Série: Gotham (2014-). Uma Nova Ótica Lançada Sobre um Conteúdo Aparentemente Inesgotável

Gotham_seriePor: Cristian Oliveira Bruno.
Batman_KaneQuando adapta-se uma cosmologia tão rica e tão famosa quanto a do Batman, icônico personagem de Bob Kane, se faz necessário manter uma cautela toda especial no que diz respeito às alterações que serão feitas tanto na cronologia quanto na concepção dos personagens. No caso do super-herói em questão, tudo é mais complicado ainda, pois quase não há o que já não tenha sido feito. O tom mais cartunesco já fora ditado e orquestrado com maestria por Tim Burton em seus Batman (1989) e Batman – O Retorno (1992). A atmosfera mais sombria e pesada a qual parece ter sido a versão definitiva dada ao personagem nos anos 80, com O Cavaleiro das Trevas, do Deus dos quadrinhos Frank Miller – a melhor série já feita sobre o Homem-Morcego – foi recente elevada a um outro estágio com a consagrada trilogia de Christopher Nolan (Batman Begins [2005], The Dark Knight [2008] e The Dark Night Rises [2012]). Mesmo a inocência e a fantasia dos primeiros exemplares dos quadrinhos teve sua vez entre 1966 e 1968, com uma série de TV contendo 60 episódios da dupla dinâmica. Assim sendo, o que de novo e diferente o produtor Bruno Heller (The Mentalist [2008-2015]) e o diretor e produtor executivo Danny Cannon (O Juiz [1995]; Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado [1998]) poderiam apresentar em mais uma adaptação para a TV? A resposta veio com o título da série: Gotham.

Gotham_01Voltando pelo menos 15 anos no tempo, a proposta desta vez é apresentar uma nova ótica e lançar o olhar sobre a cidade, ao invés de seu mais ilustre residente, e mostrar como uma cidade tão corrupta e dominada pelo crime chegou ao ponto de precisar de um justiceiro mascarado para manter a ordem. E isso é o mais interessante em Gotham. Mais do que acompanhar os primeiros passos e a origem de vários personagens do universo dos quadrinhos (alguns famosos, outros nem tanto), a série se baseia no fato de que ainda não há um justiceiro mascarado para defender Gotham. E com a polícia, a justiça e o próprio prefeito Aubrey James (Richard Kind) e o comissário Loeb (Peter Scolari) nas mãos dos dois chefões das famílias mafiosas que controlam todo o crime da cidade, Carmine Falcone (John Doman) e Salvatore Maroni (David Zayas), cabe ao ainda jovem detetive James Gordon (Ben McKenzie) assumir o papel de paladino solitário da justiça. E quando eu digo solitário, não é força de expressão. Embora com o passar do tempo Gordon vá adquirindo aliados em sua inspiradora jornada de combate ao crime mais do que organizado, até um certo ponto dela ele se vê abandonado por seus companheiros, chefe e seu parceiro Harvey Bullock (Donal Logue).

gotham_02O plot da série é o assassinato de Thomas e Martha Wayne e a promessa feita por Gordon ao pequeno Bruce Wayne (David Mazouz) – retratado aqui aos 12 anos – de encontrar o responsável. A partir desse momento, Gordon adentra de vez no submundo e começa a entender como a cidade funciona. Não é que todos os seus habitantes sejam corruptos, mas todos têm família e jamais arriscariam oporem-se a Falcone ou Maroni. Essa faceta de uma Gotham dominada por figuras poderosas, mas sem super-poderes acaba por tornar-se, naturalmente, o segmento mais interessante da série. Não que a relação tutor/serviçal/pai entre Alfred Pennyworth (Sean Portwee) e seu determinado protegido não seja deveras comovente, ou que a luta da ambígua e maliciosa Selina Kyle (Carmen Bicondova) para sobreviver nas ruas não tenha seus momentos – embora seja a ramificação mais trôpega do programa -, mas é no núcleo criminoso que encontram-se os melhores personagens, situações e conflitos mais tensos e interessantes.

gotham_03Com um elenco bastante regular e em sua maioria experiente, os personagens acabam ganhando uma roupagem diferenciada e uma cara própria, embora não abandonem os aspectos e traços mais fortes pelos quais ficaram mundialmente conhecidos. Ben McKenzie (do seriado OC e de 88 Minutos) compõe um Jim Gordon intenso e forte, com uma segurança e uma presença em cena muito boas, mostrando o quanto evoluiu com o passar dos anos. Sua parceira inicial, Erin Richards – que interpreta Barbara Keen, primeiro par romântico de seu personagem na trama – não está tão mau, mas carece de uma química maior com o protagonista. Falha esta corrigida absurdamente com a inserção da personagem da Dra. Leslie “Lee” Thompson, interpretada pela brasileira Morena Baccarin (do seriado V – Invasores), cônjuge do ator, tornando a interação entre ambos algo natural, e isso reflete-se na tela. Também destaca-se neste quesito, sem a menor sombra de dúvidas, Oswald Cobblepot, o Pinguim, de Robin Taylor Lord, tão afetado e tresloucado quanto ameaçador e doentio. Taylor Lord vive a dolorosa saga de ascensão daquele que será o futuro Rei do crime da cidade. Donal Logue recebe uma tarefa ao mesmo tempo motivadora e arriscada ao viver o Det. Bullock como um dos protagonistas, já que o personagem não havia ganhado tanto destaque até aqui fora dos quadrinhos – olhe lá uma rápida aparição no primeiro filme de Tim Burton – e sempre fora retratado como policial corrupto e desonesto, com o perdão da redundância. Aqui, Bullock ganha um novo ponto de vista e é retratado não apenas como um mau policial, como alguém que viveu a vida inteira em Gotham e conhece aquela cidade e como ela funciona, sabendo jogar de acordo com suas regras. O choque de personalidades com Gordon faz com que Bullock passe de um obstáculo para ser o primeiro aliado de Gordon – e um importante aliado, pois Bullock conhece o crime da cidade.

gotham_os-viloesCriada especialmente para a série, Fish Mooney (interpretada com muita ferocidade e ímpeto por Jada Pinkett Smith) não só possui um papel importantíssimo na trama, tanto no andamento desta quanto na formação de background de demais personagens, e com certeza agradou (ou agradará) grande parte dos fãs – embora o desfecho dado a ela não seja dos mais agradáveis, ou mesmo bem pensados, provavelmente sua relação com seu fiel capanga Butch Gilzean (Drew Powell) promete arrebanhar muitos fãs para a dupla. Vários outros personagens tradicionais nas páginas das revistas da DC Comics dão as caras por aqui, sendo que alguns são bastante conhecidos do público, como Harvey Dent (Nicholas D’Agosto) – o Duas-Caras -, Edward Nygma (Cory Michael Smith) – O Charada -, Victor Szasz (ANthony Carrigan), Dr. Francis Dulmacher (Colm Feore) – o Mestre dos Bonecos -, Dr. Gerald Crane (Julian Sands) – criador do gás alucinógeno usado por seu filho Jonatan, o futuro Espantalho – e outros mais conhecidos apenas pelos mais familiarizados com o universo Batman, como Jack Buchinski (Christopher Heyendahl) – o Eletrocutador -, a policial Renee Montoya (Carmen Cartagena), Richard Sionis (Todd Stashwick) – o Máscara Negra -, Aaron Helzinger (Kevin McCormick) – o Amígdala, vilão muito semelhante e freqüentemente confundido com Bane – e Larissa Diaz (Lesley-Ann Brandt) – a Cobra venenosa.

gotham_04Mas dois vilões destacam-se neste paraíso dos “Batmanáticos“, cada um a sua maneira. O primeiro deles é Jerome Valeska (Cammeron Monaghan) que, mesmo sem ser oficialmente apresentado como tal, trata-se da versão do seriado para o maior inimigo do Homem-Morcego: o Coringa. O episódio onde o vilão aparece não é um dos melhores da temporada, mas Monaghan destaca-se no diálogo final quando a referência ao coringa é feita, em uma atuação muito boa. O outro é apresentado apenas no episódio 19 (e mantém-se ate o episódio 21, penúltimo da temporada – tendo sido especulado também na segunda temporada, embora fique claro e óbvio que isso não ocorrerá). Jason Solinski, o “Ogro” (Milo Ventimiglia), surge como o principal vilão da série até então, oferecendo sensação de risco real para os mocinhos. O Ogro é aquele com quem todo policial da cidade tem medo de mexer. Gordon também, mas isso não o faz recuar. Esse ponto da trama é um dos pontos altos da série e poderia ser, inclusive, o desfecho (não que o episódio 22 não seja satisfatório, mas o 21 é ainda melhor.

gotham_06Mas a própria Gotham City é a principal personagem da série. Todo personagem da cosmologia criada por Bob Kane, de Bruce Wayne à Mr. Freeze, é composto com base em traumas, seja a perda de um ente querido ou a sensação de impotência perante as situações enfrentadas diariamente. E Gotham está repleta de traumas os todos os cantos. Traumas e mitos. Em Gotham qualquer um pode ser o que quiser. Heróis e vilões usam máscaras visíveis, enquanto a alta sociedade usa máscaras políticas e diplomáticas. Por isso o Bandido do Capuz Vermelho representa mais do que um simples elemento daquela sociedade, mas também um sentimento. Gotham resume o sonho americano de ser a terra das oportunidades. Qualquer um pode ser rei em Gotham, basta tomar o que é seu por direito. Mesmo que não seja seu de direito. E a maneira como Heller e Cannon retratam esteticamente a atemporalidade da mística cidade é curioso. Há celulares e computadores, o que nos põe imediatamente nos dias de hoje. Os carros são das décadas de 60, 70 e 80 e os prédios e as ruas remetem aos anos 30 e 40. Sabemos que Gordon lutou recentemente em uma guerra, mas não sabemos qual foi. Nada é dito sobre o que ocorre além das fronteiras da cidade. Quem é o presidente, de onde vêm as pessoas de fora e tudo mais que não envolva Gotham permanece um mistério. Gotham é uma cidade que existe apenas no imaginário e está sempre em constante formação e Cannon e Heller nos permitem preencher estas lacunas, cada um a nosso modo.

gotham_05A primeira temporada, apesar do caráter experimental, foi melhor do que o esperado. Sofre alguma irregularidade com relação ao ritmo e a consistência – coisa mais do que comum em séries sem um diretor fixo -, mas no fim das contas Heller e Cannon seguram bem as pontas e trilharam um belíssimo caminho para ser expandido nas próximas temporadas já anunciadas. Foi muito bom ver que ainda há o que explorar – com dignidade – de um universo já tão esmiuçado no decorrer dos anos. Este que vos escreve é fã do herói em questão e confessa sem vergonha que estava desesperançoso com esta série, mas fiquei bastante satisfeito com o resultado final desta primeira temporada e a recomendo sem medo para os fãs de Batman e até mesmo para os não fãs, dada a boa distribuição dos núcleos.

Avaliação Geral da Primeira Temporada: 7,5.

Série: Gotham (2014 – )
Ficha Técnica: na página no IMDb.

Hugo (2011) + Scorsese + Uso Inteligente do 3D = Obra-Prima!

Mesmo já tão decantado em versos e prosa – e com todo mérito -, mesmo com um certo atraso, eu não poderia deixar de registrar a minha impressão desse filme. Até por conta das referências de eu ir assistir numa Sala em 3D. Então fui conferir, e…

Depois do sucesso de bilheteria de “Avatar“, de James Cameron, vulgarizaram tanto o 3D atrás de rendas grandiosas, que talvez seja esse o motivo que tal feito no filme de Martin Scorsese não tenha se repetido. Pelo menos em relação ao Oscar 2012 lhe fizeram justiça. Mas faltou o de Melhor Diretor. Pela grandiosidade do uso da tecnologia do 3D. Como também por nos manter atentos por duas horas de filme. É uma pena que o grande público não pode absorver a belíssima história contada por Martin Scorsese. E quem assistiu “A Invenção de Hugo Cabret” numa Sala em 3D, com certeza ficou com vontade de aplaudir ao final do filme.

Já ciente de que o filme seria longo, mas também de que era muito bom, arrisquei e levei, junto comigo para assistir, três “termômetros”: um adulto que gosta muito mais do Gênero Comédia, um adolescente o qual desconheço o gosto, e uma criança que iria ver seu primeiro 3D. Minha dúvida recaiu-se nesse, até pela duração do filme. De início ele ficou encantado com essa tecnologia; naquela de até querer tocar na imagem. Mas lá pela metade do filme resolveu explorar a Sala de Cinema. Como fez isso em silêncio, como também não tinham nem umas vinte pessoas, relaxei e voltei de todo minha atenção ao filme, mas ainda a tempo de ver três mulheres saindo da Sala. Cheguei a pensar se teria sido por algo que comeram antes da sessão. Mas enfim, voltei ao filme.

O talento para algo pode ser genético. Faltando a um adulto mais próximo mostrar a chave para que o jovem a descubra, por vezes ainda na infância. Mas a vida traçou uma linha torta para Hugo Cabret (Asa Butterfield). Lhe tirando seu bem mais precioso: seu pai. Uma pequena grande participação de Jude Law. Viviam felizes os dois entre responsabilidades, estudos de forma prazeirosa, e muita diversão. Fora o seu pai que despertou nele a paixão por Cinema. Mas um incêndio leva o seu pai. Então seu tio Claude (Ray Winstone) se torna o responsável levando-o para morar com ele. E Hugo leva algo que ele e o pai vinham consertando nas horas vagas: um autômato encontrado num museu. Assim, era como ter o pai junto a si. Aplausos para Asa Butterfield!

Sem o coração, não pode haver entendimento entre a mão e o cérebro”.

Claude morava numa Estação de Trem, em Paris. Era ele quem fazia a manutenção dos relógios. Ensinando o seu ofício ao menino. Beberrão, a vinda do menino lhe daria mais folga não apenas para beber, mas também para sair daquelas cercanias. Para Hugo, todo aquele mundo que via através dos grandes relógios ajudou a amenizar a dor pela perda do pai. E aprendendo a consertar relógio, lhe deu um caminho para a tal engenhoca. Mantendo os relógios pontuais, ambos se tornavam invisíveis aos olhos de todos.

O vai e vem diário dos passageiros, assim como dos trabalhadores e frequentadores das lojas na Estação de Trem, era para Hugo como a tela de um filme. Dos seus pontos de observação, ele já conhecia os hábitos de todos. Por caminhos internos, de desconhecimento geral, Hugo ia de um ponto a outro. Sempre a observar. Sonhando em voltar a sentir o calor e carinho de uma família. Até esse dia chegar, ia vivendo uma aventura solitária. Mas com o relapso tio, para não passar fome, se via obrigado a roubar pães, frutas, leite… Sendo que para isso teria que se fazer de fato invisível aos olhos do Inspetor da Estação. Personagem de Sacha Baron Cohen. Que está formidável!

Se você já se perguntou de onde vem os seus sonhos, olhe ao seu redor. É aqui que eles são feitos.”

Hugo também tentava se tornar invisível para o dono da loja de brinquedo. É que Hugo precisava de pecinhas dos brinquedos de corda, para a tal engenhoca. Mas um dia, o dono da loja, Georges Méliès (Ben Kingsley), lhe dá um flagrante. Dando início a uma nova aventura. Sendo que dessa vez Hugo não mais estará observando, ele fará parte desse roteiro de vida. Tudo porque George lhe toma o livro de anotações do seu pai. O que leva Hugo a conhecer e ficar amigo da sobrinha de George, a jovem Isabelle (Chloë Grace Moretz). Essa, sedenta por vivenciar uma aventura real, como dos livros que lia. Ela levará Hugo para conhecer o seu mundo dentro da Estação de Trens: a loja de livros do Monsieur Labisse. Outra grande participação nesse filme, pois quem interpreta é Christopher Lee. Aplausos também para Ben Kingsley e Chloë Grace Moretz!

Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.” (Chaplin)

A história de “A Invenção de Hugo Cabret” é fascinante: em colocar paixão naquilo que fizer. Mesmo o filme estando bem redondinho, fiquei com vontade de ler o livro homônimo de Brian Selznick, no qual o filme foi inspirado. O Roteiro de John Logan conseguiu contar e bem toda a aventura e desventura de Hugo. E Martin Scorsese conseguiu sim fazer um excelente uso do 3D. O que até me leva a ser repetitiva, mas é por uma torcida de que os demais Diretores só usem esse recurso de modo inteligente. Como também que as crianças que assistirem esse filme, além de ser tornar um cinéfilo, que também passem a gostar de lerem livros. O filme também tem isso de bom: incentivo à leitura. Great!

Um vídeo muito bom para quem não viu, ou viu e queira rever, de um Making Of dos Efeitos Visuais em “A Invenção de Hugo Cabret“: Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Então é isso! Uma Obra-Prima que vale o ingresso para assistir em 3D. Um filme onde não se resiste em aplaudir no final.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011)

É o filme mais-que-perfeito que vi nos últimos cem anos. Parece que todos os deuses da sétima arte resolveram colaborar com o mestre Scorsese a superar seu próprio recorde de genialidade. Uau! Nessas horas até podemos nos dar ao luxo de esquecer por alguns minutos da eterna pergunta “Quem surgiu primeiro: o ovo ou a galinha?” Ou quem foi que inventou o cinema: Thomas Edison ou irmãos Lumière? Em Hugo, os dois eis que contracenam.

O importante é lembrar que também somos feitos da mesma matéria do cinema e a história resume-se na re-união de todos os elementos desde sua criação.

“A chegada do trem na estação” pode-se dizer que esse veículo sai dos trilhos pegando de surpresa os passageiros na poltrona: um 3D para ninguém reclamar de susto. E um presente com um pouco dos 80 filmes de Georges Méliès foi “A viagem à Lua”,… e as mais acertadas escolhas para nos brindar são as presenças de Christopher Lee, Ben Kingsley, Chloë Grace Moretz, Sacha Baron Cohen, grande elenco, grandes nomes, filme fantástico.

Bravo, bravíssimo!
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A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011)

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Scorsese faz um ode de amor ao cinema clássico no seu novo filme “Hugo”- um conto de fantasia com uma pequena dose de comédia. Filmado notavelmente em 3-D, e expandido por imagens computadorizadas, “Hugo” é baseado na novela grafica de Brian Selznick, “A Invenção de Hugo Cabret”, com roteiro de John Logan, que roteirizou o chatissimo “The Aviator” (2004).

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O filme se passa nos anos 30, em uma estação de trem em Paris, onde um jovem órfão chamado Hugo Cabret (o extraordinario Asa Butterfield), vive secretamente dentro da máquina que mantém os relógios da estação em execução. Nenhum outro filme envocou em tal complexidade as rodas, manivelas, alavancas, catracas e engrenagens, tudo acoplado a um conto de perda, saudade, mistérios revelados e felicidade reconquistada.

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O cineasta abraça as imagens de efeito digital, e Paris nunca pareceu tão bela, e tão falsa em movimentos de câmera 3D. Falo assim pois ainda não cai de amores a esse tipo de linguagem em 3D, mas tudo bem, o filme tem muito mais qualidades do que defeitos. Scorsese teve uma irresistível oportunidade, não só para fazer um filme para crianças e adultos, mas para compartilhar sua paixão pela história do cinema. Isto porque a história de “Hugo” leva ao pioneiro do cinema Georges Méliès ( Ben Kingsley)-  que é também o proprietário da loja de brinquedo, o qual coloca Hugo em apuros. Também, Hugo tem que enfrentar o inspetor da estação interpretado por Sacha Baron Cohen, que quase rouba todas as cenas que aparece. Mas a aventura acontece mesmo quando Hugo se torna amigo de Isabelle (Chloe Moretz). Ambos desfrutem a paixão pelo cinema, e pelos descobrimentos que os levam até Georges Méliès.

A potência temática e o virtuosismo cinematográfico da produção de arte de Dante Ferretti e da bela fotografia de Robert Richardson, são um show a parte, embora Paris tenha aquela aparência brilhantemente falsa. E, Howard Shore escreveu uma trilha muito agradavel!.

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“Hugo” é um filme que depois de vê-lo uma vez eu não preciso vê-lo novamente. Eu aprecio a paixão de Scorsese, sou fã dele, e creio que se o Oscar não fosse uma premiação tão politica, ele deveria ganhar o premio de melhor diretor do ano!. Bem,  “Hugo” traça esse paixão pelo cinema, mas no final senti que a história geral deu lugar a essa paixão e um pouco da magia se perdeu. Não porque o filme não seja maravilhoso, pois é muito bom, mas seria melhor se não fosse tão longo!.

Nota 8,5

Uma Família Bem Diferente (Breakfast With Scot. 2007)

Não gostei desse título dado no Brasil: “Uma Família Bem Diferente“. Por acentuar, por enfatizar que há diferenças no tocante de uma relação casal com filhos formando de fato um Lar. Também porque assim continuam a propagar os preconceitos. Poderiam sim, terem traduzido literalmente o título original – Breakfast with Scot. Não apenas porque é parte do contexto da estória, e tem uma das cenas mais comoventes. Uma Família, no sentido de um Lar, primeiro não tem que vir de laços consanguíneos. Depois, não tem que ser como manda a tradição: um casal hetero com seus filhos de sangue.

Em “Uma Família Bem Diferente“, um menino, o Scot, perde a sua mãe de sangue. Como ela deixara como tutor seu namorado, Billy, que nem é o pai de Scot, ele é procurado. Enquanto o procuram, a juíza delega Sam, irmão de Billy, para cuidar do menino. A juíza merece aplausos por estar ciente da relação de Sam com Eric. Billy só se interessa pelo dinheiro deixado para Scot, por sua mãe.

Abro um parêntese para esse legado. É que, se a grana tem uma importância em quem ficará com Scot, ficou sem maiores detalhes. E o Sinistro (Seguro) pelo o que eu sei não é pago se quem o fez morreu de overdose. Enfim…

Eric é pego de surpresa com essa decisão. Embora sabendo que não tem escolha, tenta argumentar com Sam. Fazendo um drama em terem uma criança em casa. Ele que primazia em manter uma conduta super discreta, com a chegada de Scot na vida deles, se verá tendo que enfrentar velhos fantasmas. Temores desde a infância, por bullyings sofrido por outras crianças. Sam já é mais desencanado.

Por conta disso, a estória do filme coloca Sam como o pai mantenedor, e que só intervém numa impor uma autoridade em meio ao caos. Embora Eric também trabalhe fora – comentarista de hóquei para um canal de tv -, ficará aos seus cuidados, levar e buscar Scot para a escola; comprar roupas; alimentá-lo… Enfim, seguindo uma tradição: será uma mãezona para o menino.

Como citei antes, pela postura discreta, Eric acreditava que em seu trabalho, só quem sabia da sua homossexualidade era uma amiga. Por Scot, irá se confrontar com seu chefe preconceituoso.

Para surpresa de Eric, Scot é totalmente desencanado da sua sexualidade. Deixando aflorar seu lado feminino, no vestir, no cuidado com a pele, gostando de se maquiar… Se antes de vê-lo, Eric já sofria por um futuro gavião-no-pedaço… ao conhecê-lo, ficou apavorado. Mais. Com Scot ao lado, para ele era também contar ao mundo que era gay. A grande questão, era que Eric não digeria bem o preconceito das pessoas.

Scot acaba trazendo uma revolução na vida de todos. O que levará a essência de cada um deles, demarcar um caminho a seguir. Como com o menino briguento, da casa vizinha, que sem o Scot, seria um forte candidato à prática do bullying. Scot, de um único “t” veio como uma criança frágil, mas mostrará uma grande força interior…

Breakfast With Scot” não é um filme para descobrir o final, mas sim para acompanhar todo o crescimento, ou não tão amadurecimento assim, dos personagens. Para refletir que enquanto se olhar com preconceito para aquele que quer assumir a sua homossexualidade, ficará intimidado. Tendo até quem sofra por isso. Por vezes,  a pressão é tanta, que vestir uma armadura não basta, se fazendo ver o em torno com lentes cor de rosa. E não é fuga, é se dar esse privilégio.

Eric, Sam e Scot vieram nos mostrar que também podem ser uma família mais que perfeita. Não percam! O filme é ótimo, para ver e rever! Até por ser mais um a mostrar que um casal homo também serão excelentes pais/mães, como o “De repente, Califórnia“.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Quem Quer Ser um Milionário?

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“Quem quer ser um milionário?”

Você certamente ouviu muito isso quando Silvio Santos apresentava seu famigerado “Show do Milhão”. Claro, como todos sabem, os enlatados comerciais que nos fazem engolir, nada mais são que adaptações dos programas de sucesso do exterior. Sua influência é tamanha que atrai mais e mais telespectadores. Mas o que dizer de um cara, de 18 anos, de origem pobre (melhor, paupérrima), sem a mínima perspectiva de um dia crescer na vida.

Um rapaz sem estudo, sem futuro, sem nada. Ele vem, responde uma série de perguntas, é subestimado pela sua origem, e leva o grande prêmio, fica rico e surpreende o mundo. Essa é a história de Slumdog Millionaire, prefiro chamar assim, odiei a tradução em português “Quem quer ser um Milionário”. O título em inglês, se traduzido ao pé da letra seria algo como “Favelado milionário”, título que em minha opinião é o mais convincente.

Essa é a nova história contada por Danny Boyle, um dos meus diretores inglês preferido. Aqui ele conta a história do jovem Jamal, uma criança que desde cedo aprendeu a se virar. Junto com o irmão, vive no lugar mais pobre da pobre Índia, catam lixo para comer, correndo atrás de viver no céu, no meio do inferno. Após a perseguição religiosa, que é constante em muitos países da Ásia, ele perde a mãe, e fica a mercê da sorte, junto com o irmão mais velho, e uma coleguinha que ele decide ajudar (na boa, pobre tem coração, isso é fato!).E aos poucos a câmera nervosa de Boyle trilha a história de Jamal, até ele chegar à TV e conquistar seu prêmio.

O filme vai intercalando passado e presente, não de maneira clichê, do tipo que vemos em filmes que usam disso para atenuar ação. Aqui é diferente. Mostra 3 Jamal, um pequeno, um maiorzinho e o jovem. A cada pergunta do programa ele revive a infância, relembrando tudo. Ele mais grandinho é como se privilegiasse mais a história de seu irmão, Salim, e da menina, Latika. Ele jovem une tudo isso e cria o clímax do final.

A direção segura do competente Boyle dá um ritmo incessante ao filme. No começo, uma caçada nas entranhas da Índia, onde ficamos chocados com o descaso daquele pobre país, fica evidente a preocupação em mostrar a índia que realmente existe, não a índia que a novela das Oito idealizava. Ele nos conduz, no meio da podridão, a uma esperança que ainda existe no personagem, mesmo com ele comendo o pão que o diabo amassou com gosto.

O mais legal, é quando vai mostrando ele respondendo as perguntas, e entra um flash, e o que é mostrado no flash tem ligação direta com as respostas que ele tem que dar. Só que coitado, acaba vítima da suspeita, e é torturado por dois policiais que querem obrigar ele a confessar que está trapaceando. E vamos acompanhando tudo, ao longo do filme torcendo cada vez mais por Jamal. A emoção que Boyle cria é incrível, e mostra porque ele é tão cultuado mundo afora.

A parte técnica do filme é quase perfeita. A fotografia é linda, feia, borrada, suja, linda. Ela entrega uma veracidade desgraçada ao filme, em alguns momentos lembra Cidade de Deus. A trilha é incrível, ela lateja em nossa cabeça, ela cria o clima do filme, ela é parte do sucesso. Estou sem palavras, é só ouvindo pra entender.

A edição primorosa é um atrativo que vale a pena ser citado, cortes rápidos, idas e vindas, tudo aliado ao bom gosto das cenas, criando imagens que chocam (a morte da mãe…) e que encantam (eles ainda criança, na chuva…), que nos deixam fascinados (todos os enquadramentos possíveis de uma Índia bonita…), que nos deixam com pena (as crianças do Manoon…). Um estudo sobre os enormes problemas da Índia, mostrada de maneira verdadeira, sem esconder.

O elenco é espetacular. Sem muitas caras conhecidas, a galera arrasa. Primeiramente os que interpretam o trio principal (Jamal, Salim, Latika). Aquelas crianças estão incrivelmente ótimas. Suas atuações soam naturais, convencem e valem à pena. Os jovens roubam a cena. O que interpreta Jamal é o melhor deles, cara de sonso, mas muito esperto, de coração nobre, mesmo sendo tão pobre.

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Seu irmão, Salim, também convence bem, ele acaba lembrando os personagens de filmes brasileiros sobre a favela. Sua interpretação é tão verdadeira, tão convincente que arrepia. A que faz Latika, a mais fraquinha, porém ainda assim tão boa quanto, não é daquelas personagens que só tão ali pra preencher lingüiça, é como se sem ela não haveria aquela irmandade, ela é o 3° mosqueteiro, como sugere Jamal na linda cena da chuva.

Mas o grande ponto forte do filme, fica com a bela homenagem à Bollywood. Enredo bem redondo e enxuto, com seus clássicos usuais clichês (menino pobre ficando rico, amor da sua vida, conflitos com o irmão malvado e por aí vai) e sem contar a dança logo no final do filme, que é uma das marcas mais famosas desse cinema. Há ainda espaço para recortes e citações ao cinema e aos atores famosos por lá.

Juntando a isso todos os outros que ao longo da história aparecem, Slumdog Millionaire é um filme que vai além do entretenimento. Aliado a tudo de ruim mostrado na tela, ainda abre espaço para a reflexão sobre o 3° mundo que ainda existe, sobre a infância roubada nos países pobres, sobre a escravidão da TV e de seus Realities Shows que conquistam mais e mais adeptos. Os bastidores, a inveja, o submundo, tudo retratado sem subestimação de nossa inteligência, tudo mostrado como realmente é.
Indicado a 10 OSCAR e vencedor de 8, Slumdog Milionaire é uma mais que deliciosa surpresa. Um filmaço!

Nota: 10 (mais que merecido!)

Slumdog Millionaire, EUA/Reino Unido (2008)

Direção: Danny Boyle.
Atores: Dev Patel, Freida Pinto, Anil Kapoor, Rajedranath Zutshi.
Duração: 120 min.

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