Birdman (2014). O Canto do Cisne em Seu Apogeu!

birdman_de-wws-harrisPor: Cristian Oliveira Bruno.
Alejandro-Inarritu_Edward-Norton_Michael-KeatonAo terminar de ler o roteiro de Birdman ou (a Inesperada Virtude da Ignorância) [2014], Edward Norton (A Outra História Americana) pergunta ao diretor e roteirista Alejandro González Iñarrítu (Babel) quem havia sido escalado para o papel principal do longa. Ao ouvir o nome de Michael Keaton (Batman – O Filme) como resposta, Norton tem uma epifania: “É claro! É tão óbvio….e tão perfeito!“.

E é assim, trazendo um ator que viveu o auge de sua carreira no início dos anos 90, ao interpretar um popular super-herói no cinema, vivendo o personagem de um ator que viveu o auge de sua carreira no início dos anos 90, ao interpretar um popular super-herói no cinema que Birdman estabelece-se como um escarnio metalinguístico crítico e auto-crítico de primeira qualidade, brincando de fazer cinema com bom gosto e com alto grau de originalidade, fazendo de um filme simples o melhor filme de 2014.

birdman_2014_cenasO roteiro de Birdman é tão bem escrito que qualquer um de seus personagens poderia ser escolhido como protagonista – embora Riggan Thomson (Michael Keaton) realmente apresente-se como principal eixo dramático da trama. Se, por vezes, o excêntrico Mike Shiner de Edward Norton parece querer tomar todas as atenções para si – e de quando em vez até consiga – e a Sam de Emma Stone tenha lhe rendido uma justificada indicação ao Oscar, uma personagem e sua intérprete parecem ter ficado à sombra de sua real grandeza: Naommi Watts e sua Lesley, uma talentosa e sonhadora atriz que vive simultaneamente o melhor momento de sua carreira e uma das fases mais conturbadas de sua vida pessoal. Tanto a personagem, quanto a interpretação de Watts deveria ter recebido maiores holofotes, pois são marcantes e dignos de nota. Inusitadamente trazendo uma trilha composta unicamente por solos de bateria, Birdman é justamente aquilo que seu diretor pensa sobre cinema: “um conjunto de elementos distintos em constante movimento trabalhando em conjunto pelo mesmo propósito“. Assim sendo, Iñarrítu se desprende de qualquer estigma narrativo e/ou estrutural, sentindo-se mais do que à vontade para transpôr sentimentos e sensações para a tela. Portanto, não estranhe os quase intermináveis planos-sequência (que geraram preocupação por parte se toda a equipe para com a saúde dos cameramens, que sustentavam o pesado equipamento móvel por muitos minutos, transitando pelos vários cenários – um teatro real foi usado como locação) ou cenas em que Michael Keaton levita ou move coisas com a mente. Tudo isso é tão bem construído que se torna a mais pura apresentação de contexto e personagem elaborada nos últimos sei lá quantos anos.

birdman_2014_01Sem poupar ninguém nem fazer concessões, Birdman critica e desnuda tudo e todos que compõem seu universo, atacando sem piedade – porém, com muita elegância – todos aqueles que integram o mundo glamouroso da Broadway, sejam atores, diretores, platéia e críticos. E principalmente, Birdman ataca seus egos, principal fio condutor de sua trama. Pois não há nada mais instável do que o ego. Ele que nos faz acreditar sermos capazes de fazer o capazes somos – nem nunca seremos – capazes – de fazer e nos leva a cometer os mais mirabolantes atos.

Birdman é o cinema em sua mais pura forma e utilizando-se de absurdos, metalinguagem, fantasia e técnicas para fazer uma verdadeira obra-prima contemporâneo. Birdman está aí para nos mandar um recado: Hollywood ainda tem esperança, mesmo que esteja fora dali.

Nota: 9,5.

Uma Saída de Mestre (The Italian Job. 2003)

uma-saida-de-mestre_2003_posterLadrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão? Brincadeira à parte! O filme “Uma Saída de Mestre” tem como pano de fundo em dar uma volta em que antes fora parceiro num grande roubo. E esse tal roubo, ou melhor, ambos os roubos é a tônica de toda a ação nessa nova leitura de “Um Golpe à Italiana” (1969) e Dirigido  F. Gary Gray.

Eu acredito nas pessoas, só não acredito no demônio dentro delas.”

Após todo um meticuloso roubo na Itália, levando milhões em barra de ouro numa fuga espetacular pelos canais de Veneza, um dos ladrões envolvidos, Steve (Edward Norton), trai a todos levando o produto do roubo. Pior! Ele até arma em dar fim a todos, mas na realidade um deles que morreu de fato, John Bridger (Donald Sutherland).

Do Velho Mundo partem frustrados para a América tentando levar a vida, como também em tentar encontrar o traidor. E acabam por encontrá-lo vivendo numa bela mansão com um grande aparato de segurança e usufruindo de tudo que o dinheiro possa comprar. Afinal, mesmo que ninguém mais o ligasse ao tal roubo, precisava se proteger de algum outro grupo tão bom quanto eles foram. Steve seguia a vida tranquilo até ser descoberto…

A diferença do amor e o ódio é que por ódio você mata. Por amor você morre.”

Acontece que Charlie (Mark Wahlberg) não apenas quer recuperar a fortuna roubada, como também quer vingar a morte do amigo Bridger que o considerava como um pai. Para isso terá que reunir os demais companheiros, como também tentar convencer a filha de Bridger a ajudá-los nessa nova empreitada. Ela é Stella (Charlize Theron) que herdara do pai o talento de arrombar cofres. Só que essa perita usa o seu talento ajudando a Polícia arrombando cofres em cenas de crimes, como também em testar os componentes de segurança. Stella ficará tentada entre seguir sua vida honesta ou aceitar o convite de Charlie para vingar a morte do pai.

Paralelo a isso temos Charlie em reunir os antigos comparsas. Onde cada um é dotado de um talento específico. A Charlie cabia traçar todo o plano. Lyle (Seth Green), o especialista em informática. “Ouvido Esquerdo” (Mos Def), o expert em explosivos. “Rob Bonitão” (Jason Statham), o galante sedutor para conseguir as informações necessárias ao roubo, como também o motorista oficial para a hora das fugas. E Steve, o grande vilão da história, se antes era quem despistava a polícia nas fugas, teria que usar todo o seu talento para se safar dos demais na nova empreitada.

Roubo, morte, traição, fugas alucinantes, perseguições… pode não ser nada novo. Dai se faz necessário contar e bem uma história. Algo que “Uma Saída de Mestre” faz. E para meu agrado, há cenas hilárias! Além de belas paisagens, uma Trilha Sonora ótima! Atuações incríveis! Num ótimo filme para ver e rever! Nota 08!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Uma Saída de Mestre (The Italian Job. 2003)
Ficha Técnica: na página no IMDb.

Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância). 2014

birdman_2014_01alejandro-gonzalez-inárritu_cineasta_birdmanJá adiantando que o filme é excelente e que tentarei não trazer spoiler! Até porque eu estou em suspense em como contar essa história onde parece estarmos numa poltrona mágica levados por toda trama com receio até de que se paramos cogitando se perdera algo poderemos de fato perder parte dela. Já tivera essa sensação em “Pina“, mas ai Wim Wenders usou com maestria a tecnologia do 3D. Já nesse aqui, eu diria que Alejandro González Iñárritu fez uso do talento de seus técnicos + espaço cênico. Conduzidos por esse genial cineasta!

Para quem conhece pelo menos um pouco da obra de Iñárritu sabe que ele parte de um ato único para então interligar todos os demais personagens ao protagonista. Assim, temos como pano de fundo em “Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância” alguém querendo provar até a si próprio de que ainda é um ótimo ator. Que em se tratando dos Estados Unidos, os mais antigos ainda glamoriza a Broadway: a meca das produções teatrais. Como se a Hollywood não atestasse o talento de um ator. Para esse ator, essa segunda escalada ele já alcançara no passado com então o personagem que dá nome a primeira parte do filme: “Birdman“. Queria então partir para o seu segundo ato: tentar conquistar a Broadway. Para quem acompanhou a Série “Smash” teve uma ideia do quanto é difícil conquistar um dos importantes palcos dali, mais ainda em permanecer em cartaz, o que por si só já denotaria o sucesso da peça teatral. Bem, a história do filme já o coloca lá numa pré estreia. Assim, temos quase toda a trama focada nas apresentações dos ensaios técnicos abertos ao público.

birdman_2014Claro que o peso maior recai sobre esse ator, Riggan Thomson. Grande atuação de Michael Keaton! Para Riggan além do peso de anos sem atuar, há o do personagem que de ícone passara a ser Cult, lembrado em grande maioria por um público adulto. Quem lhe dará o toque de que precisa se atualizar para então atrair um público mais jovem é sua filha Sam. Personagem de Emma Stone, uma camaleoa ao se passar por uma adolescente rebelde. Dizendo que os tempos são outros, que deveria aproveitar da velocidade advinda dos iphones para as redes sociais. Que para esse grande público não bastava o peso de quem o fora no passado, eram atraídos mais por algo que escandalizasse. Bem, de qualquer forma, sem querer Riggan atrai para si esse tipo de flash. Mas que piora seu embate com o novo ator trazido por quem faz sua esposa na tal peça, a Lesley (Naomi Watts). Essa mesmo ciente do temperamento desse outro, o traz. Talvez imbuída da urgência, ou até por querer o sucesso da peça a qualquer custo, afinal era a Broadway e ela estava preste a realizar um sonho de criança… Riggan também concordara… Enfim, era alguém que atrai um público que soma o peso do nome com os escândalos que provoca. Ele é Mike Shiner, personagem do sempre ótimo Edward Norton. Pois é! Sem fugir da tal fama, ou até por conta dela, Mike de alto do seu egocentrismo tentará roubar o espaço em cena com Riggan. Um duelo de egos. Ou seria de alter-egos? Mike seria um James Dean da atualidade. Mas é ele quem acaba dando um toque em Sam para que pese a sua própria rebeldia contra o pai.

birdman_2014_01Já em relação a dicotomia entre celebridade x notoriedade, ator de filmes x ator de teatro… e por ai vai. É alimentada pela crítica teatral Tabitha Dickinson (Lindsay Duncan), odiada e venerada por uma gama de maior idade, mas desconhecida ou não endeusada pela parcela mais jovem. Terá um embate primeiro com Mike, depois com Riggan. Com esse não ficará pedra sobre pedra… E é dela que vem a segunda parte do título do filme: “A Inesperada Virtude da Ignorância“. Agora… Quem até então ignorara o que?

Além de tentar também se apaziguar com a ex-mulher, Sylvia (Amy Ryan), fora a filha… Riggan tem em seu calcanhar seu agente/advogado, Jake (Zach Galifianakis. Bom vê-lo num personagem mais sério.): com o orçamento em vermelho, com os acidentes de percurso na condução da peça teatral… Jake só não dimensiona a gravidade do estado de Riggan. Esquizofrenia ou para-normalidade? Sem como perceber de fato o que se passa com Riggan, Jake no fundo é um bom amigo. Até porque o próprio Riggan não admite para si mesmo que precisa de ajuda de um profissional da área, nem fala para ninguém. Até fala para Sylvia, mas não sendo explícito, essa também não avalia a gravidade… Com isso, meio que sozinho, ele acabará travando um embate com Birdman. Fora tudo mais a lhe pesar também a alma… Será muita coisa para ele digerir… Paro por aqui para não lhes tirar o suspense.

Então é isso! Preparem o fôlego porque irão voar, subir, descer… pela câmera vasculhando toda a trama, que é um deleite também para também os da área psico. Os atores estão em uníssonos! A Trilha Sonora, tirando uma certa bateria, é ótima! Com um Final em aberto? Eu diria que Riggan deixa todos livres para os seus próprios solos. Espero que não venham com uma continuação. Bem, de qualquer forma para “Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância” os louros vão em primeiro lugar para Alejandro G. Iñárritu! Ele é um gênio! Que por conta de como contou essa história criou uma obra prima! Que só por isso o filme merece até ser revisto!

Nota 10!

Por: Valéria Miguez (LELLA).

Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância. 2014. Ficha Técnica: página no IMDb.

O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel. 2014)

O Grande Hotel Budapeste-2014_personagensÀ primeira vista, O Grande Hotel Budapeste parece ser uma divertida comédia para todas as idades, mas seu humor e muitas das temáticas tratadas vão além dos 18 anos. O filme gira em torno das aventuras de Gustave H. (Ralph Fiennes), lendário concierge (algo entre recepcionista e gerente geral) do magnífico Hotel Budapeste, e seu fiel lobby boy Zero (Tony Revolori), que é o narrador “raiz” da história. E a narrativa é justamente um dos muitos pontos de destaque dessa obra. Dentre outras coisas, o filme é uma homenagem a arte de se contar uma história, o que é revelado nas várias camadas de narrativa que ela possui: nos dias atuais, uma garota lê um texto de um renomado escritor, no qual ele relata uma história que lhe foi contada em 1968 por um velho senhor em um velho hotel; tal história tem início em 1932, no auge do sucesso do Grande Hotel Budapeste. Sendo assim, a realidade em tela é uma versão de uma versão de uma história (ou seria uma interpretação de uma interpretação?), o que lhe dá a licença poética necessária para essa exuberante obra.

O Grande Hotel Budapeste-2014_01Mas para falar desse filme e justificar os adjetivos utilizados no parágrafo anterior, vamos, por enquanto, nos concentrar em seu protagonista. Gustave H. é o que podemos chamar de um nobre, ingênuo e adorável cafajeste. Apesar de sua sensibilidade e jeito afetado (o que lhe rende algumas ofensas homofóbicas ao longo da película), ele gere com punho de ferro todo o staff do hotel, exigindo perfeição em cada detalhe. Sua fiel clientela de mulheres “ricas, velhas, inseguras, vaidosas, superficiais, loiras e carentes” é mantida graças à sua amabilidade e ao intenso relacionamento sexual que ele mantém com todas elas.

A propósito, ela é pura dinamite na cama.”
Ela tem 84 anos…”
Já fiquei com mais velhas.”

É sua fina educação e mesmo sua cômica pedância (ele insiste em recitar pomposos poemas mesmo nas situações mais triviais ou inapropriadas) que oferecem um contraponto às principais ameaças à sua grandiosa realidade: guerra e ganância. A aventura começa quando uma de suas mais fiéis clientes é assassinada e seus gananciosos herdeiros armam para que ele seja acusado do assassinato. Paralelamente, o fictício país no qual a história se passa está sendo invadido por fascistas estrangeiros. Esse simbolismo é um tanto óbvio: essa situação representa a invasão da Áustria pelo regime nazista, evento que seria o estopim da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, isso não é o suficiente para abalar sua civilidade.

Vocês são o primeiro esquadrão da morte oficial ao qual nós fomos formalmente apresentados. Como estão?

E sua civilidade é um dos principais pontos do filme, apesar de que em alguns momentos até ele duvide da relevância de suas cordiais atitudes diante de uma realidade brutal e selvagem.

Veja, ainda existem fracos vislumbres de civilidade restantes nesse bárbaro matadouro que já foi conhecido como humanidade. De fato, é isso que provemos em nosso modesto, humilde e insignificante… ah, dane-se.”

O Grande Hotel Budapeste-2014_02Sua ingenuidade quase infantil está no fato de achar que essa civilidade é o suficiente para aplacar a barbaridade do mundo que de repente o cerca; e que mesmo o mais rabugento dos seres humanos precisa apenas ser amado. Ela também se revela em sua prontidão em ajudar qualquer um que precise, mesmo que sejam perigosos criminosos que desejam fugir da prisão na qual ele também foi jogado. Em todas suas relações, seja com os criminosos, seja com Zero, seja com suas clientes, fica clara a sua vocação em ser um fiel servente e fazer o máximo possível para ajudá-los, ainda que em todas elas ele também desfrute de inúmeras vantagens. Além de ingênuo, Gustave também parece ser amoral.

Tal personagem é mais fácil de ser escrita/imaginada do que interpretada, e é aí que entra toda a experiência de Ralph Fiennes, que a interpreta de forma tão magnífica que não conseguimos imaginar nenhum outro ator em sua pele. A elegância, a afetação, a pedância, as raras e contidas explosões de fúria: tudo isso é perfeitamente equilibrado pelo ator, que se destaca e está aqui em uma de suas melhores interpretações. Esse destaque tem ainda mais relevância quando levamos em conta o elenco absurdamente estelar desse filme, que conta com muitas participações e personagens menores interpretadas por nomes como Tilda Swinton, Adrien Brody, Harvey Keitel, Jude Law, Jeff Goldblum, Williem Dafoe, Tom Wilkinson, Edward Norton, Mathieu Amalric, Saoirse Ronan, Bill Murray, Owen Wilson, dentre outros (se você não conhece algum dos nomes, certamente reconhecerá todos os rostos). Outro que não desaparece em meio à essa fantástica constelação é Tony Revolori, interprete de Zero. Eu poderia falar um pouco mais sobre essa interessante personagem e seu empolgante caso de amor, mas o texto já está longo o suficiente.

Além do humor negro nas passagens citadas acima, o filme também é divertidamente impiedoso com as personagens secundárias, e algumas delas terão mortes violentas, sangrentas e com alguns requintes de crueldade. Isso aumenta o nível de tensão e contrasta ainda mais com o pitoresco e vibrante colorido dos cenários e do figurino; além de contrastar com o tom leve da narrativa.

Então é isso: uma divertida, estimulante e amoral aventura para aqueles que acham graça em piadas de dedos sendo decepados e gatos sendo atirados da janela de edifícios.

Por Marcos Vieira.
★★★★☆

CLUBE DA LUTA (Fight Club) – 1999

Após saber da raridade dessa obra, escrita por Chuck Palahniuk e esgotada há anos no mercado brasileiro, fiquei curioso, porém minha decisão definitiva de comprar o romance veio mesmo após ler a seguinte frase: CONSIDERADO UM CLÁSSICO MODERNO DESDE SUA PUBLICAÇÃO EM 1996. Li o livro e “corri” para assistir ao filme, só posso dizer que a mescla do excelente roteiro, fidelíssimo ao livro, com a visão aguçada de David Fincher para transpor palavras em uma linguagem visual impressionante foi uma das parcerias mais bem sucedidas para algo fictício dessas últimas décadas. Quem leu antes de conferir a adaptação deve compreender minha opinião e os que só assistiram sabem da genialidade da história.

Imagine seu cotidiano com insônia, tédio e cansaço constantes. Essa era a vida dele.

O protagonista (Edward Norton), personagem-narrador, é um executivo jovem que trabalha como investigador de seguros, mora confortavelmente, mas ele está ficando cada vez mais insatisfeito com sua vida medíocre. Para piorar ele está enfrentando uma terrível crise de insônia, até que encontra uma cura inusitada ao frequentar grupos de auto-ajuda a fim de chorar com pena dos pacientes doentes e dormir tranquilamente depois. Nesses encontros ele passa a conviver com a excêntrica Marla Singer (Helena Bonham Carter). Após seu apartamento (uma verdadeira amostra de consumismo derivado do tédio) ser destruído, ele acaba indo morar com o recente e curioso amigo marginal Tyler Durden (Brad Pitt no melhor papel de sua carreira), com quem acaba criando o Clube da Luta, um grupo secreto para extravasar suas angústias e tensões através de violentos combates corporais. Com o tempo as cidades vão aderindo à idéia do Clube da Luta, até os pontos de vista de Tyler e o protagonista entrarem em conflito ao mesmo tempo em que a sociedade passa por ataques de um grupo terrorista liderado por Tyler em busca de ideal.

Tyler: Eu quero que você me acerte o mais forte que puder.

A trama fala sobre o lado natural e o animalesco do ser humano, criticando o consumismo e a perda da autonomia das personalidades das pessoas diante de uma sociedade montada através de regras, mantendo as pessoas alienadas com os avanços tecnológicos e cada vez mais distantes de suas próprias personalidades. O Clube da Luta é mais do que apenas uma estranha maneira de diversão. Talvez não tenha ficado bastante claro no filme o objetivo da criação de Tyler. Com o clube, os homens descarregariam seus problemas na luta a fim de finalmente não terem receio de enfrentar os problemas no dia seguinte. Segundo Tyler, a sociedade está escravizada pelo medo e só o caos poderá libertá-la.

Contra o quê você está lutando?

Mesmo apanhando, os participantes acabavam por livrar-se de um fardo: estética e insegurança. Atualmente, todos têm medo de sofrer algo fisicamente, no Clube da Luta os homens não tinham mais nada a perder após a briga, encerrada, por regra, apenas após chegar ao limite (oponente inconsciente ou pedindo para parar, algo requerido sempre após muita brutalidade). A autodestruição é um dos temas mais recorrentes no livro de Chuck, as personagens sempre tentavam chegar ao fundo do poço, pois só assim poderiam renascer e conseguir mudar. O importante é compreender o fato do sacrifício físico, sem morte, ser encarado positivamente por representar algo essencial para o renascimento, logo os lutadores não se importavam com machucados.

O suicídio é apresentado como a má aceitação da pessoa consigo mesma. Tyler, sendo o melhor amigo do protagonista, é o seu oposto e, simultaneamente, seu maior rival por representar tudo aquilo que ele deseja ser e não pode pelas regras da sociedade. Se não há espaço para Tyler no mundo do protagonista, na sociedade, os dois entrarão num conflito interminável, onde não haverá opção de salvação longe da coexistência. Tyler representa o desprezo sentido pelo protagonista, cuja crença é a de que sem ordem não haverá civilização, pela imposição da repressão através da religião e da sociedade. O grande plano de Tyler é provocar mudanças no mundo ao erradicar o medo (explicado no parágrafo acima com a criação do clube) e organizar um exército de ataque aos principais meios de prisão do homem moderno, destruindo lojas de computadores e prédios bancários.

O sabão é um símbolo muito importante. Sendo feito à base de gordura humana, representa o sacrifício para se obter um resultado eficaz. A crítica pode ser analisada pelo fato da gordura partir do lixo de clínicas de estética e servir como cosméticos para socialites, logo é um ciclo onde as próprias pessoas se aproveitarão do resultado. Tyler vende os sabões e estes servem para limpar, e é esse seu ideal, limpar a sociedade de seu mal através de sua própria sujeira, representada pelos seguidores do Clube da Luta (encarados como marginais se as lutas fossem expostas ao público).

Tyler: Você não é seu emprego, nem quanto ganha ou quanto dinheiro tem no banco, nem o carro que dirige, nem o que tem dentro da sua carteira, nem as calças que veste. Você não é especial.

O filme opta por um final diferente e errôneo do livro, cuja conclusão possui muito mais a ver com a trama desenvolvida. Porém os dois completam-se, ocorrendo algo semelhante ao tão famoso Laranja Mecânica (onde o filme é bem mais famoso que o livro, alavancado pela excelente adaptação). Essa união de um talentoso escritor e um diretor brilhante só poderia resultar numa coisa: clássico. Por isso, discordo da frase em destaque no primeiro parágrafo, para mim ele só foi considerado clássico desde 1999, ano de lançamento do longa-metragem. Edward Norton, Brad Pitt (cuja interpretação está quase à altura do Coringa de Heath Ledger) e Helena Bonham Carter estavam no ápice de suas carreiras e tão inspirados quanto Fincher, eles aparentam nascer para esses papéis, resultando numa experiência com inteligência surpreendente e bastante humor, cumprindo o objetivo do autor ao escrever a história: proporcionar um entretenimento eficaz e inteligente com uma leitura leve de forma que não consigamos nos desprender das páginas, sucesso esse também ocorrido longa, onde piscar representa perder parte do espetáculo.

A Outra História Americana (American History X. 1998)

a-outra-historia-americanaAs únicas pessoas que realmente mudaram a história foram as que mudaram o pensamento dos homens a respeito de si mesmos.” (Malcolm X)

Será que o meio pode realmente corromper uma pessoa? Ou é algo inato? As influências, pressões externas não seria apenas pretexto para trazer à tona o próprio caráter? Pois encontrar desculpas, ou mesmo culpar, jogar seus próprios fracassos no outro, é muito mais fácil.

Em ‘A Outra História Americana‘, temos um canalha mor. Alguém que alicia os jovens pegando no ponto fraco: se sentirem frustrados. Como não usam suas mentes para fazer algo que os tornem um ser humano apto a enfrentar as vicissitudes da vida, ele, Cameron (Stacy Keach) tem acesso livre nessas cabeças. E assim, doutriná-los com ideais nazistas.

Por outro lado há também um outro tipo de mentor. Um Diretor de Colégio que usa a sua autoridade para que os jovens raciocinem por si mesmos. Que avaliem a vida que estão levando. Ele é Sweeney (Avery Brocks). A porta de sua sala está sempre aberta a quem quer uma chance de mudar.

Enquanto Cameron aumenta cada vez mais as suas gangues, Sweeney é como o pastor que vai atrás de cada ovelha perdida. No filme o veremos em ação com dois irmãos: Derek (Edward Norton) e Danny (Edward Furlong). Indo de uma manhã a outra. Por Danny ter feito uma redação sobre Hittler, Sweeney lhe dá até a manhã seguinte para fazer uma outra: com a história de seu irmão, Derek, em sua vida. Assim, entre as situações atuais, em flashback vamos conhecendo toda a história dessa família. Com Derek preenchendo as lacunas que Danny até então desconhecia.

Nesse mesmo dia Derek está saindo da penitenciária. Após cumprir 6 anos por ter matado dois jovens que tentavam roubar o seu carro. Mas os anos passados na prisão, pelo o que vivenciou lá dentro, e pela ajuda de dois negros, o fez refletir. O fez querer mudar de vida. Tinha então dois desafios iminentes: se desligar de Cameron e tirar Danny de suas garras. Cameron estava fazendo dele, Danny, um novo líder de gangue.

Para mim ficou a ideia de que o ‘X’ no título original – American History X -, refere-se a Malcolm X.

O filme tem cenas chocantes. Uma delas ficará registrado por um longo tempo em nossa mente. Todos atuam muito bem. Mas Edward Norton está incrivelmente bem. Excelente filme! Não deixem de ver.

Por: Valéria Miguez (LELLA).

A Outra História Americana (American History X). 1998. EUA. Direção: Tony Kaye. +Elenco. Gênero: Crime, Drama. Duração: 119 minutos.