Os Catadores e Eu (Les Glaneurs et la Glaneuse. 2000)

Les-Glaneurs-et-la-Glaneuse_2000Por: Karenina Rostov.

agnes-varda_cineastaPara alguns são um monte de lixo, para mim, muitas possibilidades.”

Depois de assistir ao documentário “Os Respigadores e a Respigadora da cineasta Agnes Varda, começo meu parágrafo já concluindo que “respigar” é uma arte. Arte esta que designa um verbo, resultado de uma ação nobre, porém, nem tanto sob a lupa de parcela da sociedade que se dá ao luxo de julgar essa ação como repugnante e humilhante gerando até certo pré-conceito. É bem verdade que não é confortável ao ser humano testemunhar determinadas cenas do homem quando este, por exemplo, porta-se como um animal abandonado à própria sorte e ter que catar comida no lixo. A história me fez lembrar o poema “O Bicho“, de Manuel Bandeira:

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

Então volto a pensar na ação de respigar como arte porque, bem ou mal ela, há tempos, está representada através de várias pinturas famosas que embeleza paredes de museus pelo mundo, e alguns desses trabalhos são do pintor francês Jean-François Millet que evidencia em parte de suas obras cenas exóticas do cotidiano, integrando homem e natureza, como no consagrado quadro “The Gleaners”, ou “Os respigadores“, de 1857. Confesso que o verbo respigar não fazia parte do meu vocabulário, mas a ação embutida nela, sim, faz parte da minha vida, da sua, e de todo ser que respira, mesmo não sabendo seu significado literal, inconscientemente pratica-se essa ação. Acabei recorrendo ao dicionário para saber a definição exata da palavra e sua filologia, pois nem o meu editor de texto foi capaz de reconhecer. A propósito, Varda inicia a narrativa de “Les glaneurs et La glaneuse” a partir do conceito dicionarizado. Significado de Respigar: v.i. e v.t.d. Ação de apanhar no campo as espigas que aí ficaram após a colheita. Recolher, catar, rebuscar. Fig. Recolher daqui e dacolá o que outros disseram ou fizeram; compilar, coligir: respigar frases célebres.

os-catadores-e-eu_2000Então respigar designa ação de apanhar espigas que sobraram da colheita… faz sentido! Soa esquisito até conjugar o verbo, não? Eu respigo, tu respigas ele respiga… A novidade aqui é questão vocabular. Às vezes temos conhecimento de atos e atitudes que ficam adormecidas dentro da gente e é preciso a ação de alguém para que o mundo tome conhecimento ou fazer com que desperte em nós esse lado adormecido. Catar comida, ou coisas que ninguém mais quer, rebuscar ações, recolher frases, pensamentos, pegar alimentos e objetos abandonados por aí…isso tudo é respigar.

Muitas histórias nunca serão contadas em livros, filmes, rodas de conversas, recitadas ou cantadas; mas esta história, sim, era mesmo para ganhar vida e para a alegria do cinéfilo, nessa linguagem, quadro a quadro, registrados em cada fotograma com direito a narração, direção, roteiro, produção, enquadramentos, edições, trilha sonora, risos, lágrimas, respiração, cabelos brancos, mãos enrugadas, experiência de vida, enfim, para que o espectador nela se identificasse, uma história que o mundo inteiro deve conhecer para se conscientizar de ações como essas tão ambíguas, mensagens da mãe natureza ao homem alertando que se depender dela, jamais faltará alimento para o mundo porque a Terra fértil produz sempre além de sua capacidade, só que o homem por não dar crédito à sua inteligência não reconhece a boa vontade Dela, da natureza e, por isso, desperdiça.

Os-Catadores-e-Eu_2000_00O alimento não colhido é benção para a própria terra que, com certeza, agradece porque ganhará em adubo para novas plantações. E assim todo ciclo da vida se renova, desde a minhoca até o pássaro. E não é a toa que a escolhida para contar essa história fosse alguém especial, com a sensibilidade apurada, capaz de ver o lado bom da vida mais que outros, alguém sensível, experiente, com lembranças interessantes capaz de traçar comparações algo do tipo quem precisa ser compartilhado, comparando um respigador que faz apenas por diversão com outro que faz por necessidade.

A história narrada por Agnes Varda é crua, seria como dizer o lado bizarro da vida, cenas que o mundo varreria para debaixo do tapete, enxergando como grotesca porque lixo ninguém quer dentro de casa, e para muitos a cena dantesca chega a chocar quem dela se farta. E a diretora seguiu adiante nesse seu projeto de cair na estrada para rebuscar o que o mundo tem para oferecer, do grotesco ao sublime tudo que conseguiu capturar em sua câmera na viagem pelas estradas da França, e ainda dando carona a quem mais tivesse interesse de registrar com ela imagens, e ações aparentemente corriqueiras ou aquelas que ficarão para a eternidade retidas na memória como algumas emoções, sentimentos, depoimentos e outras descobertas nessa ação de respigar.

the-gleaners_by-jean-francois-milletEla encontrou na sua respigação, um mestre na arte de ensinar o estudo da vida, um professor de Biologia desempregado vendedor de jornais nas ruas e que rebusca alimentos largados nas feiras livres e nas lixeiras, e esse moço, um sábio, o pão deixado para ele nas lixeiras, é retribuído por ele ao dar aulas aos menos favorecidos. E a vida é um ciclo de troca, todo mundo acaba, sem querer, rebuscando. Uma ação bonita e louvável da parte dele. Nessa sua jornada, Agnes encontrou também alguém na arte de respigar imagens através de sua própria invenção a la Irmãos Lumiere. A diretora teve sorte em suas buscas e garimpagens.

Acabou me fascinado com essa história toda e nos apontando saídas da vida ou para ela na arte de respigar, exatamente como na pintura “As Respigadoras” de Millet. E a diretora também respigou na sua viagem ao Japão coisas fascinantes e estranhas e guardou algumas delas na bagagem além das lembranças do passeio e outras curiosidades que pode carregar.

São as coisas que recolho ao longo do tempo que resumem as viagens que faço… da viagem ao Japão trouxe na bagagem coisas que respiguei.

Os-Catadores-e-Eu_2000_01Esta história ganhou vida não para ser um mero entretenimento, mas para que muitos se conscientizem do que acontece com o Mundo. Tanta coisa que é deixada para trás nas grandes colheitas pela França, (só lá?) nas plantações de batatas, na colheita de maçãs e outras frutas, e tudo que é deixado pelo caminho, aquilo que não foi colhido por algum motivo, não é descartado por muita gente, felizmente é aproveitado e vai-se atrás para catá-las o que é permitido naquele país. Das coisas que são descartadas também no final das feiras, os tomates amassados e as folhas das verduras que murcharam que ninguém vai querer comprar.

Alimentos vencidos que muitos deixam apodrecer na geladeira e acabam servindo aos menos favorecidos. Pães e bolos que as padarias jogam fora sempre terá alguém que vai precisar e querer. Além disso, há o descarte de objetos de todo tipo que são deixados nas ruas quando não se quer mais. E essas coisas ganharão um novo dono e nova utilidade. Uma repaginada do lavou, tá novo!

É um exercício de reflexão sobre o desperdício de alimento principalmente de tudo que é plantado, há mais desperdício do que aproveito. Um século crítico que não dá mais para o mundo se dar ao luxo de descartar alimento.

A diretora é uma respigadora e tanto, capaz de rebuscar muito daquilo que os outros não querem ver nem fazer, e que abandonam despudoradamente nas esquinas da vida. A história é retratada em grandes pinturas realistas, a lição é antiga, mas até hoje o homem não aprendeu a fazer direito o dever de casa. Nós somos os respigadores, ela, Varda, a respigadora. Só posso agradecer por este belo filme fazer parte da minha respigação. Todos nós respigamos de alguma forma as formas de ver o mundo. Hoje eu chamaria de garimpar.

Agnes Varda é mesmo um anjo por nos ter permitido fazer parte de sua viagem.

Por: (E.B.) Karenina Rostov.

Os Catadores e Eu (Les Glaneurs et la Glaneuse. 2000)
Ficha Técnica: na página no IMDb.

Nota: (*¹) De quando o Documentário saiu num Festival, veio com o título de “Os Respigadores e a Respigadora”. Já passando para o circuito comercial, ganhou o título de: “Os Catadores e Eu”.

Quase Famosos (Almost Famous, 2000).

quase-famosos_2000Por Francisco Bandeira.
Cameron Crowe entregou em “Quase Famosos” um dos retratos mais honestos e cativantes sobre as descobertas dos adolescentes sobre drogas, sexo e rock’n roll. Todo aquele deslumbramento acerca de seus ídolos, uma atmosfera de curtição quase inquebrável – mesmo com tantos conflitos – e, especialmente, a liberdade de um jovem, transformando aquela aventura juvenil em um belo road movie.

O primeiro contato com a música, fama, famosos, artistas, empresários, mulheres e o amor. O que torna tudo tão perfeito? As músicas que pontuam cada passagem especial do filme (a cena do ônibus ao som de Tiny Dancer, do Elton John, é espetacular). Penny Lane (Kate Hudson, perfeita) é aquele tipo de mulheres que procuramos a vida inteira, que não saem das cabeças, que ecoam em nossos pensamentos e sonhos, porém tão frágil e desolada, que a torna alcançável ou ainda mais apaixonante.

quase-famosos_2000_01Crowe inseriu suas experiências pessoais no filme, mostrando que nos deparamos com diversos tipos pela vida: a mãe protetora (Frances McDormand, divina), a irmã libertadora (Zooey Deschanel, ótima), a jovem e bela inocente que quer ser descolada (Anna Paquin, encantadora), ou o jovem preocupado que descobre que a vida pode ir de sonho a pesadelo em questão de segundos (Patrick Fugit, espetacular) ou aquele típico sacana que nos proporciona as melhores experiências de nossas vidas e, por mais imbecil que seja não conseguimos odiá-lo… Nem sequer por um minuto (Billy Crudup, impecável). São tantos sentimentos em cena, que fica difícil não se sentir atraído por personagens tão mágicos, em um universo de sonhos que é a vida, e desejamos vive-la cada vez mais.

Ser famoso é ótimo, ser anônimo tem suas vantagens, porém fazer parte do grupo dos QUASE FAMOSOS não é nada menos que perfeito.

Quase Famosos (Almost Famous. 2000). Ficha Técnica: página no IMDb.

Teatro: ELIS, A Musical (2013)

elis-a-musical_cartazA direção é de Dennis Carvalho e o texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade.  O trabalho evoca a curta trajetória de um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira, a célebre cantora Elis Regina que encanta a todos até hoje com um monte de canções que jamais serão esquecidas. Na avalanche de musicais que acontece no Brasil, Elis não poderia ficar de fora.

elis-regina_laila-garinNo entanto, percebe-se nitidamente uma pressa na produção de um espetáculo que poderia facilmente entrar para o rol de melhores peças já feitas.  O ritmo não é bom, com algumas cenas longas demais, como a da entrevista final; o cenário e elementos de palco (O que dizer daquele manequim medonho que destruiu o número de “Dois para lá, dois para cá” e ousou voltar resoluto numa outra cena?) carecem de criatividade e pouco surpreendem a plateia talvez num ou outro momento como na projeção de “Belle de Jour” num suposto cinema de arte; a iluminação é pobre e estava especialmente sem sincronia e com luzes piscando e acendendo ou apagando em instantes e locais equivocados na apresentação do dia 23/11/2013; a coreografia é anárquica e visualmente desagradável, funcionando melhor quando os elementos estão parados.

elis-a-musical_01O elenco é desigual com destaque para Felipe Camargo e a acertada escolha da excelente atriz e cantora Laila Garin como protagonista, perfeita na composição do ícone popular até no figurino, ao contrário de outros personagens nem tão bem sucedidos nesta encenação como Jair Rodrigues, Lennie Dale (embora os atores sejam bons, estão inadequados), Henfil e até uma caricatura tosca e forçada de Marília Gabriela.

Na verdade, o espetáculo se sustenta mesmo é no desfile das canções brilhantemente interpretadas por Laila, lamentando a ausência de “Fascinação” (inteira) e “Romaria” e destacando “Madalena”, “Águas de Março”, “Como nossos Pais” e “O Bêbado e a Equilibrista”. A música bem executada é o que felizmente fica na mente do espectador quando deixa a casa imaginando que o show talvez ficasse melhor somente com Laila simplesmente cantando Elis em sequência.

Contudo, não dá para deixar passar o erro mais grave da produção que brindou as primeiras filas da plateia VIP com os ingressos mais caros de todo o Teatro Casa Grande e a visão pior possível de todo o estabelecimento por conta de um palco monstruosamente alto, ação concentrada no fundo do tablado com direito a toda a movimentação das coxias nas laterais. Tudo poderia ser amenizado com um respeitoso aviso de visão prejudicada no momento da compra com o devido desconto no preço.

Carlos Henry.