrima), sem a mínima perspectiva de um dia crescer na vida.
Um rapaz sem estudo, sem futuro, sem nada. Ele vem, responde uma série de perguntas, é subestimado pela sua origem, e leva o grande prêmio, fica rico e surpreende o mundo. Essa é a história de Slumdog Millionaire, prefiro chamar assim, odiei a tradução em português “Quem quer ser um Milionário”. O título em inglês, se traduzido ao pé da letra seria algo como “Favelado milionário”, título que em minha opinião é o mais convincente.
Essa é a nova história contada por Danny Boyle, um dos meus diretores inglês preferido. Aqui ele conta a história do jovem Jamal, uma criança que desde cedo aprendeu a se virar. Junto com o irmão, vive no lugar mais pobre da pobre Índia, catam lixo para comer, correndo atrás de viver no céu, no meio do inferno. Após a perseguição religiosa, que é constante em muitos países da Ásia, ele perde a mãe, e fica a mercê da sorte, junto com o irmão mais velho, e uma coleguinha que ele decide ajudar (na boa, pobre tem coração, isso é fato!).E aos poucos a câmera nervosa de Boyle trilha a história de Jamal, até ele chegar à TV e conquistar seu prêmio.
O filme vai intercalando passado e presente, não de maneira clichê, do tipo que vemos em filmes que usam disso para atenuar ação. Aqui é diferente. Mostra 3 Jamal, um pequeno, um maiorzinho e o jovem. A cada pergunta do programa ele revive a infância, relembrando tudo. Ele mais grandinho é como se privilegiasse mais a história de seu irmão, Salim, e da menina, Latika. Ele jovem une tudo isso e cria o clímax do final.
A direção segura do competente Boyle dá um ritmo incessante ao filme. No começo, uma caçada nas entranhas da Índia, onde ficamos chocados com o descaso daquele pobre país, fica evidente a preocupação em mostrar a índia que realmente existe, não a índia que a novela das Oito idealizava. Ele nos conduz, no meio da podridão, a uma esperança que ainda existe no personagem, mesmo com ele comendo o pão que o diabo amassou com gosto.
O mais legal, é quando vai mostrando ele respondendo as perguntas, e entra um flash, e o que é mostrado no flash tem ligação direta com as respostas que ele tem que dar. Só que coitado, acaba vítima da suspeita, e é torturado por dois policiais que querem obrigar ele a confessar que está trapaceando. E vamos acompanhando tudo, ao longo do filme torcendo cada vez mais por Jamal. A emoção que Boyle cria é incrível, e mostra porque ele é tão cultuado mundo afora.
A parte técnica do filme é quase perfeita. A fotografia é linda, feia, borrada, suja, linda. Ela entrega uma veracidade desgraçada ao filme, em alguns momentos lembra Cidade de Deus. A trilha é incrível, ela lateja em nossa cabeça, ela cria o clima do filme, ela é parte do sucesso. Estou sem palavras, é só ouvindo pra entender.
A edição primorosa é um atrativo que vale a pena ser citado, cortes rápidos, idas e vindas, tudo aliado ao bom gosto das cenas, criando imagens que chocam (a morte da mãe…) e que encantam (eles ainda criança, na chuva…), que nos deixam fascinados (todos os enquadramentos possíveis de uma Índia bonita…), que nos deixam com pena (as crianças do Manoon…). Um estudo sobre os enormes problemas da Índia, mostrada de maneira verdadeira, sem esconder.
O elenco é espetacular. Sem muitas caras conhecidas, a galera arrasa. Primeiramente os que interpretam o trio principal (Jamal, Salim, Latika). Aquelas crianças estão incrivelmente ótimas. Suas atuações soam naturais, convencem e valem à pena. Os jovens roubam a cena. O que interpreta Jamal é o melhor deles, cara de sonso, mas muito esperto, de coração nobre, mesmo sendo tão pobre.
Seu irmão, Salim, também convence bem, ele acaba lembrando os personagens de filmes brasileiros sobre a favela. Sua interpretação é tão verdadeira, tão convincente que arrepia. A que faz Latika, a mais fraquinha, porém ainda assim tão boa quanto, não é daquelas personagens que só tão ali pra preencher lingüiça, é como se sem ela não haveria aquela irmandade, ela é o 3° mosqueteiro, como sugere Jamal na linda cena da chuva.
Mas o grande ponto forte do filme, fica com a bela homenagem à Bollywood. Enredo bem redondo e enxuto, com seus clássicos usuais clichês (menino pobre ficando rico, amor da sua vida, conflitos com o irmão malvado e por aí vai) e sem contar a dança logo no final do filme, que é uma das marcas mais famosas desse cinema. Há ainda espaço para recortes e citações ao cinema e aos atores famosos por lá.
Juntando a isso todos os outros que ao longo da história aparecem, Slumdog Millionaire é um filme que vai além do entretenimento. Aliado a tudo de ruim mostrado na tela, ainda abre espaço para a reflexão sobre o 3° mundo que ainda existe, sobre a infância roubada nos países pobres, sobre a escravidão da TV e de seus Realities Shows que conquistam mais e mais adeptos. Os bastidores, a inveja, o submundo, tudo retratado sem subestimação de nossa inteligência, tudo mostrado como realmente é.
Indicado a 10 OSCAR e vencedor de 8, Slumdog Milionaire é uma mais que deliciosa surpresa. Um filmaço!
Nota: 10 (mais que merecido!)
Slumdog Millionaire, EUA/Reino Unido (2008)
Direção: Danny Boyle.
Atores: Dev Patel, Freida Pinto, Anil Kapoor, Rajedranath Zutshi.
Duração: 120 min.